A conversão é um processo contínuo ao longo de nossa vida cristã. A cada dia nós nos entregamos um pouco mais a Deus. É por isso que, na quaresma, fazemos penitências. Elas nos ajudam a transformar o nosso amor e respeito a Deus em atos concretos.
A fidelidade às promessas feitas a Deus é uma manifestação do respeito devido à majestade divina e do amor para com Deus fiel. [1]
Infelizmente, porém, existe um risco. Muitas vezes não conseguimos cumprir o que prometemos a Deus. Ficamos, então, tristes e até desanimados. Ao invés de reconhecer a nossa fraqueza perante Deus, entramos num processo destrutivo de autocobrança.
Mas não devemos perder o foco! O centro das penitências é a nossa conversão. Elas não são um exercício mundano de força de vontade, mas sim de uma escolha por uma vida nova alicerçada em Cristo.
Neste artigo, vamos meditar sobre o que acontece quando uma penitência é quebrada. Primeiro, você vai entender o que é uma penitência. Depois, veremos as consequências práticas de uma violação. Em seguida, vamos consultar a sabedoria de São Bento para aprendermos a viver as penitências com maior fruto, sem escrúpulos.
Um Voto a Deus
Você sabia que existem muitos tipos de votos na Igreja? Alguns religiosos fazem votos de obediência, castidade e pobreza. O monge faz um voto a mais, que é o de estabilidade no mosteiro. Todo voto é uma promessa a Deus, feita para amá-lo mais.
Muitas pessoas não sabem, mas existem promessas na vida dos leigos também. A penitência da quaresma é uma delas. Trata-se de um tipo de “voto”, um compromisso temporário. O fiel penitente oferece livremente a Deus, por quarenta dias, algo de bom que possa honrar. Pode ser, por exemplo, rezar uma Salve-Rainha por dia ou abster-se de chocolate.
O voto, isto é, a promessa deliberada e livre feita a Deus de um bem possível e melhor, deve cumprir-se por virtude da religião. [2]
Podemos dizer que as penitências da quaresma são uma espécie de voto privado. Isso significa que nós somos livres para determinar quais e quantas penitências faremos. No entanto, essa liberdade não pode ser um pretexto para agirmos como se elas não tivessem importância.
Não vos iludais, de Deus não se zomba (Gl 6, 7a).
Devemos cumprir as promessas feitas a Deus. Elas são muito sérias! Mas talvez você se pergunte: e se a pessoa tiver sido apressada? Pode acontecer com todo mundo. Às vezes nós, tocados por emoções, oferecemos o que não conseguimos honrar. Neste caso, se o fizemos sob pena de pecado mortal, imputando uma razão grave, devemos buscar o pároco para pedir-lhe uma dispensa (Cân. 1196).
Antes de avançarmos, convém lembrar que a penitência da quaresma obriga apenas uma pessoa: aquela que prometeu cumpri-la. Nós não podemos impor as nossas penitências aos irmãos, como se todos tivessem a obrigação de seguir o que escolhemos para nós mesmos.
O voto, de sua natureza, só obriga quem o emitiu. [3]
Até agora vimos o que são as penitências quaresmais. Veremos agora o que acontece quando quebramos uma delas.
Um Voto Quebrado
Quais são as consequências da violação de uma penitência quaresmal? Em regra, trata-se de um pecado venial. É menos grave que um pecado mortal, porém é algo muito perigoso para a vida espiritual.
O pecado venial enfraquece a caridade; traduz uma afeição desordenada pelos bens criados; impede o progresso da alma no exercício das virtudes e a prática do bem moral; merece penas temporais. [4]
Como se não bastassem tantos perigos, o pecado venial pode ainda nos conduzir à morte espiritual ao longo do tempo. Não devemos nos acomodar, nem subestimá-lo! É um dever combater toda forma de pecado em nossas vidas.
O pecado venial deliberado e que fica sem arrependimento dispõe-nos pouco a pouco a cometer o pecado mortal. [5]
Quebrar uma penitência quaresmal é geralmente um pecado venial. Assim, por exemplo, se uma pessoa escolheu abster-se de sorvete, mas cedeu à vontade e acabou comendo; essa pessoa não pecou mortalmente. Foi um pecado venial. Ela deve retomar imediatamente o seu compromisso com Deus.

