Santa Teresa D’Ávila, uma das mais proeminentes mestras da oração na tradição da Igreja, deixou um legado de sabedoria espiritual que continua a inspirar e orientar muitas pessoas na jornada de fé. Conhecida por sua profunda experiência mística e por ser uma reformadora incansável da Ordem Carmelita, Santa Teresa também é doutora da Igreja, e em suas obras explorou as complexidades e os desafios da vida de oração, dando respostas a muitas inquietações humanas, inclusive das próprias religiosas de sua ordem.
Selecionamos cinco ensinamentos de Santa Teresa que oferecem orientação valiosa para aqueles que buscam aprofundar sua prática de oração e crescer em sua relação com Deus. Estas lições, extraídas de duas de suas principais obras, "Caminho de Perfeição" e "Livro da Vida", abordam conselhos que emanam da própria experiência da santa, assim como indicações que ela escreveu para ajudar as próprias carmelitas a viverem melhor a vida de oração.
1. A perseverança na vida de oração
Voltando agora aos que desejam seguir por ele e não parar até o fim, que é chegar a beber dessa água de vida, como devem começar? Digo que muito importa, sobretudo, ter uma grande e muito decidida determinação de não parar enquanto não alcançar a meta, surja o que surgir, aconteça o que acontecer, sofra-se o que se sofrer, murmure quem murmurar, mesmo que não se tenham forças para prosseguir, mesmo que se morra no caminho ou não se suportem os padecimentos que nele há, ainda que o mundo venha abaixo. [1]
O primeiro ensinamento de Santa Teresa que apresentamos destaca que para alcançar a “água da vida”, ou seja, a graça de Deus obtida através da oração, é necessário possuir uma “grande e muito determinada determinação”. Isso significa uma vontade forte e persistente de buscar Deus com todo o coração, uma disposição de continuar orando e buscando a Deus, mesmo quando a jornada se torna árdua ou quando os resultados não são imediatamente visíveis.
Ela não romantiza a jornada espiritual; pelo contrário, ela a apresenta como uma travessia que exige coragem e resistência. Essa honestidade nos ajuda a nos preparar melhor para as realidades da vida de oração, ensinando-nos a não esperar um caminho livre de dificuldades.
Santa Teresa nos lembra que a oração é um compromisso de longo prazo que requer dedicação constante. A verdadeira profundidade na vida de oração é alcançada não através de esforços esporádicos, mas através de uma determinação firme e contínua de buscar Deus com autenticidade e humildade todos os dias. Ela nos chama a adotar uma postura de resiliência espiritual, encorajando-nos a ver cada desafio com determinada determinação.
Quando não estamos com vontade, ainda assim devemos rezar. Quando somos abatidos por alguma doença devemos rezar. Se os problemas familiares ou no trabalho tem nos desanimado, reze. Se há angústias e sofrimentos busque alívio na oração. Nos momentos de alegria, reze e reze muito. Em cada instante, independente da circunstância, é sempre tempo de rezar.
2. O silêncio e recolhimento
Pode-se dizer dos que começam a ter oração que apanham a água do poço, o que é muito trabalhoso, como eu disse, porque eles têm de cansar-se para recolher os sentidos, algo que, como não estão acostumados a concentrar-se, requer muito esforço. É preciso que eles vão se habituando a não se incomodar com o que vêem ou ouvem, fazendo-o efetivamente nas horas de oração, ficando em solidão e afastados. [2]
Ao descrever a oração como o ato de retirar água de um poço, Santa Teresa destaca que a oração eficaz requer esforço persistente e atenção focada. Assim como retirar água de um poço é uma tarefa que exige força física e paciência, a oração exige uma força espiritual que muitas vezes pode ser desafiadora para os iniciantes. Este processo de "apanhar a água" simboliza o esforço necessário para alcançar as profundezas da comunicação com Deus, onde as verdadeiras consolações espirituais são encontradas.
Ela nos mostra a necessidade de recolher os sentidos, uma prática que envolve afastar-se das distrações externas para concentrar-se inteiramente em Deus. Este recolhimento não é uma tarefa simples, especialmente em um mundo cheio de estímulos constantes. Para os iniciantes na oração, habituar-se a ignorar o que veem e ouvem pode ser particularmente difícil, mas é essencial para alcançar um estado de oração mais profundo e contemplativo.
