Muitas vezes, desejamos agradar a Deus por meio de uma vida de oração intensa. Multiplicamos nossos momentos de devoção ao longo do dia, recitamos orações e adicionamos diversas práticas espirituais ao nosso cotidiano. Tudo isso, em si, é valioso e pode fortalecer nossa fé, agradando ao Senhor. No entanto, é importante termos cautela: essas ações, por si só, podem não significar tanto quanto imaginamos.
Santa Teresa d’Ávila, uma das grandes mestras da vida espiritual, nos ensina que a oração é, acima de tudo, “um trato de amizade, estando muitas vezes tratando a sós com Quem sabemos que nos ama” [1]. Essa reflexão nos lembra que o valor mais profundo da oração não está na quantidade de práticas realizadas, mas na qualidade da nossa relação com Deus.
Na oração, devemos estar espiritualmente imersos em um relacionamento de amor com o Senhor, reconhecendo que Ele nos ama profundamente e deseja nossa companhia sincera e amorosa. Esse ensinamento nos convida a cultivar uma oração que vá além da multiplicidade de palavras e práticas devocionais, uma oração que seja um encontro genuíno e transformador com Aquele que é a fonte de todo amor e graça.
Primeiro passo: autoavaliação
Para compreendermos como deve ser nossa vida de oração, o primeiro passo é refletir sobre as múltiplas práticas que realizamos ou planejamos realizar se estão realmente nos aproximando de Deus ou se estão interferindo nas devoções mais essenciais e em nossas obrigações primordiais.
Por exemplo, será que estou dedicando horas do meu dia a terços, novenas e ladainhas, mas, ao mesmo tempo, não consigo encontrar tempo para participar da Missa ou para passar alguns minutos em adoração diante do sacrário?
Além disso, devo me perguntar se minhas orações em demasia estão comprometendo o tempo que devo dedicar ao meu cônjuge, à minha família ou às minhas responsabilidades profissionais, que garantem o sustento do meu lar.
A oração é essencial, mas deve estar em harmonia com o cumprimento dos deveres que Deus nos confiou, tanto na vida familiar quanto no trabalho. Se nossas práticas devocionais nos afastam dessas responsabilidades, talvez seja necessário reavaliar nossa abordagem, buscando um equilíbrio que favoreça tanto a nossa vida espiritual quanto nossas outras obrigações.
É fundamental realizar uma avaliação sincera da própria vida. Para isso, é recomendável buscar a orientação de um diretor espiritual ou mesmo de um amigo de fé, alguém que possa, com honestidade e discernimento, nos ajudar a refletir sobre a qualidade da nossa vida de oração e se ela realmente agrada a Deus.
Uma rotina de oração equilibrada deve beneficiar todas as dimensões da nossa vida, contribuindo para o crescimento na santidade junto às pessoas e para o cumprimento das responsabilidades que Deus nos confiou.
Como deve ser nossa oração
Após avaliarmos o lugar da oração em nossa vida e o tempo que podemos dedicar a ela, é importante examinarmos a qualidade da nossa oração. Santo Tomás de Aquino nos orienta sobre como deve estar disposta a alma do cristão durante qualquer forma de oração, seja nas orações espontâneas, seja nas recitações vocais como o Pai Nosso e a Ave Maria. [2]
Segundo o santo, orar é elevar a alma a Deus, e, portanto, a oração deve ser caracterizada por cinco qualidades fundamentais: confiança, retidão, ordem, devoção e humildade. Esses elementos são essenciais para que nossa oração seja verdadeiramente eficaz e agradável a Deus, refletindo a disposição correta do nosso coração ao nos aproximarmos d’Ele.
Confiança
São Tiago, ao nos exortar a pedir sabedoria a Deus, nos ensina que toda oração deve ser permeada por uma confiança profunda na bondade do Senhor:
Se alguém de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus – que a todos dá liberalmente, com simplicidade e sem recriminação – e lhe será dada. Mas peça-a com fé, sem nenhuma vacilação, porque o homem que vacila assemelha-se à onda do mar, levantada pelo vento e agitada de um lado para o outro. (São Tiago 1, 5-6)
Retidão
A intenção da oração deve ser reta, ou seja, o objetivo deve ser pedir por coisas que estão em conformidade com a vontade de Deus e que são verdadeiramente boas, especialmente para a salvação da alma. Lembremo-nos sempre: a oração não está em alcançar aquilo que desejamos conforme nossas próprias intenções, mas em alinhar nossos corações ao desejo de Deus. No momento de Sua maior angústia, o próprio Jesus nos ensinou como devemos rezar: “Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice! Todavia, não se faça o que eu quero, mas sim o que tu queres” (Mt 26, 39).
