Quando indagado a respeito de qual seria o maior de todos os mandamentos, Jesus respondeu, citando o livro de Deuteronômio:
“Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor; amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças” (cf. Mc 12, 28-30).
Este mandamento nos ajuda a reconhecer a essência de todos os estados de vida, seja o religioso (freiras e frades), o matrimonial, o ministério ordenado (diáconos, presbíteros e bispos) ou o laical (celibatários ou não). Nele, encontramos o fundamento e a finalidade de toda vocação: ouvir a Deus e amá-lo sobre todas as coisas.
A palavra “vocação” deriva do latim vocare, que significa “chamar”. Portanto, toda vocação vem de Deus, é um chamado que o Senhor faz a cada pessoa. Ouvir a Deus, no entanto, não é um ato passivo, mas envolve uma resposta ativa que exige do cristão disposição e uma firme decisão para seguir o caminho revelado pelo Senhor, mesmo quando esse caminho parece difícil ou incerto.
Ao longo da história, a Igreja tem auxiliado os fiéis no processo de discernimento vocacional. A seguir, apresentamos algumas práticas seguras que podem ajudar qualquer batizado:
Vida de oração e Sacramentos
- Oração diária: Mantenha uma vida de oração consistente. Demorar-se no diálogo amoroso com o Senhor é um grande meio para pedir clareza e receber discernimento.
- Santa Missa: Participe frequentemente da Missa. Na Eucaristia recebemos todas as graças necessárias pelo toque da Sabedoria encarnada. O Coração de Jesus é fonte de orientação para toda vocação.
- Confissão regular: A confissão ajuda a manter um coração puro e aberto à vontade de Deus (CIC 2690-2691).
Leitura da Bíblia, Escritos Espirituais e Estudos
- Leia e medite nas Sagradas Escrituras. As passagens sobre chamados vocacionais e as vidas dos personagens bíblicos podem ser de grande auxílio no discernimento.
- Leia biografias de santos de diferentes estados de vida, bem como seus escritos pessoais. Identifique em suas entregas ao Senhor aquelas que mais inspiram teu coração.
- Estude sobre os diferentes estados de vida na Igreja (sacerdócio, vida religiosa, matrimônio, leigo consagrado - CIC 914-933, 1536-1600, 1601-1658).
Direção Espiritual e Amizades
- Encontre um bom diretor espiritual, alguém que você identifique como verdadeiramente comprometido com a busca pela santidade e a salvação das almas. É importante que essa pessoa seja sábia e experiente na vida, capaz de oferecer conselhos e perspectivas alinhados com a doutrina da Igreja e com as exigências circunstanciais da vida.
- Cultive amizades com pessoas que busquem o Céu. Converse com pessoas de fé madura, pois em muitos momentos elas poderão oferecer orientação, apoio e confirmação nos momentos de incerteza.
- Recorra ao seu Anjo da Guarda e aos santos que podem interceder especificamente pelo seu discernimento vocacional.
Retiros Espirituais e Experiências Vocacionais
- Participar de retiros pode proporcionar um ambiente de silêncio propício para refletir sobre a vocação e ouvir a direção que Deus aponta. Busque retiros que dialoguem com os estados de vida que mais tocam o seu coração.
- Faça experiências vocacionais em ordens, congregações, comunidades ou dioceses. Também busque conviver de perto com famílias ou pessoas celibatárias, caso o seu discernimento esteja voltado para a vida matrimonial ou leiga consagrada. Ambas as experiências são importantes para vivenciar o cotidiano das diferentes vocações.
Dificuldades no processo de discernimento
Diante de todas essas orientações da Santa Mãe Igreja, é importante destacar alguns fatores que têm prejudicado o processo de discernimento vocacional. Nos dias atuais, muitas pessoas, especialmente jovens, encontram dificuldades para abraçar uma decisão por toda vida.
Vivemos em uma época repleta de informações, atrativos, distrações e possibilidades. Os prazeres da carne estão facilmente ao nosso alcance, o que tem gerado uma reticência maior nas pessoas em tomar decisões perenes que envolvam certos sacrifícios.
Além disso, muitos jovens que são dedicados à oração e têm um verdadeiro desejo de agradar a Deus têm enfrentado o discernimento vocacional com muito medo de errar na escolha e, assim, não cumprir a vontade Divina. Esse medo tem causado muita angústia em corações de boa vontade.
