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A Transfiguração do Senhor e a nossa transformação interior

Este é meu Filho amado. Escutai o que Ele diz.

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A Transfiguração do Senhor é uma passagem muito importante da vida de Jesus e, consequentemente, para a nossa salvação. Ela aparece em três dos quatro evangelhos: São Mateus 17, 1-9; São Marcos 9, 2-8; e São Lucas 9, 28-36.

Cada um desses evangelhos narra a experiência de Jesus levando Pedro, Tiago e João a um alto monte, que ficou conhecido, posteriormente, como Monte Tabor. Neste monte, Jesus transfigurou-Se diante deles, ou seja, Sua aparência tornou-se toda luminosa, Suas vestes tornaram-se resplandecentes.

Sem dúvidas, foi uma visão impressionante da glória de Jesus, até mesmo difícil de ser descrita em linguagem humana. Percebemos isso nos relatos dos evangelistas. São Mateus, por exemplo, descreve que o rosto de Jesus “resplandecia como o sol”. São Marcos disse que as roupas do Salvador ficaram “brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar”.

A glória do Senhor

Ao longo da história da Igreja, muitos comentadores afirmaram que a Transfiguração do Senhor foi uma manifestação temporária da glória eterna do Filho. Pode-se dizer então que a Transfiguração é uma espécie de “milagre ao contrário”. Explicamos:

Somente pelo fato de Deus ter Se encarnado, o Corpo de Jesus assumido desde o ventre de Maria deveria manifestar uma glória explícita a todos os que cruzassem Seu caminho. A glória que se vê no Tabor era para ser o “normal” em toda encarnação.

Neste sentido, São Máximo, o confessor, diz que a Transfiguração é uma revelação da glória divina que, por vontade do próprio Deus, estava oculta na humanidade de Cristo ao longo de toda Sua vida. Logo, o milagre realizado por Jesus não era o de transfigurar-se diante dos Apóstolos, mas o de não aparecer transfigurado em glória a todo momento. Podemos ver nisso um ato de misericórdia para com os homens, pois como poderíamos suportar ver a glória de Deus e não morrer? (cf. Ex 33, 18-20).

A Transfiguração por partes

Há também outros aspectos que chamam muito a atenção neste evento, como: a exclusividade da visão somente a três Apóstolos; a presença de Moisés e Elias; a fala de Pedro; a nuvem que os encobre; a voz do Pai; a necessidade da descida do monte.

Agora vamos nos deter em cada um desses aspectos:

Pedro, Tiago e João

Muitos santos dizem que Jesus Se transfigurou a estes três Apóstolos para lhes fortalecer a fé antes da Paixão. Pedro, Tiago e João seriam os mesmos discípulos que veriam o Senhor transfigurado no horto das Oliveiras, suando sangue em agonia. Então, pela presença dos três, vemos aqui uma íntima ligação entre a glória e a humilhação da Cruz.

No Tabor, Nosso Senhor como que fornece aos três Apóstolos um antídoto contra o escândalo da Cruz, mostrando-lhes antecipadamente um vislumbre da glória – do próprio Cristo e dos justos – que se seguiria à Paixão e Morte no Calvário.

A presença de Moisés e Elias

Durante a manifestação da glória do Senhor, apareceram-lhe Moisés e Elias. São Lucas diz que eles falavam a Jesus sobre Sua partida, que estava para se cumprir em Jerusalém. Este é mais um dado que mostra a relação entre a glória e a Cruz.

A Igreja sempre compreendeu que, na Transfiguração, Moisés representa a Lei, enquanto Elias representa os Profetas. A presença deles sublinha que Jesus é o cumprimento tanto da Lei quanto das profecias das Escrituras. A Transfiguração é a explicitação da harmonia e da interpenetração que há entre o Antigo e o Novo Testamento, a nova aliança cumprida e realizada por Cristo.

Santo Agostinho disse que “o Novo Testamento está escondido no Antigo, e o Antigo está revelado no Novo.” No Tabor, tanto pela presença de Moisés e Elias quanto pela dos Apóstolos, podemos olhar para o passado e para o futuro das Escrituras e, nelas, enxergar a presença de Cristo do Gênesis ao Apocalipse.

A fala de Pedro

Pedro, mesmo que atemorizado por tal visão, queria prolongar a experiência de estar na presença gloriosa de Jesus, Moisés e Elias. Ele diz: “Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas, uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Percebemos aqui, talvez de maneira não tão consciente, Pedro colocando Jesus em pé de igualdade com Moisés e Elias.

Para o povo judeu, a tenda era o local da descida e do encontro com Deus, portanto, ao propor uma tenda para cada personagem, o Apóstolo não faz a distinção da divindade de Cristo em relação à humanidade dos outros dois. É bem provável que, por isso, após a fala de Pedro, o Evangelho diz: “Pedro não sabia o que dizia”.