Ordem
A oração deve ser ordenada, o que significa que devemos priorizar o que é mais importante, pedindo primeiro pelo que é mais necessário à nossa salvação. Isso é claramente exemplificado na oração do Pai Nosso, onde Jesus nos ensina a colocar em primeiro lugar os bens espirituais – tudo aquilo que glorifica o Pai (como expresso na primeira parte do Pai Nosso) – e, em seguida, a pedir pelos bens materiais e pelas necessidades da vida presente.
Devoção
A oração deve ser feita com devoção, ou seja, ela deve ser marcada por uma profunda reverência a Deus, atenção a Ele e fervor espiritual. São Francisco Sales diz que a devoção é uma “chama espiritual” que deve inflamar todas as virtudes e ações de uma pessoa. [3]
A devoção na oração, portanto, implica um coração plenamente envolvido e concentrado no ato de se comunicar com Deus, não apenas de maneira formal ou mecânica, mas com um verdadeiro desejo de se unir a Ele.
Humildade
A oração humilde é aquela em que nós reconhecemos nossa total dependência de Deus e a nossa própria limitação. Sem Ele, sem o auxílio do Espírito Santo, somos incapazes de amar como Jesus amou. Contemplemos nossa Mãe Santíssima, que foi abundantemente agraciada por causa de sua profunda humildade: “Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humildade de sua serva. Por isso, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações” (Lc 1, 46-48).
Atos de humildade, fé, esperança e caridade
Agora, veremos como, de maneira prática, podemos melhorar nossa imersão na oração. Em seu tratado sobre a vida espiritual, o teólogo Pe. Garrigou-Lagrange, OP, escreve:
“Para ser essa elevação de toda a alma para Deus, ela [a oração] deve ser preparada por um ato de humildade e proceder das três virtudes teologais [fé, esperança e caridade], que nos unem a Deus (...)”. [4]
É impressionante como essa afirmação do Pe. Garrigou-Lagrange está em perfeita consonância com a oração ensinada pelo Anjo aos três pastorinhos em Fátima. Primeiro, o Anjo pediu que, ao entrarem em oração, eles se prostrassem no solo, com a cabeça no chão — um ato de profunda reverência e humildade — e, em seguida, que rezassem: “Meu Deus! Eu creio (ato de fé), adoro (ato de fé), espero (ato de esperança) e amo-Vos (ato de caridade). Peço-Vos perdão pelos os que não creem, não adoram, não esperam e não Vos amam”.
A seguir, explicitaremos, com a orientação de algumas fontes seguras, como devem ser esses atos para que nossa oração alcance uma profunda união com Deus.
Ato de humildade
Na oração meditativa, o ato de humildade “é normalmente acompanhado por um ato de arrependimento e um ato de adoração, como aquele que inspira a genuflexão que se faz ao entrar em uma igreja. Esses atos afastam o principal obstáculo à graça, que é o orgulho. E a verdadeira humildade, longe de nos deprimir, lembra-nos que é num vaso de barro que trazemos um precioso tesouro: a graça santificante e a Santíssima Trindade que habita em nós. Assim iniciada, a meditação não procede de um vão sentimentalismo, mas da vida da graça, imensamente superior à nossa sensibilidade”. [5]
Uma ótima sugestão é rezarmos a Ladainha da Humildade: clique aqui para rezar.
Ato de fé
O ato de fé nos ajuda a tomar consciência da presença de Deus dentro de nós ou junto a nós. Facilmente nos esquecemos de Deus e, portanto, precisamos nos recordar de sua presença, de seu olhar e de sua vontade. Além disso, a fé nos dá a confiança na autoridade do próprio Deus que não se engana e não pode enganar. Abaixo, apresentamos um precioso ato de fé para sua oração:
“Meu Senhor e meu Deus, creio firmemente que estás aqui, que me vês, que me ouves. Adoro-te com profunda reverência, peço-te perdão dos meus pecados e graça para fazer com fruto este tempo de oração. Minha Mãe Imaculada, São José meu pai e senhor, meu anjo da guarda intercedei por mim”.
