Se soubéssemos que um familiar ou amigo está passando por um sofrimento muito grande, quantos esforços não faríamos para ajudá-los a aliviar suas dores. É exatamente esta a realidade em que se encontram todos os fiéis defuntos. Não se trata da alma de todas as pessoas que morreram, mas daqueles que partiram desta vida na amizade com Deus, mas que ainda precisam se purificar para alcançarem a perfeição cristã. Porém, sem a nossa ajuda, tudo será muito mais lento e doloroso.
“Purgar”, que significa “purificar”, implica em um ato ou procedimento para remover impurezas para tornar algo mais puro, muitas vezes associado a um processo que envolve sofrimento, dor ou esforço. Esse conceito nos oferece um ponto de partida para compreender a doutrina do Purgatório e o que essa purificação realmente representa.
Segundo o Catecismo, “os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do Céu”. [1]
Essa doutrina mostra que o processo de santificação pode continuar após a morte, pois ninguém pode entrar na presença de Deus e participar de Sua glória com máculas e imperfeições. Como diz o Salmo:
Quem será digno de subir ao monte do Senhor? Ou de permanecer no seu lugar santo? O que tem as mãos limpas e o coração puro (Salmo 23[24], 3-4).
O Purgatório é, portanto, uma das mais profundas expressões da misericórdia de Deus, pois, pela purificação final – e necessária – das almas, elas entram na glória eterna depois de limpar o que não conseguiram ao longo de suas vidas terrenas.
A doutrina do Purgatório
O purgatório foi formalmente proclamado como dogma no Concílio de Florença, em 1439, e reafirmado no Concílio de Trento, que ocorreu entre 1545 e 1563. Esses concílios declararam a existência do purgatório como uma doutrina oficial da Igreja, confirmando que as almas que morrem em estado de graça, mas ainda não estão perfeitas na capacidade de amar a Deus, passam por uma purificação antes de entrarem no Céu.
Esta purificação final dos eleitos, que é completamente distinta do castigo dos condenados, a Igreja denomina Purgatório. Explicaremos de maneira bem didática o que acontece no julgamento e porque algumas almas salvas não vão para o Céu imediatamente:
1º) A pessoa morre na terra e a sua alma se separa do corpo.
2º) Imediatamente após a morte, a alma passa pelo juízo particular, onde comparece diante de Deus para ser julgada individualmente.
3º) Deus, em Sua misericórdia e justiça, dá o veredito sobre essa alma: ela será ou salva ou condenada ao inferno.
4º) Caso seja condenada, a alma será enviada ao inferno, onde permanecerá para sempre nos tormentos infernais, separada eternamente de Deus.
5º) Caso seja salva, existem duas possibilidades:
- A alma pode ir diretamente para o Céu, se viveu em grande santidade e já está plenamente preparada para a visão de Deus, que chamamos de visão beatífica;
(...) podem existir pessoas puríssimas, que se deixaram penetrar inteiramente por Deus e, consequentemente, estão totalmente abertas ao próximo – pessoas em quem a comunhão com Deus orienta desde já todo o seu ser e cuja chegada a Deus apenas leva a cumprimento aquilo que já são. [2]
- Se a alma ainda precisa ser purificada, ela será enviada ao Purgatório, onde pagará as penas temporais de seus pecados, cuja culpa foi perdoada em vida, mas que não foram completamente expiadas. No Purgatório, a alma também purifica seus apegos, egoísmos e pecados veniais, para se tornar digna de entrar no Céu.
Após o processo de purificação no Purgatório, a alma será finalmente admitida na presença de Deus no Céu.
Os sofrimentos do Purgatório
O Purgatório é frequentemente descrito pelos teólogos e pelos místicos como um “lugar”, um “estado” de intenso sofrimento espiritual. Como vimos, esse sofrimento não é uma punição eterna, mas um meio de tornar as almas perfeitas.
O sofrimento do Purgatório está ligado tanto ao intenso desejo de Deus e de estar em Sua presença, quanto à consciência dos pecados cometidos e do tempo desperdiçado durante a vida terrena.