Comentadores como São João Crisóstomo e Santo Agostinho notam que Pedro estava falando em um estado de temor e assombro, o que pode explicar a natureza precipitada e inadequada de sua sugestão. Sua reação é vista como um reflexo da fragilidade humana ao tentar responder a uma manifestação divina extraordinária.

Também, a observação de que Pedro “não sabia o que dizia” pode ser entendida no contexto de toda a missão de Jesus. A proposta de Pedro mostra que ele ainda não compreendia completamente que a glória de Jesus seria revelada plenamente através da Cruz e da Ressurreição.

A nuvem

Em seguida, o texto diz que “uma nuvem desceu e os encobriu”. Desde o Antigo Testamento, a descida da nuvem traduz a presença de Deus:

Êxodo 24, 15-18

“Moisés subiu ao monte. A nuvem cobriu o monte e a glória do Senhor repousou sobre o monte Sinai, que ficou envolvido na nuvem durante seis dias. No sétimo dia, o Senhor chamou Moisés do seio da nuvem. Aos olhos dos israelitas a glória do Senhor tinha o aspecto de um fogo consumidor sobre o cume do monte. Moisés penetrou na nuvem e subiu a montanha. Ficou ali quarenta dias e quarenta noites”.

A partir da revelação de Nosso Senhor a respeito da Santíssima Trindade, a Igreja entendeu que a nuvem é um símbolo do Espírito Santo. Por exemplo, a nuvem que conduz Jesus glorioso na Ascensão. Esta nuvem representa o Espírito Santo. Jesus ascendeu aos Céus na força do Espírito Santo.

A voz do Pai

O texto segue e nos diz algo belíssimo: “E da nuvem, saiu uma voz: ‘Este é meu Filho amado. Escutai o que Ele diz’”.

Em meio à nuvem, escuta-se a voz do Pai. O Pai eterno fala aos homens sobre a divindade do Filho “na nuvem”, ou seja, na força do Espírito Santo. Reparem, é uma ação trinitária! A Trindade age sempre unida. Na Transfiguração somos tocados pelo mistério do Deus único e verdadeiro, o Deus uno e trino.

Após a fala do Pai, Moisés e Elias desaparecem. Vemos aqui também nossa vocação: anunciar a Cristo, assim como a Lei e os Profetas fizeram, e depois desaparecer, para que só Ele, o Senhor Jesus, possa reinar entre os homens. No desaparecimento de Moisés e Elias no Tabor, podemos entender mais profundamente as palavras de João Batista: “Que Ele cresça e eu diminua”. O diminuir é, em última instância, um desaparecer diante dos homens para viver um escondimento no seio de Deus (cf. Colossenses 3, 3).

A necessidade da descida do monte

Em seguida, Jesus, já sem a manifestação de Sua glória divina, desce com os três Apóstolos do monte. Este ato é muito importante para o entendimento de nossa vida cristã.

Subir o monte para estar com Jesus pode ser entendido como um movimento nosso em direção a uma maior proximidade com Deus. Realmente, pela oração, devemos elevar-nos acima das preocupações terrenas para contemplar as belezas do nosso Salvador. Por outro lado, Jesus nos mostra neste Evangelho que também precisamos descer do monte para continuar a missão. O Senhor nos pede para que, caminhando com Ele, sejamos a Sua presença no mundo, seja na família, no trabalho, entre os amigos ou na Igreja.

Devemos tomar cuidado para não nos deixarmos levar pela tentação de querer permanecer apenas no âmbito espiritual da vida, esquecendo que ainda estamos neste mundo. Nossa missão aqui inclui o encontro com as pessoas e a evangelização contínua.

Viver como cristãos transformados em Cristo

Por fim, concluímos dizendo que a Transfiguração do Senhor nos ajuda a entender a dinâmica da vida do cristão.

Em primeiro lugar, deve estar nossa vida de oração: a contemplação de Cristo, Sua beleza, Seu Amor e Seus mistérios. Para isso, é essencial conhecer as Sagradas Escrituras, conforme a Igreja as entende, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, e escutar a voz do Pai que sempre nos fala hoje, especialmente na Santa Missa. A Palavra de Deus é sempre viva.

Em segundo lugar, não nos esqueçamos de que precisamos enfrentar a vida e os desafios de um mundo que se afasta cada vez mais de Cristo e de Sua Igreja. Abracemos, pois, nossas cruzes cotidianas. Foi isso que Nosso Senhor desejou que os Apóstolos fizessem, e eles obedeceram. Desceram do monte da Transfiguração e partiram para Jerusalém, em direção à Cruz e à Ressurreição.

Vamos em frente, irmãos, o Senhor nos quer com Ele e atuantes em Sua obra de salvação!