Ato de Esperança
“A fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê” (Hebreus 11, 1). Após o ato de fé, naturalmente, abrimos nosso coração à esperança:
“Eu espero, meu Deus, com firme confiança, que pelos merecimentos do meu Senhor Jesus Cristo me dareis a salvação eterna e as graças necessárias para consegui-la, porque Vós, sumamente bom e poderoso, a haveis prometido a quem observar fielmente os Vossos mandamentos e o Evangelho de Jesus Cristo, como eu proponho fazer com o Vosso auxílio”.
Ato de caridade
Se a fé nos abre à esperança, é a esperança que nos dispõe ao ato de caridade na oração. Esse ato se assemelha a um olhar fixo em Deus, um olhar de amor fiel e generoso por tudo o que Ele já nos concedeu e ainda nos concederá pelos méritos de Jesus Cristo, nosso Senhor.
O Pe. Garrigou-Lagrange nos transmite de maneira belíssima a essência desse ato de amor:
Eu quero conformar minha vontade à vontade divina. Fiat voluntas tua, que tua vontade se cumpra em mim pela fidelidade aos mandamentos e ao espírito dos conselhos evangélicos. Eu quero romper com tudo que me torna escravo do pecado, do orgulho, do egoísmo, da sensualidade. Eu quero, Senhor, participar cada vez mais da vida divina que me ofereces. Vieste para que tenhamos a vida em abundância. Aumenta meu amor por ti. Só pedes para doar; eu quero receber assim como queres que eu receba, na provação como na consolação; quer venhas para me associar aos mistérios gozosos de tua infância ou aos mistérios dolorosos de tua Paixão, pois todos eles conduzem à vida gloriosa da eternidade. Hoje, eu tomo a resolução de ser-te fiel a respeito de certo ponto que muitas vezes tenho negligenciado (...) [6]
Mais qualidade na oração: uma questão de amor!
A verdadeira eficácia da oração não está tanto na quantidade de palavras ou no tempo dedicado a ela, mas na qualidade com que a realizamos. A oração é um diálogo profundo com Deus, que deve ser marcado pela sinceridade e pelo amor genuíno. Quando nossa alma está plenamente envolvida e nosso coração se entrega inteiramente ao Senhor, nossa oração se torna um ato de amor que toca o Céu e agrada a Deus. A qualidade da oração é, portanto, medida pela profundidade do nosso encontro com Deus.
São João da Cruz, um dos maiores místicos da Igreja, nos lembra que “no final da vida, seremos julgados pelo Amor”. Este julgamento não se refere apenas ao amor misericordioso que Deus é, mas também ao amor com o qual vivemos nossa vida, rezamos e agimos. É essa entrega total e amorosa que faz com que nossa oração suba como um perfume agradável a Deus.
Mais do que acumular orações sem coração, devemos nos empenhar em rezar com atenção e fervor, com uma alma inteiramente voltada para Deus, expressando em cada palavra e em cada silêncio o amor que temos por Ele. Assim, podemos ter a certeza de que, ao fim de nossa vida, seremos encontrados fiéis, não pela quantidade de nossas orações, mas pela qualidade do amor que as inspirou e que guiou todas as nossas ações.
Que Nossa Senhora interceda por nós, para que, assim como ela, ao perseverarmos na oração – e ao rezarmos bem! – nossa vida inteira se transforme em uma oração, uma contínua expressão de comunhão com Cristo que permeie todos os nossos pensamentos, palavras e atos.
Referências
[1] Livro da Vida, 8
[2] Santo Tomás trata sobre a oração na sua obra magna, a Suma Teológica, na segunda parte (Secunda Secundae), questão 83.
[3] Filotéia. Introdução à Vida Devota, Capítulo 1: a Natureza da Devoção.
[4] As Três Idades da Vida Interior, Capítulo XVIII.
[5] Ibid.
[6] Ibid.