Certo dia, há mais de mil e quinhentos anos, um jovem retirou-se de sua vida confortável para uma gruta erma. Queria dedicar-se à escuta de Deus no silêncio. Ele passaria à história da Igreja com o nome de São Bento.
Para muitos, aquele desejo talvez até parecesse um tanto excêntrico. Mas a sua decisão não era um voluntarismo, nem se baseava em modas ou ideologias. São Bento fazia a vontade de Deus, como se comprovaria por seus frutos.
Não há árvore boa que dê fruto ruim, nem árvore ruim que dê frutos bons. Cada árvore se reconhece pelo seu fruto. (Lc 6, 43-44a)
Os frutos da vida de São Bento são extraordinários! Será que você tem clareza do que recebemos dele? Este artigo é um convite para você crescer em sua vida espiritual, conhecendo as virtudes de São Bento.
Da Gruta ao Mosteiro
São Bento nasceu em torno de 480 na região da Núrsia, que fica na Itália. Como muitos jovens de família nobre, foi enviado a Roma para fazer seus estudos. Mas ele encontrou um ambiente mundano e não se enturmou. Decidiu então buscar a vontade de Deus para sua vida.
Ainda antes da conclusão dos seus estudos, Bento deixou Roma e retirou-se na solidão dos montes a leste da cidade. [1]
Depois de viver isolado em uma região, juntou-se a uma comunidade. Finalmente, optou pela vida de eremita recolhido em uma gruta em Subiaco, onde passou três anos em oração e isolamento. Foi o seu período de amadurecimento.
Depois de uma primeira estadia na aldeia de Effide (atualmente Affile), onde durante um certo período se associou a uma “comunidade religiosa” de monges, fez-se eremita na vizinha Subiaco. Ali viveu durante três anos completamente sozinho numa gruta. [2]
Três anos de oração e recolhimento: eis uma grande lição! Antes de falar aos homens, é preciso recolher-se para escutar o Senhor. Essa é uma sabedoria que o mundo moderno esqueceu.
Toda a sabedoria verdadeira provém de uma experiência com Cristo. São Bento não se recolheu na gruta de Subiaco por modismo. Ele foi chamado a travar um duro combate espiritual nos três anos em que viveu nela. Foi uma experiência de deserto espiritual, na qual ele se uniu ao Senhor.
Jesus foi conduzido ao deserto pelo Espírito, para ser tentado pelo diabo. (Mt 4, 1)
Tendo aceitado entrar no deserto, São Bento pôde combater e vencer três fortes tentações. Você sabe quais são elas? A autossuficiência, o hedonismo e a ira. Não se preocupe com as palavras, caso sejam novas para você. O importante mesmo é o sentido de cada uma.
O período em Subiaco, marcado pela solidão com Deus, foi para Bento um tempo de maturação. Ali tinha que suportar e superar as três tentações fundamentais de cada ser humano: a tentação da auto-suficiência e do desejo de se colocar no centro, a tentação da sensualidade e, por fim, a tentação da ira e da vingança. [3]
Autossuficiência é atitude de quem pensa que não precisa de Deus. A pessoa faz o que quer e depois diz que foi a vontade de Deus. Trata-se de uma expressão do orgulho, que destrói a simplicidade da alma.
O que destrói a simplicidade em muitos mestres humanos é a falsa grandeza do orgulho, que é na verdade pequenez e tolice. [4]
Hedonismo é reduzir a vida aos prazeres. Hoje em dia muitas pessoas vivem somente para comer, beber, viajar e comprar. Já não vêem nada mais à sua frente. Essa mentalidade é um caso de hedonismo. Não se trata de combater os prazeres, mas de viver uma vida plena em Deus, com retidão.
É importante que tenhamos momentos de silêncio, momentos de estudo, momentos de atividade, momentos de lazer e momentos para estar diante de Deus para amá-lo intensamente. [5]
E a Ira enquanto vingança, como se define? Podemos chamá-la de ódio. É a decisão de ver o outro como um inimigo a ser derrotado. Não se refere às emoções, que não controlamos, mas sim à decisão que tomamos perante o próximo.
O ódio voluntário é contrário à caridade. O ódio ao próximo é um pecado quando o homem quer deliberadamente o seu mal. [6]
Somente depois de atingir a maturidade espiritual é que São Bento fundou seu primeiro mosteiro no vale do Anio, perto da gruta de Subiaco. Seria o primeiro de muitos. São os famosos “mosteiros beneditinos” - assim são chamados os mosteiros que seguem os ensinamentos de São Bento.
Bento estava convencido de que, só depois de ter vencido estas tentações, ele teria podido dizer aos outros uma palavra útil para as suas situações de necessidade. E assim, tendo a alma pacificada, estava em condições de controlar plenamente as pulsões do eu, para deste modo ser um criador de paz em seu redor. Só então decidiu fundar os seus primeiros mosteiros no vale do Anio, perto de Subiaco. [7]
Até aqui vimos como se desenvolveu a vocação de São Bento. Veremos agora de que maneira a sua vida extraordinária foi um caminho de encontro com Deus para muitas pessoas ao longo dos séculos..
A Cruz, o Livro e o Arado
Em 1964, quando São Bento foi proclamado padroeiro da Europa, o papa Paulo VI aludiu a três símbolos de sua vida extraordinária. São três imagens com as quais podemos entender melhor o legado beneditino para toda a Igreja.
