Espiritualidade

Por que Deus quis se tornar um ser humano? Uma meditação sobre o Natal

O Natal é a renovação do mistério da Encarnação em cada alma que acolhe Jesus como seu Salvador.

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O Natal é muito mais do que uma celebração histórica ou cultural; é a contemplação de um dos mistérios centrais da fé: o Filho eterno de Deus se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14). Mas por que Deus quis se tornar humano? Esta pergunta desafia a razão e o coração.

Ao refletir sobre o Natal, somos chamados a considerar a profundidade desta questão e estabelecer já de início uma certeza: Ele não o fez por necessidade, mas por amor. Todo o plano de salvação encontra sua raiz nesse amor infinito.

O “Esvaziamento” de Deus

O primeiro aspecto sobre o qual podemos nos debruçar é sobre a humildade do Senhor. A Encarnação é um gesto incomparável de humildade. Na carta aos Filipenses, São Paulo descreve esse ato com muita clareza:

Sendo ele de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz (2, 6-8).

O termo “kenosis” (esvaziamento) expressa como Cristo, sem deixar de ser Deus, escolheu renunciar aos privilégios de Sua glória para entrar em nossa realidade limitada e frágil. Ele assumiu a condição humana em toda a sua plenitude, exceto no pecado (Hb 4, 15).

São Leão Magno, em seu famoso sermão natalino, resume a essência desse mistério:

O Filho de Deus, que é Deus como seu Pai, que recebe do Pai sua mesma natureza, Criador e Senhor de tudo, que está presente em toda parte e transcende o universo inteiro, na sequência dos tempos que, de sua providência dependem, escolheu para si este dia, a fim de, em prol da salvação do mundo, nele nascer da bem-aventurada Virgem Maria. [1]

Este esvaziamento significa que Jesus, Deus eterno, ocultou Sua glória divina para cumprir o plano de salvação como homem. Ele veio como servo, nascendo de uma mulher e morrendo na Cruz, o que destaca o caráter paradoxal da salvação: o Todo-Poderoso Se fez pequeno, o Eterno se sujeitou ao tempo, o Criador assumiu-Se como uma criatura.

Um Coração humano para amar e reparar

Uma das razões da Encarnação era a reconciliação da humanidade com Deus. Por meio de Sua obediência perfeita e amor oblativo, Jesus é o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29). Seu sacrifício na Cruz é o ápice desse amor, que começou no Natal e culminou na Páscoa.

Se explorarmos ainda mais essa razão, podemos afirmar que Deus merecia ser amado pelo ser humano, o que não acontecia plenamente desde a rebelião dos nossos primeiros pais, Adão e Eva. Era justo que o homem O amasse como seu Senhor e amigo. Em Jesus, a justiça finalmente acontece: Deus é amado por um coração humano.

A Encarnação é, então, o fundamento de toda a obra da redenção. O Verbo eterno desceu até nossa condição, tornando-se um de nós para nos elevar à comunhão plena com o Pai. Este ato não é apenas uma restauração da relação entre Deus e o homem, mas expressa um amor reparador que visa curar as feridas do pecado.

O sacrifício de Cristo na Cruz, que tem sua origem no mistério da Encarnação, é o ápice desse ato reparador. A obediência de Jesus repara a desobediência do primeiro Adão, demonstrando que a Encarnação é inseparável do sacrifício redentor. Sem ela, não seria possível o ato de entrega total na cruz.

É o “amor até ao fim” que confere ao sacrifício de Cristo o valor de redenção e reparação, de expiação e satisfação. Ele conheceu-nos e amou-nos a todos no oferecimento da sua vida. “O amor de Cristo nos pressiona, ao pensarmos que um só morreu por todos e que todos, portanto, morreram” (2 Cor 5, 14). Nenhum homem, ainda que fosse o mais santo, estava em condições de tornar sobre si os pecados de todos os homens e de se oferecer em sacrifício por todos. A existência, em Cristo, da pessoa divina do Filho, que ultrapassa e ao mesmo tempo abrange todas as pessoas humanas e O constitui cabeça de toda a humanidade, é que torna possível o seu sacrifício redentor por todos. [2]

Dessa forma, a obra da redenção não é apenas um evento isolado do Calvário, mas uma realidade que permeia toda a vida de Cristo, desde Seu início no ventre da Virgem. Em Sua Encarnação, Ele assume a missão de reconciliar a humanidade com Deus, reparando as ofensas a Deus e oferecendo-nos a possibilidade de participar da comunhão eterna no amor divino.

O Criador no ventre de Sua mais bela criatura

O mistério do Natal se aprofunda ao considerarmos que Deus escolheu entrar no mundo por meio de Maria. O Criador Se fez um embrião humano no ventre dela, submetendo-Se ao processo de gestação e nascimento.

Jesus, o Verbo encarnado, assumiu a vida intrauterina em toda a sua simplicidade e fragilidade. Este gesto enfatiza a sacralidade da vida desde a concepção e reflete a grandeza do amor de Deus, que se fez pequeno para nos resgatar.

Essa escolha é um testemunho da humildade e confiança de Deus em Sua tão amada criatura. Ao tornar-se dependente de Maria, ao se alimentar dela e sobreviver biologicamente da vida dela, Jesus nos revela o valor da maternidade e da cooperação humana no plano divino.