Em alguns casos, mesmo seguindo as recomendações da Igreja, o processo de discernimento tem se tornado frequentemente frustrante e desgastante.
Jovens, especialmente aqueles mais propensos ao excesso de pensamento ou escrúpulo, tendem a se trancar em suas próprias mentes quando passam muito tempo discernindo o seu estado de vida. O foco excessivo no próprio eu pode fazer com que a pessoa fique presa ali, até mesmo em detrimento de outros deveres ou relacionamentos.[1]
Frente a tal cenário, gostaríamos de auxiliar aqueles que estão enfrentando dificuldades no processo de discernimento vocacional. A seguir, listamos algumas dicas:
Autoconhecimento e Penitência
De fato, toda grande decisão requer certo grau de maturidade. Uma pessoa madura é uma pessoa capaz de tomar decisões. Essa maturidade exige autoconhecimento. É necessário então refletir sobre seus dons, talentos e desejos mais profundos. Pergunte-se: “Em qual entrega de vida, na média dos dias, encontrarei mais sabor, brilho e sentido de viver?”.
Também é importante refletir sobre as próprias debilidades, limitações e carências: “Quais vícios preciso romper imediatamente? Quais virtudes devo cultivar para ser um bom esposo(a), um religioso(a) ou para abraçar a vida celibatária?”
Alma penitente
Os santos sempre se destacaram por uma vida de penitência, o que lhes conferia uma inteireza humana e uma solidez nas decisões, independentemente das consequências.
Uma vida mais mortificada, com penitências oferecidas com a intenção do discernimento vocacional, ajuda a refrear nossos impulsos carnais e a minimizar distrações. Além disso, as penitências diárias, pouco a pouco, suscitam um espírito mais decidido. Um coração penitente favorece o crescimento da virtude da Fortaleza, essencial para toda grande decisão.
Sinais e Confirmações
Ao considerar diferentes vocações, busque em seu coração sinais de paz e alegria. O chamado de Deus, embora possa gerar certo receio, traz consigo um senso de realização acompanhado de serenidade.
Esteja também atento a confirmações externas, como o encorajamento de outros ou oportunidades inesperadas que se alinhem com seus desejos vocacionais.
Providência Divina
Talvez aqui esteja o principal conselho para aqueles que estão imersos em dúvidas e desgastados pelo processo de discernimento: confiar na Providência Divina.
O abandono diário de si mesmo na Providência de Deus impedirá que a decisão vocacional se torne um drama de toda uma vida. O Senhor não permitirá que as escolhas feitas diante d’Ele levem à perdição um coração temente e sincero.
Toda vocação é um mistério que vai se desvelando no cotidiano. Portanto, escute o Senhor, tome sua decisão e confie que, a cada dia, Ele proverá o sustento necessário para sua resposta ao chamado. Encare sua escolha vocacional com compaixão, leveza e bom humor. Encare-se a si mesmo da mesma maneira. Deus deseja que você se torne um grande santo e o guiará, por meio de seu estado de vida, ao cumprimento do maior de todos os mandamentos: o amor a Ele.
Concluímos com uma lista de documentos recentes da Igreja que podem auxiliar no discernimento vocacional:
Catecismo da Igreja Católica
- Sobre a vocação à santidade: CIC 2013-2014.
- Sobre os diferentes estados de vida: CIC 914-933 (vida consagrada), CIC 1536-1600 (sacerdócio), CIC 1601-1658 (matrimônio).
- Sobre discernimento espiritual: CIC 2690-2691.
Escritos de São João Paulo II sobre Vocações
- Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte (2001): Sobre a chamada universal à santidade e a importância do discernimento espiritual.
- Exortação Apostólica Vita Consecrata (1996): Sobre a vida consagrada.
- Exortação Apostólica Christifideles Laici (1988): Sobre a vocação e a missão dos leigos na Igreja e no mundo.
Documentos do Concílio Vaticano II
- Lumen Gentium (1964): Constituição Dogmática sobre a Igreja, capítulos V (A vocação universal à santidade na Igreja) e VI (Os religiosos).
- Presbyterorum Ordinis (1965): Decreto sobre o ministério e a vida dos presbíteros.
- Apostolicam Actuositatem (1965): Decreto sobre o apostolado dos leigos.
Maria, Mãe das vocações, rogai por nós!
Referência
[1] Catholic Exchange. An Antidote to Discernment Anxiety.