Mariologia
Espiritualidade

O Sim que transformou a história da humanidade

O fiat de Maria é a sua entrega total a Deus, pela qual o Senhor veio até nós na carne.

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Todos os dias a Igreja faz memória dos eventos centrais da Encarnação do Verbo. É um pequeno percurso que os religiosos fazem, rezando na Liturgia das Horas, passagens do Evangelho de São Lucas.

O Poderoso fez em mim maravilhas e Santo é seu nome! (Lc 1, 49)

Não se trata de um exagero. A partir do dia em que, com a livre colaboração de Maria, o Filho de Deus se fez um de nós, a história da humanidade nunca mais foi igual. A longa preparação do Antigo Testamento chegava ao apogeu.

A vinda do Filho de Deus à terra é um acontecimento de tal imensidão que Deus quis prepará-lo durante séculos. Ritos e sacrifícios, figuras e símbolos da “Primeira Aliança”, tudo ele faz convergir para Cristo. [1]

Será que nós temos consciência da grande alegria que é a Encarnação do Verbo? O Senhor nos elegeu para vivermos em um tempo histórico em que Ele está muito acessível. Não nascemos na época do Antigo Testamento.

Muitos profetas e reis quiseram ver o que vós estais vendo, e não viram; quiseram ouvir o que estais ouvindo, e não ouviram. (Lc 10, 24)

Neste artigo, queremos convidar você a meditar sobre o mistério da Encarnação. Primeiro, vamos olhar para o Coração de Maria. Depois, meditaremos sobre o próprio mistério da Encarnação com base nos três primeiros versículos da Primeira Carta de São João. Em seguida, veremos duas consequências práticas para a nossa vida de Igreja.

O Fiat de Maria

Você conhece a palavra fiat? Se ela é nova para você, não se preocupe. Vamos explicar o sentido. Fiat é uma palavra em latim que significa “que se faça”. Uma pessoa diz fiat quando aceita plenamente o que outra lhe propõe.

Foi o que Maria fez. Assim que o anjo Gabriel lhe anunciou a vontade de Deus em Nazaré, ela disse sim. Não duvidou, nem esperou. O fiat de Maria é a sua entrega total a Deus, pela qual o Senhor veio até nós na carne. Ela concebeu pela ação do Espírito Santo.

O fiat de Maria, a palavra de seu coração, mudou a história do mundo, porque trouxe o Salvador para dentro do mundo - porque, graças a seu Sim, Deus pôde tornar-se homem no nosso mundo e permanecer para sempre. [3]

Esse mistério da vinda do Filho de Deus nos revela também o Coração de Maria. O Senhor não impôs nada a Maria; Ele propôs. Em sua liberdade, Maria renunciou a quaisquer planos que tivesse e aderiu à vontade de Deus.

Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra. (Lc 1, 38)

Deus valoriza muito a liberdade humana. O Senhor nos visita muitas vezes, chamando-nos a dar o nosso fiat ao Seu plano.  Ele nos convida a colaborar com a Graça em nossas vidas.

Anunciação, pintura de Agostino Masucci.

Até aqui vimos como Maria contribuiu livremente com o mistério da Encarnação. Veremos agora como os Apóstolos receberam esse mistério e de que modo nós podemos colaborar em nossas vidas.

A Encarnação do Verbo

Quem caminhasse por Jerusalém há dois mil anos e visse Jesus via um homem. Ele tinha uma profissão, usava roupas comuns, falava o idioma de sua nação. Era verdadeiramente homem, como nós. Mas aquele homem não era somente um homem. Ele é Deus!

A Igreja confessa, assim, que Jesus Cristo é inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ele é verdadeiramente o Filho de Deus que se fez homem, nosso irmão, e isto sem deixar de ser Deus, nosso Senhor. [3]

Esse é o mistério da Encarnação. Hoje em dia, passados mais de dois mil anos do nascimento do Senhor, nós perdemos um pouco da perplexidade que os Apóstolos tiveram ao conhecer Jesus.

Talvez seja bom lermos o começo da Primeira Carta de São João. É um modo de entrar em contato com a euforia que esse mistério causou nos corações daquela geração. No primeiro versículo, por exemplo, observe como os verbos que São João usa são cheios de vida humana concreta (carne):

O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e nossas mãos apalparam a Palavra da Vida (1Jo 1, 1)

Quando eles viam e ouviam Jesus, viam e ouviam ao próprio Deus encarnado. Os Apóstolos tiveram a graça de conversar com o Senhor como quem conversa com um amigo. O mistério da Encarnação é um mistério de amor, de proximidade concreta.

