Tudo aquilo que o Senhor Jesus fez foi Revelação do Pai para a humanidade. Nada em Sua vida foi inútil ou sem sentido, nem mesmo os anos de longo silêncio passados em Nazaré. Quem visse Jesus martelando um prego, bebendo água ou caminhando, via o próprio Pai entre nós.
Toda a vida de Cristo é Revelação do Pai: suas palavras e seus atos, seus silêncios e seus sofrimentos, sua maneira de ser e de falar. [1]
Esse mistério é muito grande, mas é também uma grande alegria. Em Jesus, nós construímos a nossa vida com toda segurança. A experiência concreta com Jesus é o ponto de partida para nós entendermos por que a Bíblia e a Igreja estão necessariamente relacionadas.
O que é a Revelação Divina?
Antes de entendermos porquê a Bíblia e a Igreja são inseparáveis, devemos saber o que é Revelação Divina. Não se trata de um assunto óbvio, pois muitas pessoas se desviam da verdadeira fé justamente porque não entendem o que significa dizer que Deus se revelou a nós.
Como dissemos, um bom ponto de partida é a nossa experiência concreta com Deus. Sabemos que Ele não é uma energia cósmica nem uma consciência abstrata porque experimentamos o Seu amor por nós. No dia a dia, vemos que o Senhor intervém em nossas vidas e dialoga conosco de modo pessoal.
Deus é amor: quem permanece no amor, permanece em Deus, e Deus permanece nele (1Jo 4, 16).
Permanência é uma realidade muito importante aqui. A nossa fé nos conduz a uma tomada de decisão ética perante a vida, bem como a adequar as nossas ideias àquilo que o Senhor pensa. No entanto, o fundamento da fé radica na experiência pessoal com o Senhor. Ele, que entra em nossas vidas, nos leva a tais mudanças.
Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, dessa forma, o rumo decisivo. [2]
É por isso que dizemos, com segurança, que Deus é amor: Ele veio até nós e entrou em nossas vidas. Quem ama não fica longe, distante. Faz-se presente e estabelece relacionamento. Assim Deus age conosco, convidando-nos à comunhão!
Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade (cfr. Ef. 1,9), segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina (cfr. Ef. 2,18; 2 Ped. 1,4). [3]
A Revelação Divina consiste, antes de mais nada, em uma revelação do próprio mistério de Deus. Em Cristo, nós temos acesso ao Pai no Espírito Santo. Podemos então participar da natureza divina.
O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. É o mistério de Deus em si mesmo. É a fonte de todos os outros mistérios da fé, é a luz que os ilumina. [4]
Até aqui vimos que a Revelação Divina não se restringe às Sagradas Escrituras. O próprio Deus entrou na história humana e habitou entre nós na carne. Vamos agora dar um passo a mais.
O Pai já disse Tudo em Cristo
A Revelação Divina é um acontecimento que se apresentou em ações e palavras na história da nossa salvação. Para bem entendê-la, não podemos dissociar as ações das palavras. Caso contrário, teremos uma noção reduzida da obra de Deus.
[A Revelação Divina] realiza-se por meio de ações e palavras intimamente relacionadas entre si, de tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas palavras; e as palavras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido. [5]
Essa revelação já se completou. Nada mais pode ser retirado nem acrescentado. Em Cristo, ela assumiu o seu esplendor. Não existe nada mais que o Pai tenha a nos dizer. Tudo que precisamos está na vida de Cristo.
Cristo, o Filho de Deus feito homem, é a Palavra única, perfeita e insuperável do Pai. Nele o Pai disse tudo, e não haverá outra palavra senão esta. [6]
É por isso que a Igreja não cessa de anunciar a Cristo e seus mistérios. Anunciamos o que foi escrito, mas anunciamos também o que não foi escrito. Você sabia que a Bíblia ensina que nem todo conteúdo de fé cristã está escrito nela?
Ficai firmes e guardai cuidadosamente as tradições que vos ensinamos, por nossa palavra ou por nossa carta. (2 Ts 2, 15)
Vamos agora concentrar a nossa atenção no Novo Testamento, de maneira a facilitar a compreensão do tema.
Uma Tradição Viva
Somente vinte anos após a Ascensão do Senhor é que as primeiras páginas do Novo Testamento começaram a ser escritas. Aqueles primeiros cristãos não tinham acesso aos Evangelhos e Epístolas, mas sim à Igreja.
