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Doutrina

O Purgatório é uma doutrina bíblica?

O Purgatório é um artigo de fé católica, mas como toda a fé da Igreja, este dogma também está presente na Sagrada Escritura.

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Não só a Bíblia Sagrada, mas também o testemunho dos primeiros cristãos atestam que a fé no Purgatório remonta à origem da Igreja. Como cristãos, devemos rezar pelos nossos falecidos!

Neste artigo, vamos explorar o embasamento bíblico da doutrina do Purgatório.  Começaremos conhecendo  o testemunho dos primeiros cristãos. Você vai aprender como nós sabemos que eles rezavam pelos fiéis defuntos.  Depois, vamos explicar o que é uma doutrina. Você verá que não se trata de um pormenor! Em seguida, abriremos a Bíblia com segurança, para encontrarmos o que Jesus realmente nos ensinou.  Essa é a alegria de ser católico!

Rezando pelos falecidos!

Desde os primeiros dias da Igreja, os fiéis rezam pelas almas do Purgatório. É o que se encontra registrado, por exemplo, nas catacumbas antigas. Você sabe o que elas são? Eram cemitérios. Neles, a Igreja enterrava seus fiéis, mas também celebrava a liturgia.

As catacumbas guardam até hoje um testemunho escrito da fé dos primeiros cristãos. É emocionante ver que a fé daqueles homens é a nossa fé! Eles intercediam pelos fiéis falecidos.  

Isso é confirmado pelas inscrições nas catacumbas que remontam ao século primeiro; pedem muito frequentemente que Deus refrigere o espírito do defunto — “Spiritum tuum Deus refrigeret; Ursula accepta sis in Christo” — que é uma alusão manifesta à pena que sofrem as almas do Purgatório. [1]

É evidente que ainda não se usava a palavra “Purgatório”, que surgiria somente depois.  O que importa não é tanto o termo usado, mas a realidade para o qual ele aponta.  E a realidade do Purgatório já está claramente presente na fé da Igreja desde o século I.

É o que se pode deduzir de um pedido de oração pelos defuntos.  Por acaso faria sentido rezar por uma alma que estivesse no Inferno? Claro que não. A condenação é irreversível. E se a alma estivesse no Céu? Muito menos! Afinal, quem vê Deus face a face não precisa de mais nada, nem mesmo de orações.

A Igreja, com efeito, não reza pelos condenados e não oferece por eles o sacrifício eucarístico. Assim, se manifesta a princípio, a fé da Igreja no Purgatório. [2]

Vimos nessa seção que a prática de rezar pelos falecidos é o que os cristãos sempre fizeram. Não há novidade alguma. Veremos agora como surgiu a sua doutrina.

Definindo a Doutrina

À medida que os séculos passaram, a Igreja foi discernindo a doutrina do Purgatório. Não devemos confundir a definição de uma doutrina com o artigo de fé sobre o qual ela versa. São coisas bastante diferentes.

Você consegue reconhecer essa diferença? Primeiro, a Igreja recebeu a fé dos Apóstolos. Depois, com o tempo, começou a sentir a necessidade de explicar os artigos de fé para preservar a sua integridade. Uma coisa é ter fé; outra coisa é explicá-la com conceitos.

As almas do Purgatório. Pintura de Ludovico Carracci.

A essa explicação nós chamamos de doutrina. Pode parecer simples, mas não é nada fácil definir uma doutrina que exponha com clareza certo artigo de fé. Ela não pode conter ambiguidades, muito menos erros.  

A Igreja formulou a doutrina da fé relativa ao Purgatório sobretudo no Concílio de Florença e de Trento. [3]

Talvez uma comparação nos ajude a entender melhor. Você e eu somos adultos. Muitas coisas aconteceram desde o tempo da nossa infância. Embora não falemos mais com o mesmo vocabulário daquela época, continuamos a ser as mesmas pessoas. O que aconteceu nesse período? Nós tomamos maior consciência de quem somos, a partir das experiências da vida.

Com a Igreja, ocorre algo semelhante. A fé católica não muda jamais; ela é a mesma desde o princípio. No entanto, ao longo dos séculos, com o enfrentamento das heresias, a Igreja foi definindo uma forma mais refinada de falar da fé. Com isso, acaba por adquirir um conhecimento maior da fé que sempre teve.

Nesta seção, vimos que o Purgatório sempre esteve presente na Tradição da Igreja e que a formulação da doutrina é sempre posterior à recepção da fé. Veremos agora como a Bíblia fala desse artigo de fé.

