A cidade de Jerusalém amanhecia serena, com o céu dourado e o canto das aves preenchendo o ar. Pelo caminho ao Templo, seguia um cortejo de jovens donzelas, cada uma com uma tocha acesa nas mãos. No centro, a mais bela menina já vista, que, com apenas três anos, caminhava com passos pequenos, porém firmes.
Vestida de branco, a menina irradiava uma pureza que cativava todos ao redor. Seu semblante, tão inocente, remetia à própria presença de Deus. A naturalidade de seus movimentos dava a impressão de que o Templo a atraía para Si, enquanto ela, a cada toque de seus pés no chão, parecia responder com o coração: “Sim, Senhor!”
Atrás da menina, seus pais a seguiam em silêncio, com lágrimas deslizando pelo rosto. Não eram lágrimas de tristeza, mas de uma alegria tão profunda que só poderia brotar de corações repletos de fé. Eles, que haviam concebido após anos de infertilidade, sabiam que aquela menina não era apenas sua filha, mas uma escolhida de Deus e uma dádiva para o mundo.
Chegando ao Templo, a pequena subiu os degraus com a suavidade de quem já pertencia inteiramente a Deus. Todos ao redor se emocionavam. A criança foi recebida pelo sacerdote, que a abençoou e exclamou: “O Senhor engrandeceu seu nome por todas as gerações, pois ao fim dos tempos manifestará em ti sua redenção aos filhos de Israel”. [1]
Essa linda menina, sinal da pureza divina, era Maria, a Imaculada; nesse ato de consagração a Deus, ela já apontava para o destino da humanidade. A futura Mãe do Salvador surgia na história, para fazer do povo eleito o canal da salvação de toda a humanidade.
O que é a Apresentação de Nossa Senhora?
A memória litúrgica da Apresentação de Nossa Senhora, celebrada em 21 de novembro, trata de um episódio da vida da Virgem Maria, conforme transmitido pelo protoevangelho de Tiago, datado do ano 200 d.C., aproximadamente.
Segundo o texto, os pais de Maria, Joaquim e Ana, que viviam em grande piedade, receberam a graça de conceber uma filha após muitos anos de esterilidade. Em sinal de gratidão, decidiram consagrá-la inteiramente a Deus, levando-a ao Templo de Jerusalém quando ainda tinha apenas três anos de idade. Ali, Maria passou a viver em íntima comunhão com o Senhor, dedicando-se ao estudo das Escrituras e ao serviço nas coisas sagradas.
Essa narrativa, ainda que não esteja presente no Novo Testamento, inspirou a devoção dos fiéis de honrar a infância e o período formativo da Virgem Maria, interpretado como um tempo de preparação para sua missão como Mãe de Deus.
Protoevangelho de Tiago e suas referências Bíblicas
O Protoevangelho de Tiago, ao detalhar a apresentação de Maria no Templo, reflete aspectos e simbolismos das Escrituras. A narrativa apresenta Joaquim e Ana discutindo o melhor momento para cumprir sua promessa a Deus, e, quando Maria completa três anos, chamam jovens virgens hebreias para acompanhá-la, duas a duas, cada uma segurando uma candeia acesa, até o Templo.
Essa passagem evoca várias figuras bíblicas: o gesto de Ana, mãe de Samuel, que também consagrou seu filho ao serviço do Senhor (1Sm 2, 24-28); o cortejo das virgens no Evangelho de Mateus (25, 1-13), representando o encontro com o Noivo, o próprio Cristo; e o cântico e a dança de Maria, irmã de Moisés, após a libertação do Egito (Ex 15, 20-21).
Segundo o Protoevangelho, ao chegar ao Templo, Maria foi recebida pelo sacerdote, que a abençoou e a colocou no terceiro degrau do altar, onde o Senhor Deus derramou suas graças sobre ela, e a menina dançou, encantando toda a casa de Israel.
Este episódio remete à alegria da presença de Deus no Templo e a sublime consagração de Maria ao serviço divino, antecipando a jubilosa Anunciação do Anjo Gabriel, a santa noite de Natal e a apresentação do Menino Jesus no Templo.
Origem da celebração e os dogmas marianos
A celebração da Apresentação de Nossa Senhora começou no século VI entre os cristãos do Oriente. Em 1372, o Papa Gregório XI a introduziu no calendário romano e, posteriormente, o Papa Sisto V a estendeu a toda a Igreja.
O mistério da Apresentação de Maria ilumina os dogmas da Imaculada Conceição e da Maternidade Divina, revelando sua consagração total a Deus desde a infância. Concebida sem pecado original, Maria ofereceu-se publicamente ao Senhor, evidenciando sua santidade ainda incipiente, mas já extraordinária.
Aquela que, aos três anos, se dirigia para viver no Templo seria, por excelência, o templo vivo do Verbo Encarnado. A Apresentação de Maria representa, assim, uma preparação espiritual e humana para sua missão, uma missão única em toda a história: ser a Mãe do Salvador do gênero humano.
O sentido espiritual
Nesse ato de entrega de Maria, a humanidade encontra o exemplo perfeito de resposta ao amor de Deus: uma vida integralmente orientada para o Senhor, sem reservas ou desvios. Maria, ainda tão jovem, oferece não apenas sua infância, mas toda a sua existência futura como um dom a Deus.
Essa celebração nos recorda o chamado universal à santidade. Também somos convidados a oferecer nossas vidas a Deus como resposta ao Seu infinito amor. Nós nascemos para esse fim, para sermos totalmente de Deus, independentemente dos nossos estados de vida (casados, solteiros, padres, freiras). A Apresentação de Nossa Senhora é, assim, um apelo à renovação de nosso batismo, encorajando-nos a buscar uma vida de santidade e pureza, dedicada ao Senhor.
O Protoevangelho de Tiago descreve com beleza a admiração de Joaquim e Ana ao verem Maria, ainda tão pequena, encaminhar-se ao Templo com uma firme decisão:
Então seus pais foram embora cheios de admiração e louvaram ao Senhor porque a menina não olhou para trás. [2]
Como batizados, também somos chamados a não olhar para trás nem temer o futuro. Assim como Deus tinha grandes planos para aquela pequena Maria de três anos, Ele também tem para cada um de nós. Basta que entreguemos nossa vida inteiramente a Ele, com confiança e abandono, assim como Maria fez por toda sua vida.
Louvemos a Deus pela vida da Virgem Santíssima, rezando juntos este belo hino: [3]
Do Rei Esposa e Filha,
real Virgem Maria,
eleita desde sempre
por Deus, que tudo cria.
Donzela imaculada,
morada do Senhor,
o Espírito, enviado
do céu, vos consagrou.
Sinal de caridade,
que espelha todo o bem,
aurora da luz nova,
como arca, Deus contém.
Delícias vos envolvem
na Casa do Senhor,
ó ramo de Jessé,
da graça dando a flor.
Ó pedra preciosa,
estrela reluzente,
do Espírito os templos vivos,
fazei-nos transparentes.
Ó Virgem singular,
louvor ao Deus Trindade,
que a vós deu os tesouros
de sua santidade.
Referências:
[1] Protoevangelho de Tiago. Capítulo VII.
[2] Protoevangelho de Tiago. Capítulo VIII.
[3] Hino das Laudes. Apresentação da Bem-aventurada Virgem Maria.