No Purgatório, a alma é purificada pelo fogo do Espírito Santo, que a limpa de toda mancha de pecado. Vejamos o que São Paulo nos ensina sobre isso:
O dia (do julgamento) irá demonstrá-lo. Será descoberto pelo fogo; o fogo provará o que vale o trabalho de cada um. Se a construção resistir, o construtor receberá a recompensa. Se pegar fogo, arcará com os danos. Ele será salvo, porém passando de alguma maneira através do fogo (1 Coríntios 3, 13-15).
O Apóstolo nos atesta que existe uma purificação que não condena, mas prepara para a salvação aqueles que, em última análise, serão redimidos. No entanto, esse fogo purificador causa um profundo sofrimento à alma.
Santo Tomás de Aquino, doutor comum da Igreja, diz que o Purgatório tem penas que ultrapassam a todos os sofrimentos deste mundo [3]. Ele baseia-se no fato de que as almas no Purgatório estão profundamente conscientes da gravidade do pecado e da distância de Deus, e essa consciência, junto com o desejo intenso de estar na presença divina, causa um sofrimento espiritual muito maior do que os sofrimentos físicos ou emocionais experimentados na vida terrena.
Várias revelações privadas iluminaram aspectos do Purgatório, especialmente no que se refere aos sofrimentos das almas. Santa Faustina Kowalska, em seu Diário, descreve uma visão das almas padecentes:
Vi meu anjo da guarda que me ordenou segui-lo. Num momento, encontrei-me num lugar cheio de fogo, e ali estavam muitas almas sofredoras. Rezavam com grande fervor, mas sem eficácia para si mesmas; só nós podemos ajudá-las. [4]
Santa Catarina de Gênova também deixou uma reflexão, após uma visão mística:
Que coisa terrível é o Purgatório! Confesso que nada posso dizer e nem conceber que se aproxime sequer da realidade. Vejo que as penas que lá padecem as almas são tão dolorosas como as penas do inferno. [5]
Como podemos ajudar as almas do Purgatório?
Diante de inúmeros relatos e estudos teológicos sobre os sofrimentos de nossos irmãos no Purgatório, a Igreja, ao longo dos séculos, têm enfatizado a importância da oração em favor dos falecidos.
As almas que padecem no Purgatório não podem adquirir mais méritos para si mesmas porque o tempo de merecimento termina com a morte. Durante a vida, temos a capacidade de oferecer nossas ações, orações, sacrifícios e boas obras em reparação pelos nossos pecados e em busca de nossa santificação. No entanto, após a morte, as almas já não têm essa oportunidade de agir em seu próprio favor.
Assim, as almas no Purgatório dependem da caridade e das orações dos vivos. A Igreja ensina que nós podemos interceder por elas também por meio de orações, Missas, sacrifícios e obras de caridade. Essas ações realizadas em favor das almas do Purgatório ajudam a aliviar seus sofrimentos e acelerar sua purificação, permitindo que alcancem mais rapidamente a plenitude da vida eterna no Céu.
Esse ensinamento destaca a comunhão dos santos, onde a Igreja militante (os fiéis na terra) pode auxiliar a Igreja padecente (as almas do Purgatório), formando um laço de caridade e intercessão mútua, que continua mesmo após a morte.
Em Fátima, Nossa Senhora fez um pedido especial aos três pastorinhos para que rezassem e fizessem penitência pelas almas do Purgatório. Em suas aparições, a Santíssima Virgem Maria enfatizou a importância da oração, especialmente do Rosário, e do sacrifício em favor dessas almas.
Nossa Senhora também revelou que muitas almas estão no Purgatório e que algumas delas sofrem “porque não há ninguém que reze ou faça sacrifícios por elas”. Isso reforça a urgência da oração pelos falecidos, uma prática que a Igreja sempre incentivou.
Essa prática já é observada no Antigo Testamento, quando Judas Macabeu oferece sacrifícios pelos mortos para que sejam libertados de seus pecados:
Se ele acreditava que uma belíssima recompensa aguarda os que morrem piedosamente, era esse um bom e religioso pensamento. Eis por que ele pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres de suas faltas (2 Macabeus 12, 45-46).
