A Santíssima Trindade é o mistério central da nossa fé. Toda a revelação divina nos mostra que Deus é uno e trino. Esse mistério supera todo entendimento humano, mas não viola a razão.
O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. É o mistério de Deus em si mesmo. [1]
Justamente por ser o centro da fé, não faria sentido que estivesse formulado como doutrina na Bíblia. Uma coisa é crer; outra é explicar. Para explicar a fé com conceitos, usando a razão, foi necessário que a Igreja desenvolvesse um vocabulário teológico adequado.
Neste artigo nós vamos tratar do fundamento bíblico da doutrina da Santíssima Trindade. Primeiro, você vai aprender que a fé na Trindade remonta aos primórdios da Igreja. Vamos entender porque a formulação da doutrina é um meio necessário para preservar a fé de geração em geração. Depois, veremos o conteúdo da fé trinitária na Bíblia. Em seguida, chegaremos a uma consequência prática deste dogma.
A Fé dos Apóstolos e a Doutrina da Trindade
A Igreja leva muito a sério tudo aquilo que Jesus ensinou e determinou. É por isso que Ela não abre mão de ensinar a verdade, fazendo discípulos, nem de administrar os sacramentos em todo o mundo.
Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. (Mt 28, 19)
É importante observarmos que essa fórmula batismal traz um ensinamento. Jesus não disse para a Igreja batizar os povos em três nomes diferentes. Ele falou de um único nome, no singular: “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Mas por que um só nome para três? Essa era uma questão que surgiria para algumas gerações posteriores, as quais não tiveram contato direto com os Apóstolos. Infelizmente, eram pessoas que passaram a questionar a fé que os Apóstolos nos deixaram e decidiram abandoná-la.
Com o surgimento das heresias, a Igreja precisou explicar qual era a verdadeira fé, para que nada se perdesse. A essa explicação chamamos de “doutrina”. Ela não cria a fé, nem propõe inovações. A doutrina tão somente expõe qual é a fé da Igreja com palavras precisas, de modo a garantir que não haja desvios.
Já antes de se ter desenvolvido teologicamente a doutrina da Trindade, a fé na Trindade estava na base da vida cristã celebrada no batismo. A profissão de fé batismal pronunciada na fórmula sacramental do batismo não exprimia simplesmente um mistério teórico, mas a fé viva que se referia à realidade da salvação dada por Deus e, portanto, ao próprio Deus. [2]
Um exemplo talvez ajude a entender melhor. A Igreja sempre acreditou que Jesus é Deus e sempre ensinou que Ele é o Filho de Deus. Não havia dúvida para os Apóstolos, portanto não foi necessário formular uma doutrina.
No entanto, certa vez um bispo chamado Ário abriu a Bíblia e passou a interpretá-la com suas próprias ideias, afastando-se da fé da Igreja. Naturalmente, ele errou bastante. Achou, por exemplo, que Jesus não fosse Deus! A Igreja teve que combater as ideias de Ário para que a fé dos Apóstolos não se perdesse. Nesse processo, Ela foi encontrando e refinando o seu vocabulário para explicar de que modo Jesus é Deus e transmitir a verdadeira fé sem desvios.
É por isso que a fórmula batismal, na qual o Pai, o Filho e o Espírito Santo são colocados em pé de igualdade, constitui o argumento central contra Ário e os seus seguidores, muito mais do que o recurso à argumentação teológica. [3]
Como é importante estar unido à Igreja! O Senhor não prometeu que bastaria ter uma Bíblia para chegar à verdade. É preciso unir-se à Igreja, entrando em comunhão com ela, para interpretar a Escritura corretamente. A própria Bíblia ensina que a Igreja é a coluna e o fundamento da verdade:
Caso, porém eu demore, já estarás sabendo como deves proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e fundamento da verdade. (1Tm 3, 15)
Até aqui vimos que a compreensão e defesa da fé requer a formulação da doutrina. Agora, porém, vamos fazer o caminho inverso. De que modo a doutrina nos ajuda a entender a fé?
Deus Uno e Trino
A fé da Igreja é muito clara. Não existem três deuses, mas apenas um. A Bíblia nos revela que o único Deus que há se relaciona consigo mesmo. Já no Antigo Testamento, existem sinais de diálogo de Deus com o próprio Deus.
Deus disse: “Façamos um ser humano, à nossa imagem e segundo a nossa semelhança.” (Gn 1, 26)
Esse diálogo interior de Deus para com Deus torna-se explícito em Jesus Cristo. Mais de uma vez, o Senhor aplicou o nome de Deus a si mesmo (“eu sou”). Tratava-se de uma revelação pública de Sua divindade, o que foi entendido pelos Seus inimigos, que quiseram apedrejá-lo.