O silêncio e a solidão são fundamentais para esse processo de recolhimento. Santa Teresa aconselha que, durante as horas de oração, deve-se buscar um ambiente de quietude, onde as distrações sejam minimizadas. Esse ensinamento já está no Santo Evangelho: “Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, te recompensará” (Mt 6,6), e devemos buscar praticá-lo mesmo em nossas vidas agitadas, deixando de lado o celular, acordando antes de todos, ou de outras formas providenciando esse pequeno retiro para retirar a água viva.
3. Dos humildes é o Reino dos Céus
É fundamental fundamental que trateis de entender como praticar muito a humildade [...] a meu ver, devemos sempre colocar-nos no lugar mais baixo, pois assim nos disse o Senhor que fizéssemos, tendo-nos ensinado por obras (cf. Lc 14,10). Disponhamo-nos a seguir esse caminho se Deus por ele nos quiser levar [...] sempre há mais segurança na humildade, na mortificação, no desapego e em outras virtudes. Quem assim for não há de temer deixar de chegar à perfeição que muitos contemplativos alcançam. [...] Se contemplar, ter oração mental, ter oração vocal, curar enfermos, servir nas coisas da casa e trabalhar - mesmo nas tarefas mais humildes - é servir ao Hóspede que vem ter conosco [...] que nos importa servi-Lo mais de uma maneira que de outra? [3]
Santa Teresa nos exorta a entender e praticar a humildade profundamente. Muitos ao iniciarem na vida de oração já procuram ter grandes consolações, “sentir” muitas coisas enquanto rezam, ou ainda querem já de início realizar orações avançadas como a contemplação, já a Santa Madre alerta que o importante é servir “o Hóspede” e que devemos serví-lo de forma humilde sem desejar este ou aquele tipo de oração ou consolação, apenas crescer em amor a Ele.
Ela argumenta que a humildade oferece “mais segurança” no caminho espiritual. Esta segurança não provém de uma autoimagem diminuída, mas de uma compreensão clara de nossa posição diante de Deus: “quando fores convidado, vai tomar o último lugar”(Lc 14,10). Diante de Deus devemos reconhecer que somos pecadores e implorar a sua misericórdia. Nesse sentido, a humildade nos protege do orgulho e da auto-suficiência, que podem levar a sérios erros espirituais e morais. Ao adotarmos a humildade, nos tornamos mais abertos à graça de Deus e menos propensos a confiar excessivamente em nossas próprias capacidades.
Santa Teresa atesta que a humildade, a pobreza espiritual, é o caminho para a perfeição na vida de oração, o que ressoa nas bem-aventuranças “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3).
4. Apesar dos nossos pecados
Do que tenho experiência posso falar: quem começou a ter oração não deve deixá-la, por mais pecados que cometa. Com ela terá como se recuperar e, sem ela, terá muito mais dificuldades. E que o demônio nunca tente ninguém como tentou a mim, levando-me a abandonar a oração [...] peço aos que ainda não começaram que, por amor a Deus, não se privem de tanto bem. Não há o que temer, mas o que desejar. Porque, mesmo que não vá adiante [...] ao menos irá conhecendo o caminho que leva ao céu. Se perseverar, tudo espero da misericórdia de Deus, pois ninguém fez amizade com Ele sem dele obter grande recompensa. [4]
Santa Teresa fala com autoridade da própria experiência sobre o poder redentor da oração. Ela aconselha firmemente a nunca abandonar a prática da oração, mesmo diante de pecados graves. Segundo ela, a oração é uma ferramenta indispensável que facilita a recuperação espiritual. Sem ela, a luta contra o pecado torna-se significativamente mais difícil, para não dizer, impossível. A oração oferece não apenas forças, mas também uma todas as condições para o arrependimento profundo e transformador.
A santa também compartilha seu próprio confronto com as tentações que a levaram a abandonar a oração, revelando como o demônio pode usar nossas fraquezas para nos afastar de Deus. Seu testemunho destaca a batalha espiritual em que todos estão envolvidos e a necessidade de perseverança na prática da oração como uma defesa contra esses assaltos do demônio.