Mas existe uma exceção. Vamos explicar com um exemplo. E se essa mesma pessoa tivesse oferecido a abstinência de sorvete sob pena de pecado mortal? Nesse caso, como ela quis que a quebra da penitência valesse como um pecado mortal, quebrar a penitência se tornaria um pecado mortal no caso concreto. Não é recomendável impor-se uma pena tão grave!
Algumas pessoas mais piedosas, podem se colocar nesta situação, por quererem ser bastante fiéis à promessa que fizeram a Deus, então condicionam a penitência a uma pena grave. É importante que nestes casos, só se tome essa resolução com o consentimento do confessor ou diretor espiritual, para que o sacerdote avalie se há condições razoáveis de se cumprir o que foi prometido, sem perigo para a alma.
Até aqui falamos das consequências da violação, mas como devemos viver as nossas penitências?
Um Santo Conselho
Em sua sabedoria, a Igreja dá muito valor às penitências da quaresma. Não foram poucos os santos que escreveram sobre elas. São Bento, por exemplo, dedicou um capítulo inteiro da sua regra à quaresma.
Nós não somos monges beneditinos, mas podemos nos beneficiar da sabedoria de São Bento. Ele nos ensina a praticar as obras da quaresma com um certo equilíbrio, caracterizado pela alegria do Espírito Santo.
Assim ofereça cada um a Deus, de espontânea vontade, com a alegria do Espírito Santo, alguma coisa além da medida estabelecida para si. [6]
Alegria! A verdadeira alegria é um sinal da presença de Deus. Qual é o sentido de olharmos para as penitências da quaresma como um fardo a ser carregado? Elas não são um peso, mas sim uma resposta ao amor de Deus.
Alegre-se o coração dos que buscam a Deus. (Sl 105, 3b)
É claro que as penitências contêm as suas exigências. Nós temos que renunciar a algo, e toda renúncia dói. No entanto, esse esforço não é cego. Nós temos a alegria da ressurreição à vista. A Páscoa do Senhor se aproxima!
Subtraia ao seu corpo algo da comida, da bebida, do sono, da conversa, da brincadeira, e, na alegria do desejo espiritual, espere a Santa Páscoa. [7]
A sabedoria de São Bento pode nos ajudar a examinar o nosso coração nesta quaresma. Será que as nossas penitências quaresmais brotam de um coração alegre? E a nossa experiência do Evangelho de Cristo, ela é alegre também? O Papa Francisco nos convida a nos abrirmos à alegria do Evangelho.
A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. [8]
Não se trata de negar as dificuldades da vida, que são muitas. O Papa conhece os dramas da vida. O seu convite é de que nós possamos enfrentar as dificuldades que surgem com a certeza de que somos amados.
Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. (...) Compreendo as pessoas que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de suportar, mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar, como uma secreta mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias. [9]
Sejamos fiéis em nossas penitências. Mas, se quebrarmos uma penitência, tenhamos confiança na Misericórdia Divina. Com alegria, podemos pedir perdão a Deus e retomar o caminho de conversão.
Uma Quaresma Sempre Nova
A quaresma é um retorno a Cristo. Essa é a luta da quaresma, mas também de toda a nossa vida. O Senhor nos chama à conversão porque quer que nós sejamos mais felizes.
As penitências nos recordam do essencial. Só há verdadeira felicidade para quem vive unido a Cristo. É uma grande alegria saber que não estamos sós! É sob o Olhar de Cristo que devemos cumprir as nossas penitências.
Há um sentido em nossa vida, que é Cristo Ressuscitado. É interessante recordar que São Paulo, que viu o Ressuscitado, ainda assim fazia promessas penitenciais a Deus. É o que ficou registrado nos Atos dos Apóstolos:
Em Cencreia, Paulo cortou os cabelos, pois tinha feito uma promessa. (At 18, 18c)
Nós também somos chamados a fazer as penitências que nos convêm, cumprindo-as com fidelidade. Essa longa tradição penitencial da Igreja deve fazer parte de nossas vidas, não só na quaresma.
Referências:
[1] Catecismo da Igreja Católica, 2101.
[2] Código de Direito Canônico. Cân. 1191 — § 1.
[3] Código de Direito Canônico. Cân. 1193.
[4] Catecismo da Igreja Católica, 1863.
[5] Ibid.
[6] São Bento A Regra de São Bento. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 2016. Cap. XLIX, 6.
[7] Ibid. Cap. XLIX, 7.
[8] Evangelii Gaudium, 1.
[9] Evangelii Gaudium, 6.