Certa vez o Papa Francisco fez um apelo à Igreja. Ele pediu para nós não deixarmos que o passado determine toda a nossa vida. São palavras cheias de sabedoria. Todos nós trazemos ao coração algumas feridas, mas não devemos viver reféns delas. Precisamos olhar para a frente.
Olhai sempre para diante e não deixeis que o passado vos condicione a vida. [1]
A devoção a Santa Maria Madalena pode nos ajudar a olhar para a vida de outro modo, a partir do encontro pessoal com Cristo. Foi o que ela viveu em profundidade. A sua experiência é uma luz que deve iluminar a nossa vida interior, mas também a nossa vida comunitária.
É um dever cristão acolher a todos que têm sede de retomar a vida com Cristo. A Igreja é chamada a ter os braços abertos aos arrependidos. É o que o Papa Francisco nos ensinou já no início de seu pontificado:
A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida nova do Evangelho. [2]
E como podemos nos tornar pessoas mais acolhedoras? Quanto mais aprendermos a lidar com o nosso passado sob ação da Graça de Deus, mais brandos e compreensivos seremos com o irmão. Somos todos pecadores!
O pecado não está lá fora; ele está profundamente dentro de você e de mim. [3]
Este artigo é um convite para você se aprofundar na sua devoção à Santa Maria Madalena. Devemos pedir a intercessão dela, mas também imitar as suas virtudes. Não se trata de um exagero. A própria Palavra de Deus nos ensina a imitar a virtude dos santos porque eles deram o maior exemplo que há de uma vida em Cristo.
Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo. (1Cor 11, 1)
Um Novo Começo
A todo momento começamos de novo. É assim conosco e foi assim com Santa Maria Madalena. Ela é muito mencionada nos Evangelhos, mas não começou a vida já em santidade. Teve que caminhar na fé.
Depois disso, Jesus percorria cidades e povoados, proclamando e anunciando o evangelho do Reino de Deus. Estavam com ele os Doze, e também algumas mulheres que tinham sido curadas de maus espíritos e de doenças: Maria, chamada Madalena, de quem haviam saído sete demônios. (Lc 8, 1-2)
Observe que São Lucas incluiu Maria Madalena no grupo de mulheres que foram curadas de “maus espíritos e de doenças”. Porém, acrescentou uma informação a mais: dela saíram “sete demônios”.
O que significam os sete demônios, senão todas as classes de vícios? Afinal, se a totalidade do tempo está contido em sete dias, é correto pensar que a totalidade das coisas está representada pelo número sete. Sete demônios teve Maria, mulher repleta de todas as classes de vícios. [4]
“Vício” é uma palavra importante aqui. Ela dá o tom do modo como Maria Madalena tinha vivido. Buscando a felicidade no lugar errado, ela se destruía em uma vida de pecados. Seus vícios indicavam uma profunda desordem interior, sob atuação diabólica.
Todos os vícios têm uma raiz comum que é o amor desregrado de si mesmo, oposto ao amor do bem e do Sumo Bem, que é Deus. [5]
Era grave! Quem diria que ela seria a grande santa que hoje conhecemos? Maria Madalena chegou ao ponto de ser totalmente escravizada pelo maligno. É até difícil imaginar como era a sua vida.
Diz o Evangelista Lucas que dela Jesus fez sair sete demônios (cf. Lc 8, 2), ou seja, salvou-a de um servilismo total ao maligno. [6]
Mas o pecado não foi o ponto final da vida de Maria Madalena. Como uma ovelha desgarrada, ela foi encontrada pelo Senhor; e deixou-se encontrar. A sua caminhada levou-a aos pés da Cruz e do sepulcro.
Maria havia ficado perto do túmulo, do lado de fora, chorando. (Jo 20, 11)
Vimos até aqui que o pecado não é a palavra final para o cristão. Mas qual é a alegria a que devemos aspirar? É o que veremos a seguir.
Uma Grande Alegria
O Senhor abraçou a Sua Paixão livremente. Depois de morto na Cruz, foi deposto no túmulo. Lá esteve seu corpo até que ressuscitasse no Domingo de Páscoa. Uma vez ressuscitado, começou a aparecer em público.
O Senhor agora começou a primeira das 11 aparições registradas entre a Ressurreição e a Ascensão: às vezes para Seus apóstolos, outras vezes para quinhentos irmãos, em algumas vezes para mulheres. A primeira aparição foi para Maria Madalena. [7]
Mas Maria Madalena não o reconheceu de imediato. Jesus apareceu ressuscitado a seu lado e, mesmo assim, ela pensava que se tratava do jardineiro (Jo 20, 14). O Senhor insistiu, fazendo-se reconhecer por ela. Ele a chamou pelo nome!

Jesus falou: “Maria!” Ela voltou-se e exclamou, em hebraico: “Rabuni!”, que quer dizer: ó Mestre. (Jo 20, 16)
Por que será que Maria Madalena teve tanta dificuldade em reconhecer Jesus? Temos aqui mais uma verdade espiritual que se aplica às nossas almas. Como Maria Madalena, nós temos dificuldade de aceitar que a Cruz é necessária em nossos caminhos.