Maria, por sua vez, respondeu por toda sua vida com um “sim” (cf. Lc 1, 38), que revela a santidade de sua alma esponsal.

Chamada nos evangelhos “a Mãe de Jesus” (Jo 2, 1; 19, 25) (150), Maria é aclamada, sob o impulso do Espírito Santo e desde antes do nascimento do seu Filho, como “a Mãe do meu Senhor” (Lc 1, 43). Com efeito, Aquele que Ela concebeu como homem por obra do Espírito Santo, e que Se tornou verdadeiramente seu Filho segundo a carne, não é outro senão o Filho eterno do Pai, a segunda pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é, verdadeiramente, Mãe de Deus (“Theotokos”). [3]

O Menino é o Salvador

Os anjos proclamaram aos pastores na noite do Natal: “Nasceu para vós um Salvador” (Lc 2, 11).

O próprio significado do nome “Jesus” (Yeshua), que traduzido significa “Deus salva”, encapsula Sua missão redentora e revela o coração do plano divino. Esse nome não é apenas um título, mas uma declaração de propósito (redenção) e identidade (Ele é Deus).

O nome do Menino é uma lembrança constante de que todos, sem exceção, precisamos de um Salvador. Ele não veio apenas para ensinar ou guiar, mas para redimir e transformar, tomando sobre si o peso dos pecados do mundo e oferecendo, por meio de Sua vida, morte e ressurreição, a possibilidade de uma comunhão restaurada e renovada com o Pai.

No entanto, muitos hoje não reconhecem essa necessidade. O orgulho, o relativismo e o materialismo atuais criam a ilusão de autossuficiência, afastando mais e mais o homem de Deus. Este é o drama do mundo moderno. O homem hoje – talvez mais do que nunca – não se reconhece mais como pecador necessitado de salvação. Deus é muitas vezes reduzido a um conceito distante ou descartado como irrelevante.

Por isso também, o Natal nos recorda a urgência de propagarmos a Boa-Nova: nasceu para cada homem e mulher de todas as culturas, raças, idades, classes sociais e tempo histórico um Salvador.

Para mim, nas discussões ou conversas, se não for pronunciado o nome de Jesus nada tem sentido. [4]

A estrela-guia

A história dos Magos que foram visitar e adorar o Menino Jesus nos traz um poderoso convite à nossa missão como cristãos. A estrela que os guiou simboliza a luz da fé, que dissipa as trevas da ignorância e da dúvida, apontando para a verdadeira fonte da vida e salvação.

Assim como os Magos seguiram com perseverança e humildade os sinais celestes até encontrarem o Salvador, também nós somos chamados a ser estrelas que iluminam o caminho dos outros até Cristo.

Essa nossa vocação exige que nossa vida esteja enraizada na fé da Igreja. Ser uma estrela significa não atrair a atenção para si, mas sempre conduzir os olhares para aquele que é “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6).

A exemplo dos Magos, que ofereceram ao Menino presentes dignos de um rei, somos convidados a oferecer o que temos de melhor – nossa vida, nosso tempo e nossos talentos – para que outros também encontrem e adorem o Salvador.

Essa missão, porém, só pode ser cumprida se vivermos em verdadeira santidade, testemunhando um amor total a Nosso Senhor, sendo faróis para aqueles que buscam sentido e redenção em um mundo marcado pela escuridão espiritual e pela cultura da morte.

Maria, a primeira “estrela”

Maria, a primeira e maior estrela a conduzir os homens a Cristo, é nosso exemplo perfeito de uma vida totalmente voltada para o Salvador. Desde o momento em que disse “sim” ao plano de Deus, no anúncio do anjo, até os últimos instantes ao pé da Cruz, toda a existência de Maria foi dedicada a apontar para Jesus, a iluminar o caminho para Ele.

Ave, do mar Estrela. De Deus mãe bela, sempre virgem, da morada Celeste Feliz entrada (...) [5]

Em Caná da Galileia, suas palavras ressoam como um modelo perpétuo a todos os discípulos de Cristo: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2, 5). Seu exemplo nos ensina que a verdadeira grandeza está em viver para Ele e por Ele, conduzindo sempre os corações ao único que pode nos salvar.

Que nossas vidas sejam um canto vivo de obediência e fé, como foi a de Maria, especialmente neste tempo de Natal que se inicia. Que o Menino Jesus encontre lugar em novos corações e possa renascer naqueles que O esqueceram, despertando nestes o verdadeiro sentido desta celebração e tempo litúrgico.

Lembremos a todos: o Natal não é apenas a recordação de um evento passado, mas a renovação do mistério da Encarnação em cada alma que acolhe Jesus como seu Salvador.

Que nossa fé, alimentada por sua presença viva em nós, seja fonte de luz para que mais e mais pessoas descubram o amor infinito de Deus, revelado no presépio. Assim, seremos instrumentos da verdadeira alegria natalina: a de um mundo renovado pela paz e pela comunhão com Deus que só Cristo pode trazer.

Um feliz e santo Natal a todos!

Referências

[1] São Leão Magno. Sermão do Natal do Senhor (Sermão 23). P.L. 54, 199 ss.

[2] Catecismo da Igreja Católica. nº 616.

[3] Ibid. nº 495.

[4] São Bernardo de Claraval. Sermones super Cantica Canticorum, XV.

[5] Canto: Ave Maris Stella