A primeira geração de cristãos ainda não dispunha de um Novo Testamento escrito, e o próprio Novo Testamento atesta o processo da Tradição viva. [7]
Não faz sentido opor o Novo Testamento à Igreja, como pretendem alguns, pois é da vida da Igreja que nós o recebemos. Em suas páginas, podemos constatar que a Igreja já estava muito bem estabelecida e difundida desde o princípio. Os Apóstolos, por exemplo, defendiam a doutrina da Igreja com autoridade, rechaçando doutrinas estranhas.
Os Atos dos Apóstolos narram o estabelecimento da Igreja nas cidades visitadas pelos Apóstolos. As cartas de Paulo, Pedro, João, Tiago e Judas falam das preocupações gerais e dos questionamentos dessas comunidades espalhadas, pois foram estabelecidas pelos Apóstolos. O Livro do Apocalipse olha essas comunidades terrenas de um ponto de vista celestial (...). Novamente, tudo isso pressupõe uma Igreja já difundida e há muito estabelecida, com uma doutrina identificável e prática. [8]
Não só a redação, mas também a canonização do Novo Testamento dependeram da Igreja. Foi necessário que uma autoridade espiritual determinasse quais livros fazem parte da Bíblia e quais não faziam.
Não somente os livros separadamente presumem a existência da Igreja, mas também a coleção destes livros como um todo. Uma autoridade tinha de determinar quais livros seriam incluídos no Novo Testamento e quais não seriam, porque as Escrituras não vieram com um índice que indicasse os livros inspirados que deveriam constar na Bíblia. [9]
Precisamos da Igreja
Mais que um fato de precedência cronológica, a ligação entre Igreja e Bíblia constitui um fato teológico. No núcleo da fé cristã encontra-se o próprio Cristo. Ele é o ponto de partida e de chegada de tudo aquilo que nós cremos. Sem Cristo, as Escrituras não podem ser compreendidas plenamente.
No centro da fé cristã não se encontra um livro, mas uma pessoa Jesus Cristo, que é ele mesmo a Palavra viva de Deus e fez-se conhecer, por assim dizer, na palavra da Escritura, mas que por sua vez pode ser compreendida rectamente sempre e só na vida com ele, na relação viva com ele. [10]
Mas por que precisamos da Igreja? É que ela não é uma instituição meramente humana, como um clube. A Igreja é o Corpo Místico de Cristo (Ef 5, 23), coluna e fundamento da verdade (1Tm 3, 15). Nela, entramos em uma relação única com o Senhor.
E visto que Cristo edificou e edifica a Igreja, o povo de Deus, como seu organismo vivo, o seu "corpo", é essencial para a relação com ele a participação do povo peregrino, que é o verdadeiro e próprio autor humano e ao qual a Bíblia é confiada como seu tesouro próprio, como já foi dito. [11]
Se quisermos compreender a Bíblia, precisamos ser Igreja. Trata-se de um dom. Não podemos produzir algo semelhante com as nossas próprias forças. Entrando na Igreja, entramos em comunhão com o Espírito que os inspirou e que move a Igreja em sua peregrinação.
Se Cristo vivo é a verdadeira e própria norma da interpretação da Bíblia, isto significa que compreendemos retamente este livro unicamente na comum compreensão crente sincrónica e diacrónica de toda a Igreja. Fora deste contexto vital a Bíblia é apenas uma recolha literária mais ou menos heterogénea, e não a indicação de um caminho para a nossa vida. Escritura e tradição não podem ser separadas. [12]
A Palavra da Vida
Você já agradeceu ao Senhor Jesus por viver em uma geração que tem fácil acesso à Bíblia? Hoje em dia podemos ler e meditar a Sua Palavra em qualquer momento, além disso não são poucos os meios de aprendizagem para conhecermos o sentido correto das Escrituras. O nosso apostolado é um exemplo. Nele, você encontra recursos preciosos.
Que Nossa Senhora, Mãe da Igreja, interceda por todos nós!
Referências
[1] Catecismo da Igreja Católica, 516.
[2] Papa Bento XVI. Deus Caritas Est, 1.
[3] Concílio Vaticano II. Dei Verbum 1, 2.
[4] Catecismo da Igreja Católica, 234.
[5] Concílio Vaticano II. Dei Verbum 1, 2.
[6] Catecismo da Igreja Católica, 65.
[7] Catecismo da Igreja Católica, 83.
[8] Scott Hahn. Razões para Crer. Lorena, SP: Cléofas, 2017. p. 82.
[9] Ibid.
[10] Congregação para a Doutrina da Fé: Discurso do Cardeal Joseph Ratzinger, “Atualidade Doutrinal do Catecismo da Igreja Católica Dez Anos após sua Publicação”. 09 de outubro de 2002.
[11] Ibid.
[12] Ibid.