O Purgatório na Bíblia

Certa vez, durante uma controvérsia com os fariseus, o Senhor Jesus falou do perdão. Seu ensinamento abre-nos a compreensão do Purgatório, embora Ele não tenha usado esse termo. Leia com atenção e tente discernir por conta própria:

Mesmo se alguém falar uma palavra contra o Filho do Homem, isso lhe será perdoado, mas, se falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo, nem no mundo que há de vir. (Mt 12, 32)

Perdão neste mundo, nós o conhecemos. Como regra, é a confissão. Mas o que será o perdão “no mundo que há de vir”? Não pode ser o inferno, pois os condenados se excluíram da misericórdia divina para sempre. E não faz sentido algum que seja uma menção ao Céu. Eles veem a Deus face a face! Qual é o lugar que resta? Só pode ser o Purgatório.

Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida sua salvação eterna, passam, após a morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do Céu. [4]  

Será que essa foi a única menção implícita que Jesus fez ao Purgatório?  Há uma parábola que nos interessa aqui. Veja se você se lembra dela. Um servo foi preso porque devia muito a seu senhor. Este, porém, teve compaixão e perdoou-lhe a dívida. Aconteceu que o servo, tendo saído da prisão, oprimiu uma pessoa que lhe devia muito pouco! Quando soube, seu senhor ficou furioso. Mandou prender o servo novamente e disse-lhe que não sairia da prisão até que pagasse toda a dívida (Mt 18, 23-35). Esse pagamento pode ser interpretado como uma metáfora para o Purgatório.

Novamente, isso implica um estado póstumo no qual as pessoas “pagam” sua dívida penitencial a Deus, isto é, são purificados. E a Tradição chama este estado de Purgatório. [5]

E os Apóstolos, o que disseram do Purgatório? Na pregação de São Paulo encontramos uma clara referência a um fogo purificador. Ele é fonte de grande esperança para aqueles que, embora não tenham sido condenados, serão punidos por suas misérias. Há, pois, uma purificação que lhes aguarda.  

O fogo provará a obra de cada um. Se a obra que alguém construiu permanece, receberá a recompensa; se a obra de alguém for queimada, ele será punido, mas ele mesmo será salvo, como que através do fogo. (1Cor 3, 13-14)

Que tipo de purificação será essa? Não pode ser o perdão dos pecados mortais. Quem morre obstinado neles é certamente condenado ao Inferno por culpa própria. Trata-se de pecados veniais, de imperfeições morais. Além disso, nós pagamos no Purgatório a pena devida pelos pecados mortais confessados, mas que não foram expiados.

A tradição católica interpreta o ensinamento de Paulo à luz do Purgatório, uma doutrina definida nos Concílios II de Lião (1274), Florença (1439) e Trento (1563). O Purgatório é um etapa final de purificação àqueles que estão destinados ao Céu, mas deixaram esta vida ainda sobrecarregados com pecados veniais ou com uma dívida não paga de pena temporal dos pecados passados (isto é, pecados mortais já perdoados, mas imperfeitamente satisfeitos pela penitência). [6]

Até mesmo no Livro do Apocalipse, subentende-se que o Purgatório é um artigo de fé católica. Ele traz uma distinção importante entre os mártires que voltaram a viver imediatamente e “os outros mortos” que deviam aguardar mil anos (Ap 20, 5). Nela, vemos que há uma purificação da alma!

Vemos que alguns foram julgados dignos do Céu, mas outros não estavam prontos ainda para a sua inevitável ressurreição na glória. O estado de purificação deles é o Purgatório. [7]

Um Vínculo de Amor

Os fiéis que estão no Purgatório sofrem uma forte purificação espiritual. Mas nós podemos ajudá-los! Você sabia disso? Esse é o sentido de rezarmos por eles, sobretudo de oferecermos missas pelos defuntos.

Quando damos adeus aos entes queridos, muitas vezes, desejaríamos ter feito mais por eles. A Boa Nova — a verdade do Evangelho — nos diz que podemos fazê-lo. Nós podemos dar-lhes tudo o que temos para dar, que (graças a Deus) é tudo que Jesus tem para lhes dar. Podemos dar a eles o sacrifício único e perpétuo da Missa. [8]  

Não deixe de rezar pela alma dos fiéis falecidos. Quando puder, leve suas intenções para a santa missa. Lembre-se sempre deles em suas devoções, como o santo terço. É uma obra de misericórdia que podemos prestar-lhes.

Que Nossa Senhora interceda pelas almas benditas do purgatório!

Referências

[1] Garrigou-Lagrange. O Homem e a Eternidade: a Vida Eterna e a Profundidade da Alma. Campinas, SP: Ecclesiae, 2018. p. 177.

[2] Ibid, p. 178.

[3] Catecismo da Igreja Católica, 1031.

[4] Catecismo da Igreja Católica, 1030.

[5] Scott Hahn. Razões para Crer. Lorena, SP: Cléofas, 2017. p. 128.

[6] Scott Hahn & Curtis Mitch. As Cartas de São Paulo aos Coríntios: Cadernos de Estudo Bíblico. Campinas, SP: Ecclesiae, 2017. p. 33-34.

[7] Scott Hahn. Razões para Crer. Lorena, SP: Cléofas, 2017. p. 128.

[8] Ibid, p. 130.