Liturgia

Natividade de São João Batista: o nascimento e a missão do maior dos profetas

João é “mais que um profeta”. Nele, o Espírito Santo conclui a tarefa de “falar pelos profetas”. João encerra o ciclo dos profetas inaugurado por Elias.

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Em sua carta aos efésios, São Paulo esclarece aos leitores que o tempo previsto por Deus no Antigo Testamento já se havia cumprido. O Filho de Deus veio na carne, portanto Ele nasceu de mulher como todos os homens.

Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei (Ef 4, 4)

A história da humanidade se divide em dois segmentos, antes e depois de Cristo. Todo o período de preparação do Antigo Testamento se realiza no mistério da Encarnação e do Natal do Senhor.

A vinda do Filho de Deus à terra é um acontecimento de tal imensidão que Deus quis prepará-lo durante séculos. Ritos e sacrifícios, figuras e símbolos da “Primeira Aliança”, tudo ele faz convergir para Cristo [1]

Foi da vontade de Deus que um grande profeta preparasse o caminho de Cristo. O nascimento e a missão de São João Batista encerram o Antigo Testamento, anunciando a entrada no Novo Testamento.

São João Batista é o precursor imediato do Senhor, enviado para preparar-lhe o caminho. [2]

Este artigo é um convite para você meditar sobre o mistério da Encarnação do Verbo por meio da vida de São João Batista, que foi escolhido para desempenhar um papel único na história da Igreja.  Vamos entender como o nascimento e a missão de São João Batista nos ajudam a compreender melhor a vinda do Filho de Deus.  

“Que vai ser deste menino?”

Ao narrar os nascimentos de São João Batista e do Senhor Jesus, o Evangelho de São Lucas recorre a muitas alusões ao Antigo Testamento. Trata-se de um modo de anunciar que as profecias se cumpriam.

Para Lucas, o Antigo Testamento é um livro inacabado cujas notas finais fazem ressoar expectativas e promessas não cumpridas. Assim, ele tece numerosas alusões ao Antigo Testamento em sua narrativa, o que implica que a história contada agora por ele é uma continuação da revelação bíblica e, na verdade, o seu esperado ápice. [3]  

Seis meses antes que o anjo Gabriel aparecesse a Maria, ele fez uma outra aparição. Foi ao idoso Zacarias, pai de João Batista, para anunciar-lhe que Deus lhe concederia um filho apesar da idade avançada de sua mulher. Mas Zacarias não teve a fé de Maria.

“Eu sou Gabriel. Assisto diante de Deus, e fui enviado para falar contigo e dar-te esta boa notícia. E agora ficarás mudo e sem poder falar até o dia em que essas coisas acontecerem, já que não acreditaste em minhas palavras, que se cumprirão a seu tempo” (Lc 1, 19-20)

Que palavras eram essas? Como dissemos, o anjo Gabriel anunciou que Zacarias e sua esposa teriam um filho. Falou também que o menino se chamaria João. Este é um nome que veio do Alto!

Isabel, tua mulher, te dará um filho, e tu o chamarás pelo nome de João. (Lc 1, 13)

O Anjo disse que João não beberia vinho nem bebida fermentada. Trata-se de uma alusão ao Livro dos Números (6, 1-11), que é um dos cinco primeiros livros da Bíblia, indicando assim que o menino seria consagrado ao Senhor como nazireu.

São João Batista e o cordeiro. Pintura de Bartolomé Esteban Murillo
Em termos práticos, os nazireus viviam uma forma primitiva de vida religiosa e eram o equivalente a monges e monjas da Antiga Aliança. [4]  

Mas o Anjo fez uma promessa a mais.  Você sabe qual é? João seria repleto do Espírito Santo desde o ventre materno. Essa purificação ocorreu quando Nossa Senhora visitou Isabel, carregando o Menino Deus em seu seio.

Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança saltou de alegria em seu ventre Isabel ficou repleta do Espírito Santo. (Lc 1, 41)

Por fim, o Anjo anunciou que João iria preparar Israel para Deus “com o espírito e o poder de Elias” (Lc 1, 17).  Essa expressão faz alusão ao último livro do Antigo Testamento, que é a Profecia de Malaquias.

Malaquias anunciou a vinda do Senhor para Israel. Os preparativos para sua chegada seriam concluídos por um mensageiro como Elias, que pregaria o arrependimento, restauraria as tribos de Israel e trabalharia para curar famílias desestruturadas. [5]

Oito dias após o nascimento de São João Batista os pais foram circuncidar o menino. Nessa ocasião, era costume que a criança recebesse o nome. Era um dia de grande importância para os judeus, pois remetia-se à Aliança de Israel.  

Os pais judeus costumavam dar nome a seus filhos do sexo masculino no dia da sua circuncisão, o oitavo dia após o nascimento (2, 21). Estes eram acontecimentos de grande importância, que sinalizaram o início da participação da criança na Aliança em Israel (Gn 17, 9-14; Lv 12, 3). [6]

Zacarias confirmou o nome dito pelo Anjo. Sua língua, então, soltou-se. Todos ficaram perplexos! Movido pelo Espírito Santo, ele cantou um belo hino, reafirmando assim a vocação do menino.