João fala por todos os apóstolos quando testemunha que Jesus é a Vida e o Filho de Deus, que se manifestou visível, audível e inegavelmente quando veio na carne como homem. [4]

No segundo versículo da Primeira Carta, São João nos ensina que Cristo, aquele homem tão próximo, “estava junto do Pai” e se manifestou. Ele é um homem, mas não é somente um homem.

Vida esta que se manifestou, que nós vimos e testemunhamos, vida eterna que a vós anunciamos, que estava junto do Pai e que a nós se manifestou. (1Jo 1, 2)

Cristo é a Vida! Essa “Vida” com “V” maiúsculo é a Vida Eterna. O relacionamento com Cristo é muito mais do que o relacionamento com qualquer outra pessoa.  O Verbo se fez carne para que nós pudéssemos participar da Vida. São Pedro escreveu também sobre esta verdade:

Foram-nos concedidas as maiores e mais valiosas promessas, a fim de que vos tornásseis participantes da natureza divina. (2Pd 1, 4a)

Voltando à Primeira Carta de São João, nela o Apóstolo nos apresenta em seguida uma consequência muito importante da Encarnação. O nosso relacionamento com Deus não é individualista. A comunhão com o Pai faz com que entremos em comunhão uns com os outros.

isso que vimos e ouvimos, nós vós anunciamos, para que estejais em comunhão conosco. A nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. (1Jo 1, 1-3)

A Encarnação é um mistério de presença. Deus se faz presente e, assim, nos reúne em Seu amor. Mas nós temos que responder a esse amor.

Vivamos como membros do Corpo de Cristo

Uma tentação sempre presente na história da Igreja é a de uma espiritualidade desencarnada, como se pudéssemos separar Deus e a Sua Igreja. A nossa fé não nos conduz ao individualismo. Nós somos Igreja. A comunhão gera vínculos entre nós.

A comunhão tira-me para fora de mim mesmo projetando-me para Ele e, deste modo, também para a união com todos os cristãos. Tornamo-nos «um só corpo», fundidos todos numa única existência. O amor a Deus e o amor ao próximo estão agora verdadeiramente juntos: o Deus encarnado atrai-nos todos a Si. [5]

É por isso que  devemos estar sempre atentos para que o nosso relacionamento com a nossa comunidade seja maduro. Não podemos ser católicos vivendo a fé sozinhos. A menos que haja alguma causa grave, como uma doença, não deixe de ter algum tipo de contato presencial com os irmãos de fé.

Não podemos viver isolados, a Igreja é um corpo, o corpo místico de Cristo. Veja, este conselho do Papa Francisco, é um conselho de grande sabedoria, pois vivemos em combate espiritual. Uma ovelha sozinha é facilmente atacada pelos inúmeros lobos que estão à solta.

É muito difícil lutar contra a própria concupiscência e contra as ciladas e tentações do demônio e do mundo egoísta, se estivermos isolados. A sedução com que nos bombardeiam é tal que, se estivermos demasiado sozinhos, facilmente perdemos o sentido da realidade, a clareza interior, e sucumbimos. [6]

Outro motivo para participarmos das nossas paróquias é a contribuição que podemos lhes dar. Na paróquia, nós evangelizamos e somos evangelizados. Todos nós temos um papel a desempenhar.

A comunidade, que guarda os pequenos detalhes do amor e na qual os membros cuidam uns dos outros e formam um espaço aberto e evangelizador, é lugar da presença do Ressuscitado que a vai santificando segundo o projeto do Pai. [7]

Uma Solenidade Especial

A Solenidade da Anunciação é um dia de grande alegria. O seu mistério divide a história em Antes de Cristo (AC) e Depois de Cristo (DC), mas divide também as nossas vidas.

Ninguém é o mesmo depois de ter encontrado o Amor de Jesus, que se faz tão próximo de nós. A Eucaristia é a proximidade por excelência. Se puder, visite o Santíssimo Sacramento. Ele está no tabernáculo por nós.

Que Nossa Senhora da Anunciação interceda por todos nós!

Referências:

[1] Catecismo da Igreja Católica, 522.

[2] Papa Bento XVI. Apresentação do Livro “O Último Vidente de Fátima”.

[3] Catecismo da Igreja Católica, 469.

[4] Scott Hahn & Curtis Mitch As Cartas de São João e o Apocalipse: Cadernos de Estudo Bíblico. Campinas, SP: Ecclesiae, 2020. p. 25.

[5] Papa Bento XVI Deus Caritas Est, 14.

[6] Papa Francisco Gaudete et Exsultate, 140.

[7] Ibid, 145.