“Na verdade, na verdade vos digo: antes que Abraão existisse, eu sou”. Então, pegaram em pedras para apedrejar-no (Jo 8, 58-59)
Essa não foi a única vez que Jesus anunciou a Sua divindade. Ele proclamou, por exemplo, em uma outra ocasião, que é uno com o Pai, além de ter exercido prerrogativas divinas em público.
“Eu e o pai somos um” (Jo 10, 3)
“Assim como o Pai tem a vida em si mesmo, do mesmo modo deu ao Filho possuir a vida em si mesmo” (Jo 5, 26)
“Filho, os teus pecados estão perdoados” (Mc 2, 5)
À medida que se aproximava de Sua hora, o Senhor Jesus falava cada vez mais do Espírito Santo. Ensinava com clareza que o Espírito é divino, pois participa da intimidade do Filho e do Pai.
Quando vier o Paráclito, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, ele dará testemunho de mim. (Jo 15, 26)
Podemos, então, entender melhor a fórmula do batismo. O nome de Deus é único, pois há um só Deus, mas neste Nome há três Pessoas Divinas. Para explicar a fé de que as três Pessoas Divinas são um só Deus, é preciso compreendermos primeiro o conceito de “pessoa”. É que veremos a seguir.
Pessoas Divinas
No dia a dia, nós usamos a palavra “pessoa” nos mais variados contextos. Geralmente, ela é empregada para indicar algo ou alguém. Assim, por exemplo, falamos que certo vizinho é uma boa pessoa ou que uma empresa é uma pessoa jurídica.
Não era assim na Antiguidade. Naquela época, o termo era pouco conhecido. O seu sentido foi sendo descoberto aos poucos à medida que a Igreja discernia o modo adequado de falar da fé. Não era uma questão de palavras por palavras, mas uma preocupação com a preservação da fé.
A luta pela formulação da profissão de fé representava também uma luta pelo conteúdo das palavras, de modo que a linguagem usada, por inadequada que seja, nos põe em contato com a realidade expressa por ela. [4]
E o que significa “pessoa”? De modo simples, a pessoa não se fecha em si mesma. Ela estabelece relacionamentos, aceitando comprometer-se com o outro. É o oposto do egoísmo, do individualismo.
Ao falar de Deus como pessoa, a Igreja nos ensina que Deus é amor. Ele não é uma energia abstrata, mas alguém que se importa conosco de modo pessoal. Deus cuida de nós e nos chama pelo nome.
No contexto da história do espírito humano, podemos afirmar que foi a primeira vez que se enxergou em seu sentido pleno a realidade expressa pelo termo “pessoa”. Foi na luta pela imagem cristã de Deus que o conceito e a ideia de “pessoa” se foram depurando para o espírito humano. [5]
Nós somos, então, chamados a nos comprometer com o bem do próximo. O amor a Deus e ao próximo são indissociáveis. A nossa fé deve frutificar em nossos relacionamentos, em nossa vida concreta.
Dado que Deus foi o primeiro a amar-nos (cf. 1 Jo 4, 10), agora o amor já não é apenas um « mandamento », mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro. [6]
Uma Dogma Central
A fé na Santíssima Trindade é uma revelação bíblica. Trata-se de um mistério que nos ensina não só quem é Deus, mas também nos ensina quem somos nós. Fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Não somos, portanto, criaturas fechadas em nós mesmos.
No dia de hoje contemplamos a Santíssima Trindade, do modo como Jesus no-la fez conhecer. Ele revelou-nos que Deus é amor. [7]
Amar é essencial para o cristão. Devemos renunciar a uma vida fechada em nossos próprios interesses e nos abrir, com o auxílio do Espírito Santo, ao próximo. Peçamos a Nossa Senhora que interceda por nós, para que consigamos amar de verdade!
Referências:
[1] Catecismo da Igreja Católica, 234.
[2] Comissão Bíblica Internacional. Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador. 1700º aniversário do Concílio Ecumênico de Niceia, 325-2025. (49)
[3] Ibid, (50).
[4] Bento XVI. Introdução ao Cristianismo. 5ª Ed. São Paulo, SP: Edições Loyola, 2012. p. 135
[5] Ibid, p. 135.
[6] Bento XVI. Carta Encíclica Deus Caritas Est.
[7] Bento XVI. Solenidade da Santíssima Trindade. 07 de junho de 2009.