E tu, menino, serás chamado de profeta do Altíssimo, porque irás à frente do Senhor preparando os seus caminhos. (Lc 1, 76)

Desde então, a notícia se espalhou pela Judeia. Mesmo com o passar do tempo, as pessoas não se esqueceram desses acontecimentos extraordinários. Traziam no coração uma pergunta que seria logo respondida:

O que vai ser deste menino? (Lc 1, 66)

Vimos até aqui que todos os acontecimentos do nascimento de São João Batista transmitem a sua vocação. Ele é “o Elias” que Israel esperava. Veremos agora um pouco da realização de sua missão.

O Precursor

Hoje em dia temos dificuldade de entrar em contato com o forte impacto que aquela geração  sentiu com a presença de São João Batista. Israel havia caído sob a dominação do Império Romano, que impôs o estrangeiro Herodes como rei de Israel.

Herodes foi intitulado “rei dos judeus” pelo senado romano em 40 a.C., substituindo assim a decadente dinastia de judeus sacerdotes-governantes. [7]

Não era uma questão meramente política, como poderíamos pensar hoje em dia. O drama é que, para muitos israelitas, as promessas de Deus a Abraão e ao rei Davi pareciam muito distantes.  O reino de Davi estava em ruínas fazia séculos; e o povo vivia dominado por pagãos. Era como se Deus tivesse abandonado Israel!

Israel vive de novo na escuridão de Deus, as promessas a Abraão e Davi parecem terem se afundado no silêncio de Deus. Vale de novo a lamentação: já não temos profetas, parece que Deus abandonou seu povo. E por isso mesmo a nação estava cheia de distúrbios. [8]  

Foi nesse momento de forte tensão na vida de Israel que São João Batista começou a pregar a esperança. Ele se apresentou a Israel chamando o povo ao arrependimento para a vinda do Senhor.

Finalmente, estava de novo ali um profeta, cuja própria vida o identificava como tal. Finalmente, anuncia-se de novo a ação de Deus na história. João batiza com água, mas o “maior”, aquele que batizará com o Espírito Santo e com fogo, já se encontra à porta. [9]

Convém observar que São João Batista se vestia com roupas feitas de pele de camelo, cingia-se com um cinto de couro e comia gafanhotos com mel silvestre (Mc 1, 5). Eram roupas muito rústicas, que faziam lembrar o profeta Elias.

A aparência de João recorda a de Elias (2Rs 1, 8) e sua presença no Jordão faz rememorar que foi ali que Elias foi arrebatado ao Céu (2Rs 2, 6-11). [10]    

Não era um detalhe. Em São João Batista, o Espírito Santo completou a obra profética que vinha realizando desde o tempo do profeta Elias. A sua missão foi a de concluir o tempo previsto no Antigo Testamento, preparando um povo bem disposto (Lc 1, 17).

João é “mais que um profeta”. Nele, o Espírito Santo conclui a tarefa de “falar pelos profetas”. João encerra o ciclo dos profetas inaugurado por Elias. [11]

Preparando o Caminho

A nossa vida é bem diferente da de São João Batista. Ele viveu anos no deserto, em oração intensa, pois teve uma vocação muito especial. Mesmo assim, a sua vida nos recorda da essência da nossa fé.  Nós somos chamados a preparar o caminho!

Ainda hoje, muitos vivem afastados de Cristo. São muitas as pessoas que sofrem porque desconhecem o amor de Cristo! Será que nós agimos na vida delas, como São João Batista na vida de muitos de sua geração? Será que damos testemunho da presença de Cristo? Essa é uma reflexão necessária para todo cristão.

Que São João Batista interceda por nós!

Referências:

[1] Catecismo da Igreja Católica, 522.

[2]  Catecismo da Igreja Católica, 523.

[3] Scott Hahn & Curtis Mitch O Evangelho de São Lucas: Cadernos de Estudo Bíblico. Campinas, SP: Ecclesiae, 2015. p. 26.

[4] Ibid, p. 27.

[5] Ibid, p. 28.

[6] Ibid, p. 32.

[7] Scott Hahn & Curtis Mitch O Evangelho de São Mateus: Cadernos de Estudo Bíblico. Campinas, SP: Ecclesiae, 2014. p. 31-32.  

[8] Papa Bento XVI. Jesus de Nazaré: do Batismo no Jordão à Transfiguração. São Paulo: Planeta, 2016. 2a Edição. p. 29.

[9]  Ibid, p.  31.

[10]  Scott Hahn & Curtis Mitch O Evangelho de São Marcos: Cadernos de Estudo Bíblico. Campinas, SP: Ecclesiae, 2014. p. 28.

[11] Catecismo da Igreja Católica, p. 719.