Principalmente ele [isto é, São Bento] e seus filhos levaram com a cruz, o livro e o arado o progresso cristão às populações dispersas do Mediterrâneo à Escandinávia, da Irlanda até as planícies da Polônia. [8]
A Cruz é o símbolo maior do Cristianismo. Aqui ela diz respeito ao primado da oração litúrgica e pessoal. São Bento nos ensinou que rezar não é perda de tempo! Devemos viver como Jesus, sempre em oração.

A oração foi uma espécie de pano de fundo ininterrupto, como o contexto contínuo da vida de Jesus no qual todo mais está mergulhado. [9]
O livro é o símbolo do patrimônio cultural que São Bento e seus mosteiros preservaram. Oração e estudo sempre caminharam juntos próximos na vida beneditina. Desejando compreender melhor a Palavra de Deus, os monges se dedicaram aos estudos bíblicos e linguísticos.
Visto que, na Palavra bíblica, Deus caminha para nós e nós para Ele, é preciso aprender a penetrar no segredo da língua, compreendê-la na sua estrutura e no seu modo de se exprimir. Assim, devido precisamente à procura de Deus, tornam-se importantes as ciências profanas que nos indicam as vias rumo à língua. [10]
Embora o Papa Paulo VI não tenha mencionado diretamente a Regra de São Bento, é possível interpretar que o símbolo do “livro” refere-se também a essa obra. Ela foi o instrumento por meio do qual os mosteiros beneditinos mantiveram a sua identidade espiritual e colaboraram com a evangelização da Europa durante séculos.
Onde quer que o trabalho humano condicionava o desenvolvimento da cultura, da economia e da vida social, aí chegava o programa beneditino da evangelização, que unia o trabalho à oração e a oração ao trabalho. [11]
O fundamento da Regra de São Bento é o próprio Evangelho. São Bento soube formular um modo de vida monástico simples que, para além dos seus mosteiros e de sua época, alimentou uma espiritualidade viva em todo o mundo.
A Igreja relê sempre o mesmo Evangelho Verbo de Deus que não passa — no contexto da realidade humana que muda. E Bento soube certamente interpretar com perspicácia os sinais dos tempos de então, quando escreveu a sua Regra, na qual a união da oração e do trabalho se tornava, para aqueles que a aceitassem, o princípio da aspiração à eternidade. [12]
Voltando aos três símbolos, chegamos ao arado. Ele simboliza o trabalho, que é a transformação do mundo. O próprio lema da ordem menciona o vínculo entre trabalho e oração: “reza e trabalha” (ora et labora, em latim).
São Bento nos ensina que não devemos nos lançar em um ativismo frenético, como se Deus não existisse, mas sim trabalhar para construir o que o Senhor nos pede. A condição é a escuta da vontade de Deus na oração.
No trabalho, a pessoa exerce e realiza uma parte das capacidades inscritas em sua natureza. O valor primordial do trabalho está ligado ao próprio homem, que é seu autor e destinatário. [13]
Vimos que o legado de São Bento é grandioso. Ele deu frutos para todas as gerações, comprovando, assim, que sua experiência mística veio de Deus. Veremos agora como aplicar a sua sabedoria em nossas vidas.
A Santa Obediência
Hoje em dia a obediência é uma virtude meio esquecida. Não falta quem chegue a pensar que ela não seria uma virtude. Mas nós, que cremos em Jesus Cristo, sabemos que é fundamental obedecer ao Senhor.
Obedecer (“ob-audire”) na fé significa submeter-se livremente à palavra ouvida, visto que sua verdade é garantida por Deus, a própria Verdade. [14]
O primeiro preceito da Regra de São Bento nos chama à obediência. O santo nos recorda que não pode haver humildade em nossos corações, se não estivermos dispostos a obedecer a Deus.
Escuta, filho, os preceitos do Mestre, e inclina o ouvido do teu coração; recebe de boa vontade e executa eficazmente o conselho de um bom pai, para que voltes, pelo labor da obediência, àquele de quem te afastaste pela negligência da desobediência. [15]
E nós? Será que nós somos obedientes ao Senhor? Obedecemos a todos os Mandamentos, ou somente a alguns? E aos mandamentos da Igreja, obedecemos? E por que obedecemos? É de coração? Essas são algumas meditações que devemos levar para a nossa vida de oração pessoal.
Que São Bento interceda por nós!
Referências:
[1] Papa Bento XVI. Audiência Geral de 09 de abril de 2008.
[2] Ibid.
[3] Ibid.
[4] Garrigou-Lagrange. O Salvador e Seu Amor por Nós. São Paulo: Cultor de Livros, 2021. p. 197.
[5] Cardeal Robert Sarah. A Noite se Aproxima e o Dia já Declinou. São Paulo: Edições Fons Sapientiae, 2019. p. 134.
[6] Catecismo da Igreja Católica, 2303.
[7] Papa Bento XVI. Audiência Geral de 09 de abril de 2008.
[8] Papa Paulo VI. Carta Apostólica Pacis Nuntius.
[9] Cardeal Raniero Cantalamessa. O Espírito Santo na Vida de Jesus. São Paulo: Edições Loyola, 2015. p. 49.
[10] Papa Bento XVI. Encontro com o Mundo da Cultura no Collège des Bernardins. Paris, 12 de setembro de 2008.
[11] Papa João Paulo II. Homilia de 23 de março de 1980.
[12] Ibid.
[13] Catecismo da Igreja Católica, 2428.
[14] Catecismo da Igreja Católica, 144.
[15] São Bento. A Regra de São Bento. Tradução de Dom João Evangelista Enout. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 2016. p. 19.