A Missa por uma alma: o maior ato de amor
Há uma outra mística, a bem-aventurada Anna Maria Taigi, que teve visões frequentes do purgatório, testemunhando as almas implorando por orações e Missas oferecidas por elas. Ela escreveu que as almas dependem totalmente das orações dos vivos e do sacrifício da Missa, o maior ato de caridade que podemos fazer.
A prática de oferecer uma Missa por uma intenção específica (como por uma alma do purgatório, pela saúde de alguém ou por uma ação de graças) é a mais alta forma de oração, pois une a intenção da pessoa à oferta sacrificial de Cristo na Eucaristia.
Esse ato é altamente recomendado e enraizado na Tradição da Igreja, pois as graças obtidas através da Missa representam o ápice da intercessão. Nela, o Cordeiro imolado e ressuscitado Se oferece ao Pai, junto com a Igreja, Seu Corpo Místico, apresentando não apenas Suas santas chagas, mas também todas as intenções ali ofertadas por Ele, com Ele e n’Ele.
Como oferecer corretamente a Missa por uma alma?
Muitas vezes, há certa confusão entre os fiéis sobre a forma correta de oferecer intenções na Missa, possivelmente por falta de uma catequese adequada. Por isso, apresentaremos aqui também um passo a passo claro, para que não restem mais dúvidas sobre como proceder corretamente:
- Solicitação à paróquia ou ao sacerdote: A pessoa que deseja oferecer uma Missa deve falar com o sacerdote ou com a secretaria da paróquia, informando a intenção para a qual deseja que a Missa seja celebrada. A intenção pode ser por um falecido, uma pessoa viva, por saúde, pela conversão de alguém, ou por uma causa especial, por exemplo, bodas matrimoniais.
- Participação na Missa: Embora seja recomendável que a pessoa que solicita a Missa participe da celebração, não é obrigatório. O valor infinito da Missa será aplicado à intenção, de maneira especial, mesmo que a pessoa que a solicitou não possa estar presente fisicamente.
- A Oferta (Estipêndio ou Espórtula): O Código de Direito Canônico diz que “é lícito a qualquer sacerdote (ou paróquia), que celebre a Missa, receber o estipêndio oferecido para que se aplique o valor da Missa por determinada intenção”. [6]
Explicaremos melhor, a seguir:
O Estipêndio (ou Espórtula) da Missa
Quando uma Missa é oferecida por uma intenção específica, é comum que se ofereça um “estipêndio” ou “espórtula”. O estipêndio é uma doação que visa ajudar a manter o sustento do sacerdote e das obras da Igreja. É uma “esmola” do fiel à Igreja. No entanto, é importante destacar que essa doação não é um pagamento pela Missa.
A Missa, por sua própria natureza, é a renovação do Santo Sacrifício de Cristo, um ato gratuito do próprio Cristo para a Igreja, e o valor espiritual dela é inestimável. O estipêndio é apenas uma forma de caridade e de apoio ao ministério da Igreja.
Essa doação geralmente é voluntária, e a Igreja não obriga um valor específico. O estipêndio varia de acordo com a região e as normas da diocese local, mas normalmente é uma quantia simbólica. Em algumas dioceses, é estabelecido um valor sugerido, mas o importante é que não há obrigatoriedade de fazer a oferta.
Caso alguém deseje oferecer uma Missa e não tenha condições de fazer uma doação, a Missa ainda será celebrada. O cânon 945 §2 especifica: “Muito se recomenda aos sacerdotes que, mesmo sem receberem estipêndio, celebrem Missa por intenção dos fiéis, particularmente dos pobres”.
O estipêndio é uma boa obra que fazemos, um gesto de caridade e fé que dá forma ao nosso desejo de oferecer uma Missa por uma intenção particular. Ao oferecer a esmola, expressamos de forma tangível nossa vontade de participar e nossa confiança no poder redentor do sacrifício eucarístico.
