Se Deus é bom e quer a nossa salvação, porque nos permite sermos tentados? Por que nos deixa a opção de pecar? Esse é um questionamento que pode ter passado na sua mente ao perceber-se tentado ou mesmo após ter caído em tentação. Deus sabe que somos fracos e nossa natureza é caída e tendenciosa ao pecado, então porque permite que sejamos tentados?
A tentação é uma realidade constante na vida de todos os cristãos. Enfrentar tentações é um desafio diário e compreender por que Deus permite que passemos por essas provações pode ajudar-nos a crescer espiritualmente. Este artigo explora os motivos pelos quais Deus permite que sejamos tentados, baseando-se na sabedoria da Igreja.
Definição de Tentação
Santo Tomás de Aquino, em seus comentários ao Pai Nosso, explica que a tentação é semelhante a “provar”, “experimentar”, “testar”, logo tentar é experimentar ou provar a virtude de uma pessoa, seja incentivando-a a fazer o bem ou tentando-a a evitar o mal. Em suas palavras: “Portanto, a virtude do homem é provada às vezes quanto ao que faz de bom, e outras vezes quanto ao que evita de mal”. O Pe. Adolphe Tanquerey, grande mestre da espiritualidade, complementa essa visão ao definir a tentação como “uma solicitação para o mal vinda de nossos inimigos espirituais”. Ele enfatiza que, embora Deus não nos tente diretamente, Ele permite que sejamos tentados para nosso crescimento espiritual, sempre nos proporcionando as graças necessárias para resistir (cf. I Cor 10,13). O padre Tanquerey também dá as principais finalidades da tentação:
Mérito e Recompensa
Deus permite que sejamos tentados para que possamos “merecer” o céu. Embora pudesse conceder-nos o céu puramente como um dom gratuito, Ele deseja que o ganhemos também como recompensa por nossos esforços e fidelidade, “Bem-aventurado o homem que suporta a tentação: porque, depois de ter sido aprovado, receberá a coroa da vida” (Tg 1,12). A tentação é uma das dificuldades mais desafiadoras que enfrentamos e, ao vencê-la, realizamos um dos atos mais meritórios. São Paulo nos lembra: “Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Agora me está reservada a coroa da justiça” (II Tm 4,7-8).
Purificação da Alma
A tentação serve como um meio de purificação. Ela nos lembra de nossas falhas passadas, resultantes da falta de vigilância e energia de caráter, e nos leva a renovar atos de arrependimento, contrição e humilhação, que purificam nossa alma. A necessidade de fazer esforços constantes para não recair nos ajuda a expiar nossas fraquezas passadas. Santo Tomás explica que, quando Deus quer purificar uma alma e elevá-la à contemplação, permite que ela passe por grandes tentações.
Progresso Espiritual
A tentação também é um meio de progresso espiritual que passa por diversas etapas. Vejamos algumas delas:
a) Despertar da Tibieza
A tentação age como um alerta, despertando-nos quando estamos prestes a cair na tibieza espiritual. Ela nos lembra da necessidade de buscar sempre um nível mais alto de santidade para evitar perigos espirituais. Como afirma a Escritura: “prepara a tua alma para a provação; humilha teu coração, espera com paciência” (Eclo 2,1-2).
Muitas vezes nos deixamos levar pela “rotina” ou falta dela, e a vida de oração fica à revelia, mas ao sermos tentados, somos convidados a buscar refúgio no Senhor. Assim como uma ave que no seu voo não pode se distrair deixando de bater as asas, nós não podemos nos distrair abandonando a vida de oração, e a tentação nos serve como esse vento brusco, ou uma “chibatada” que nos desperta para ficarmos longe das ocasiões de pecado.
b) Escola de Humildade
A tentação nos ensina a praticar a humildade e a desconfiar de nós mesmos. Reconhecemos melhor nossa fraqueza e a necessidade da graça divina, orando com mais fervor. Compreendemos a urgência de mortificar o amor ao prazer, fonte de muitas tentações, e abraçamos com mais generosidade as cruzes diárias para amortecer os desejos desordenados. “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8).