Maria Madalena gostaria de voltar a ter o seu Mestre como antes, considerando a cruz uma dramática recordação para esquecer. Mas agora já não há lugar para um relacionamento com o Ressuscitado que seja meramente humano. Para se encontrar com ele não é preciso voltar atrás, mas pôr-se de maneira nova em relação com ele: é necessário prosseguir! [8]
Mas lembre-se de que nós nunca carregamos a Cruz sozinhos. É bonito reconhecer como o Senhor faz questão de estabelecer com cada um de nós um relacionamento pessoal, centrado em Sua Misericórdia. Ele conhece os nossos corações, por isso chama aos Seus filhos pelo nome!
[Maria Madalena] reencontra-o e reconhece-o quando Ele a chama pelo nome. Também nós, se procurarmos o Senhor com espírito simples e sincero, o encontraremos, aliás, será Ele mesmo que virá ao nosso encontro; far-se-á reconhecer, chamar-nos-á pelo nome, isto é, far-nos-á entrar na intimidade do seu amor. [9]
Mudança de Vida
Houve muitos santos que viveram na virtude desde a mais tenra infância, como São Padre Pio ou São Bento. Outros santos, porém, viveram uma vida dissoluta antes de converterem-se. Foi o caso de Santo Agostinho, mas também de Santa Maria Madalena.
Ela experimentou em si mesma uma verdade da nossa fé: não podemos servir ao Senhor sem permitir que Ele cure os nossos corações. Para anunciar aos irmãos o amor misericordioso de Cristo, precisamos primeiro experimentá-lo em nossa história.
A história de Maria Madalena recorda a todos uma verdade fundamental: discípulo de Cristo é aquele que, na experiência da debilidade humana, teve a humildade de lhe pedir ajuda, foi por Ele curado e se pôs no seu seguimento de perto, tornando-se testemunha do poder do seu amor misericordioso, mais forte do que o pecado e a morte. [10]
E como se manifesta a cura que Jesus vem nos trazer? Para entendermos bem, convém termos clareza do mal que o diabo faz às nossas almas. Ele cria discórdias e divisões entre nós. Se lhe damos acesso, ele age logo para desfigurar a nossa vida interior.
Em que consiste esta cura profunda que Deus realiza através de Jesus? Consiste numa paz verdadeira, completa, fruto da reconciliação da pessoa em si mesma e em todas as suas relações: com Deus, com os outros, com o mundo. Com efeito, o maligno procura corromper sempre a obra de Deus, semeando divisão no coração humano. [11]
Maria Madalena encontrou o Senhor face a face, e seu coração foi curado. Você também pode encontrá-lo hoje, no Seu Corpo Místico. Leve seus pecados ao confessionário e experimente a graça da reconciliação.
A vontade de Cristo é que toda a Igreja seja, na oração, em sua vida e em sua ação, o sinal e o instrumento do perdão e da reconciliação que “ele nos conquistou com seu sangue”. Mas confiou o exercício do poder de absolvição ao ministério apostólico, encarregado do “ministério da reconciliação” (2Cor 5, 18) [12]
Uma Vida Mística Acessível a Todos Nós
Nem todos são chamados a ter visões e êxtases místicos. Esse é um caminho que o Senhor reserva a poucos. No entanto, há uma vida mística que todos nós podemos percorrer. É o que encontramos em Santa Maria Madalena.
Ela soube romper com o passado e viver no hoje, centrando a sua vida na presença de Cristo. E nós? Vivemos presos ao passado, ou sabemos olhar para Cristo? Levamos os nossos pecados ao encontro pessoal com o Senhor no confessionário? E como nós lidamos com as pessoas que tiveram um passado mais difícil que o nosso? Somos acolhedores? Essas são algumas reflexões importantes.
Santa Maria Madalena, rogai por nós!
Referências
[1] Papa Francisco. Audiência Geral de 28 de setembro de 2022.
[2] Papa Francisco. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 114.
[3] Scott Hahn. Senhor, Tende Piedade. Lorena, SP: Cléofas, 2018. p. 60.
[4] São Gregório Magno. In Evang., hom. 33. Apud: Catena Áurea: exposição contínua sobre os evangelhos. Volume 3. Campinas, SP: Ecclesiae, 2020. p. 252.
[5] Garrigou-Lagrange. O Homem e a Eternidade: a Vida Eterna e a Profundidade da Alma. Campinas, SP: Ecclesiae, 2018. p. 35.
[6] Papa Bento XVI. Angelus de 22 de Julho de 2012.
[7] Fulton Sheen. Vida de Cristo, volume 2. Rio de Janeiro: Petra, 2018. p. 210.
[8] Papa Bento XVI. Angelus de 11 de Abril 2007.
[9] Ibid.
[10] Papa Bento XVI. Angelus de 23 de julho de 2005.
[11] Papa Bento XVI. Angelus de 22 de julho de 2012.
[12] Catecismo da Igreja Católica, 1442.