Se você quer entender melhor se Deus atende nossas orações se estamos em pecado, clique aqui e confira nosso artigo estou em pecado, adianta rezar?
De forma muito inspiradora, Santa Teresa encoraja aqueles que ainda não começaram a prática da oração a não se privarem desse bem. Ela diz que não há nada a temer na oração; pelo contrário, há muito a ganhar. Mesmo aqueles que se sentem estagnados em sua jornada espiritual podem pelo menos aprender e entender o caminho que leva ao céu através da oração. Portanto, que nenhum pecado seja motivo para nos desanimar na vida de oração, quer estejamos no princípio ou já tenhamos uma longa caminhada espiritual.
5. Usar a imaginação a seu favor
Procurai logo, filhas, pois estais sós, ter companhia. E que melhor companhia que a do próprio Mestre que ensinou a oração que ides rezar? Fazei de conta que tendes o próprio Senhor junto de vós e vede com que amor e humildade Ele vos ensina; e , acreditai-me, enquanto puderdes, não fiqueis sem tão bom amigo. Se vos acostumardes a tê-Lo junto a vós e Ele vir que o fazeis com amor e procurais contentá-Lo, não podereis, como se diz, afastá-Lo de vós; Ele não vos faltará nunca, vos ajudará em todos os sofrimentos, e vós O achareis em toda parte. Pensais que é pouco ter um amigo como esse ao vosso lado? [5]
Santa Teresa ensina que ao rezar devemos imaginar que estamos na companhia física de Jesus, tratando essa presença com a intimidade e o respeito que se daria a um amigo querido e respeitado. Esta prática não é um mero exercício de imaginação, mas um meio de cultivar uma conexão real e viva com Nosso Senhor. Ao visualizar sua presença, tornamo-nos mais conscientes de sua realidade e mais abertos a sua instrução e consolo.
Ao visualizar o Senhor ao nosso lado, podemos romper as barreiras da distância espiritual e experimentar uma intimidade mais profunda com Deus. Além disso, a imaginação nos ajuda a rezar, pois ao criar essas imagens mentais, temos mais foco e conseguimos discorrer na oração com mais facilidade, além de suscitar as nossas emoções. Esta abordagem não só enriquece nossa vida de oração, mas também fortalece nossa capacidade de enfrentar nossos desafios diários com fé e confiança, sabendo que nunca estamos sozinhos. O exercício constante da imaginação na oração cultiva a fé que permeia todos os aspectos de nossa vida, convidando-nos a viver cada momento na companhia de nosso maior amigo e mestre, Jesus Cristo.
Neste caminho, as boas leituras espirituais podem ajudar muito a enriquecer o nosso imaginário, pois assim, conseguiremos formar imagens mais piedosas e afetivas de Nosso Senhor, da Santíssima Virgem, dos Santos, e dos mistérios da nossa fé. A imaginação bem cultivada proporciona um terreno fértil para a oração ser profunda e constante.
Crescer na Intimidade com Cristo
Os ensinamentos de Santa Teresa D’Ávila sobre a vida de oração oferecem um tesouro de sabedoria para todos aqueles que buscam profundidade e autenticidade em sua jornada espiritual. Com seus ensinamentos a respeito da determinação inabalável, o recolhimento silencioso, a humildade essencial, a persistência apesar do pecado, e o uso da imaginação para visualizar a presença de Cristo, não apenas nos guia, mas também nos inspira a cultivar uma relação mais íntima e amorosa com Deus.
Além disso, a sabedoria de Santa Teresa nos lembra que a vida de oração é um caminho de crescimento contínuo, onde cada passo, cada dificuldade e cada alegria contribuem para o nosso desenvolvimento espiritual. É um processo que exige paciência, perseverança e, acima de tudo, uma confiança profunda na misericórdia e na presença constante do Senhor.
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Referências
[1] Caminho de Perfeição, XXI, 2
[2] Livro da Vida, XI, 9
[3] Caminho de Perfeição, XVII, 1.4.6
[4] Livro da Vida, VIII, 5
[5] Caminho de Perfeição, XXVI, 1