E se o Padre não falar a intenção (o nome) durante a Missa?
É comum que os fiéis fiquem incomodados quando um padre não menciona o nome ou as intenções específicas aplicadas pelos fiéis durante a Missa. Para muitos, a ausência dessa menção pode causar a impressão de que suas intenções não foram devidamente consideradas ou que a oferta feita pela Missa perdeu seu valor. Esse desconforto, no entanto, decorre de uma compreensão equivocada do que realmente significa oferecer uma Missa por uma intenção.
Embora seja um costume apreciado e pastoralmente sensível mencionar as intenções de forma explícita, isso não é necessário para que o valor da Santa Missa seja aplicado na intenção ofertada.
A aplicação do valor da Missa não depende da menção pública da intenção, mas da fé e do gesto interior de quem oferece o estipêndio (ou espórtula) e une sua intenção a do sacerdote que oferece o sacrifício de Cristo. Deus, que conhece o coração de cada fiel, recebe as intenções apresentadas no silêncio da alma, independentemente de serem mencionadas em voz alta. A menção pública pode trazer consolo, mas a eficácia espiritual da Missa independe dessa formalidade.
A Missa, em sua essência, é um ato de intercessão universal. Portanto, os fiéis devem entender que a intenção aplicada à Missa é recebida por Deus no ato do sacrifício que o sacerdote oferece, independentemente de ser mencionada por outros ou não. Repetimos: o gesto do estipêndio (da oferta), que simboliza essa intenção, já é por si só um sinal concreto do vínculo do fiel com o mistério eucarístico oferecido pelo sacerdote naquela intenção.
Aproveitar bem o tempo que nos resta para a santificação
Sem dúvidas, o purgatório é uma realidade espiritual de grande esperança, onde Deus, em Sua misericórdia, purifica aqueles que morreram em sua amizade. No entanto, se o purgatório nos ensina algo, é a necessidade de buscar a santidade nesta vida.
Deus deseja que alcancemos a perfeição aqui e agora. Escutemos o que nos diz o grande São Josemaría Escrivá:
Alcança-se a santidade com o auxílio do Espírito Santo - que vem morar em nossas almas -, mediante a graça que nos é concedida nos sacramentos, e com uma luta ascética constante. Meu filho, não nos iludamos: tu e eu - não me cansarei de repeti-lo - teremos de combater sempre, sempre, até o fim da nossa vida. Assim amaremos a paz, e daremos a paz, e receberemos o prêmio eterno. [7]
A santidade pessoal não é uma abstração, mas uma realidade precisa, divina e humana, que se manifesta constantemente em obras diárias de Amor. [8]
Devemos ser generosos com Deus em nossas vidas, amando-O na prática das virtudes, evitando a qualquer custo o pecado e aproveitando as oportunidades de crescimento espiritual. Cada ato de caridade, sacrifício ou oração pode nos ajudar a crescer em graça e evitar as penas do purgatório.
Que nossos irmãos, que já não podem fazer mais nada por si mesmos, intercedam por nós, para que alcancemos a santidade que Deus nos chama a viver nesta vida presente. E que nós, por nossa parte, ofereçamos muitas Missas por suas almas, implorando a misericórdia do Senhor e o auxílio especial daquela que, segundo os místicos, alivia os sofrimentos e liberta as almas do Purgatório, conduzindo-as ao Céu: a Santíssima Virgem!
Maria, Mãe de Misericórdia, rogai por nós!
Referências:
[1] CIC 1030
[2] Bento XVI. Carta Encíclica Spe Salvi. nº 45.
[3] Cf. Santo Tomás de Aquino. Suma Teológica (Suplemento). Questão 2: Do apêndice ─ do purgatório. Art. 3.
[4] Santa Faustina Kowalska. Diário: A Misericórdia Divina em Minha Vida. Nº 20.
[5] Santa Catarina de Gênova. Tratado do Purgatório. Capítulo VIII.
[6] Código de Direito Canônico. Capítulo III. Cânon 945.
[7] São Josemaria Escrivá. Forja. nº 429.
[8] Ibid. nº 440.