O próprio São Paulo reconhece em si uma forte tentação que muito lhe causa sofrimento e pede a Deus para se ver livre dela, mas o Senhor recusa pois usa da tentação para que ele não caia em um pecado maior, o orgulho:
“Ademais, para que a grandeza das revelações não me levasse ao orgulho, foi-me dado um espinho na carne, um anjo de Satanás para me esbofetear e me livrar do perigo da vaidade. Três vezes roguei ao Senhor que o apartasse de mim. Mas ele me disse: “Basta-te minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força”. Portanto, prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo.” (2 Cor 12, 7-10).
c) Escola de Amor a Deus
Para resistir às tentações, lançamo-nos nos braços de Deus em busca de força e proteção. Os auxílios divinos recebidos aumentam nosso reconhecimento e amor por Deus, levando-nos a relacionar-nos com Ele como filhos que confiam no amor e na proteção do Pai celestial. “Porque eras aceito a Deus, foi necessário que a tentação te provasse” (Tb 12,13).
De fato, Deus é glorificado toda vez que pedimos seu auxílio para não cairmos em tentação, e assim nos ensinou a orar o próprio Cristo “e não nos deixeis cair em tentação”.
O Mal e o Pecado
O Catecismo da Igreja Católica ensina que Deus não é o autor do mal. O mal, especialmente o pecado, é uma consequência do abuso do livre arbítrio dado por Deus às Suas criaturas. Deus permite o mal moral (pecado) porque respeita a liberdade que Ele mesmo concedeu aos seres humanos. Essa liberdade é essencial para que possamos verdadeiramente amar e escolher o bem.
O livre arbítrio é uma condição necessária para a moralidade e a santidade. Sem liberdade, nossos atos não teriam mérito. Por outro lado, não devemos pensar que ao pecarmos estamos realmente “exercendo nossa liberdade”, já que somos verdadeiramente livres quando agimos de acordo com o propósito para o qual fomos criados “caminhar para o seu último destino por livre escolha e amor preferencial”, e neste amor preferencial à Deus é que existe a perfeita liberdade.
Também devemos considerar que como diz Santo Agostinho, “Deus todo-poderoso [...] sendo soberanamente bom, nunca permitiria que qualquer mal existisse nas suas obras se não fosse suficientemente poderoso e bom para do próprio mal, fazer surgir o bem” . Devemos sempre considerar a sabedoria divina, que é capaz de trazer bens maiores a partir dos males que Ele permite, e esse bem maior é principalmente a nossa santificação.
Mesmo permitindo a tentação e o mal, Deus nunca nos abandona. Ele nos concede a graça necessária para resistir às tentações e vencer o mal. Como São Paulo nos lembra: “Fiel é Deus, que não permitirá que sejais tentados além das vossas forças, mas com a tentação dará também o meio de sairdes dela, para que a possais suportar” (I Cor 10,13). A graça divina é um suporte constante, guiando-nos e fortalecendo-nos nas nossas batalhas espirituais.
E não nos deixeis cair em tentação
A permissão divina para a tentação e o mal não é um sinal de abandono, mas uma manifestação do amor providencial de Deus. Através das tentações, Ele nos oferece a oportunidade de crescer em virtude, purificar nossa alma e progredir espiritualmente. Cada tentação superada nos aproxima mais de Deus, tornando-nos dignos de Sua eterna recompensa.
O Catecismo nos ensina que “na sua sabedoria e bondade infinitas, Deus quis livremente criar um mundo «em estado de caminho» para a perfeição última”, nós também fomos criados neste estado de caminho.Enfrentar e vencer as tentações nos aproxima de Deus e nos torna dignos de Sua eterna recompensa. Não peçamos a Deus uma vida sem tentações, mas a exemplo de Cristo rezemos sempre “e não nos deixeis cair em tentação”. Que possamos, com a graça divina, perseverar em nosso combate espiritual, confiando na proteção e no amor do Pai.