Liturgia
Espiritualidade

As duas vindas de Cristo: como Salvador e Juiz

Jesus é a plenitude do amor de Deus manifestado a nós: o Salvador misericordioso e nosso justo Juiz!

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O tempo do Advento, celebrado nestas semanas que antecedem o Natal, é um período de introspecção, reflexão e preparação espiritual. Além de meditarmos no mistério do Menino Deus, na pobreza do nascimento de Jesus e na pureza da noite santa, o tempo do Advento é um convite para refletirmos sobre as duas vindas de Cristo: a primeira, em que Ele veio como Salvador, e a segunda, na qual virá como Juiz.

Essa dupla dimensão do mistério do nosso Redentor nos chama a olhar para trás, contemplando a Encarnação; para o presente, avaliando nosso estado espiritual; e para o futuro, preparando-nos para o juízo final e para a plenitude do Reino de Deus.

Ao celebrar em cada ano a Liturgia do Advento, a Igreja atualiza esta expectativa do Messias. Comungando na longa preparação da primeira vinda do Salvador, os fiéis renovam o ardente desejo da sua segunda vinda. Pela celebração do nascimento e martírio do Precursor, a Igreja une-se ao seu desejo: “Ele deve crescer e eu diminuir” (Jo 3, 30). [1]

A Primeira Vinda: o Salvador

São Paulo escreveu: “quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei” (Gl 4, 4). A primeira vinda de Cristo é o cume da história humana, pois Deus, em Seu infinito amor, tomou a iniciativa de resgatar a humanidade do pecado e da morte, enviando Seu Filho para nos salvar.

O Anjo anunciou aos pastores: “Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2, 11). E também, mais tarde, o próprio Jesus falou: “Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo não para condenar o mundo, mas para que este fosse salvo por Ele” (Jo 3, 17). A primeira vinda do Senhor, da Manjedoura à Cruz, foi marcada pela misericórdia e pela compaixão. Jesus veio para reconciliar a humanidade com o Pai, oferecendo-Se como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (cf. Jo 1, 29).

Essa primeira vinda nos mostra também a humildade de Deus. Ele nasceu na pobreza de Belém, viveu uma vida simples e morreu de forma humilhante para nossa salvação. É essa vinda, em especial, que celebramos no Natal; contudo, como apontamos no início deste artigo, o tempo do Advento nos encoraja a ir além dessa celebração histórica e a contemplar a segunda vinda de Cristo.

A Segunda Vinda: o Juiz Glorioso

Enquanto a primeira vinda foi marcada pela misericórdia, a segunda vinda será caracterizada pela justiça. Jesus prometeu retornar, desta vez em glória, para julgar os vivos e os mortos. Este evento, chamado de Parusia, será a consumação da história e o início da plenitude do Reino de Deus.

É perante Cristo, que é a Verdade, que será definitivamente posta descoberto a verdade da relação de cada homem com Deus. O Juízo final revelará, até às suas últimas consequências, o que cada um tiver feito ou deixado de fazer de bem durante a sua vida terrena.
O Juízo final terá lugar quando acontecer a vinda gloriosa de Cristo. Só o Pai sabe o dia e a hora, só Ele decide sobre a sua vinda. Pelo seu Filho Jesus Cristo. Ele pronunciará então a sua palavra definitiva sobre toda a história. Nós ficaremos a saber o sentido último de toda a obra da criação e de toda a economia da salvação, e compreenderemos os caminhos admiráveis pelos quais a sua providência tudo terá conduzido para o seu fim último. O Juízo final revelará como a justiça de Deus triunfa de todas as injustiças cometidas pelas suas criaturas e como o seu amor é mais forte do que a morte. [2]

O Catecismo nos ensina que a segunda vinda de Cristo é motivo de esperança. Ela nos recorda que a história caminha para o seu cumprimento em Deus e que, até lá, somos chamados a viver em vigilância, confiando em Suas promessas e buscando a santidade.

Veremos a seguir algumas profecias do Antigo Testamento e testemunhos no Novo Testamento sobre o juízo:

Antigo Testamento

“O Dia do Senhor é grande e muito terrível; quem o poderá suportar?” (Jl 2, 11).
“Ele julgará o mundo com justiça e os povos com equidade” (Sl 97/98, 9).
“Então verão o Filho do Homem vindo nas nuvens do céu com poder e grande glória” (Dn 7, 13)

Esta passagem, inclusive, foi referenciada pelo próprio Jesus no julgamento diante do Sinédrio: “Jesus respondeu: ‘Tu o disseste. Além disso, eu vos declaro que vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu’” (Mt 26, 64)

Novo Testamento

“Quando o Filho do Homem vier em Sua glória, com todos os anjos, sentar-se-á em Seu trono glorioso. Todas as nações serão reunidas diante Dele, e Ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos” (Mt 25, 31-32).

Nesta passagem, Nosso Senhor descreve o julgamento final, em que os justos serão recompensados e os ímpios condenados.

“Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até mesmo aqueles que o transpassaram; e todas as tribos da terra se lamentarão por causa dele” (Ap 1, 7).
Aqui, São João, autor do Apocalipse, enfatiza a universalidade da segunda vinda e o impacto que ela terá sobre todos os povos.
“Mas o dia do Senhor virá como um ladrão” (2 Pe 3, 10).

São Pedro alerta que a segunda vinda será inesperada, e isso exige de nós vigilância constante.

O Advento: olhar para trás, para o futuro e para o agora!

O Advento nos chama a viver entre essas duas vindas de Cristo, equilibrando memória, esperança e exame de consciência. Nele, recordamos a primeira vinda de Cristo e, contemplando o mistério da Encarnação, devemos renovar nossa gratidão por Sua obra salvífica, que nos abriu as portas do Céu.

Com esperança, também olhamos para o futuro, aguardando a segunda vinda de Cristo. Essa expectativa nos chama à vigilância, motivando-nos a confiar na promessa de Deus de novos Céus e uma nova terra, onde a justiça e a paz reinarão para sempre:

“Pois eis que eu criarei novos céus e uma nova terra; as coisas passadas não serão lembradas, jamais voltarão ao pensamento” (Is 65, 17).
“Assim como os novos céus e a nova terra que vou fazer durarão para sempre diante de mim – oráculo do Senhor – assim durará a vossa descendência e o vosso nome” (Is 66, 22)
“Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e uma nova terra, onde habita a justiça” (2 Pe 3, 13)
“Vi então um novo céu e uma nova terra. Pois o primeiro céu e a primeira terra desapareceram, e o mar já não existia” (Ap 21, 1)

Entretanto, é essencial compreendermos que o chamado mais urgente para o cristão é o momento presente. O Advento é um tempo de aprofundamento espiritual e de verdadeira conversão. Como não sabemos quando nos encontraremos com o Senhor pela morte, a necessidade de conversão é urgente!

A mensagem do Juízo final é um apelo à conversão, enquanto Deus dá ainda aos homens “o tempo favorável, o tempo da salvação” (2 Cor 6, 2). Ela inspira o santo temor de Deus, empenha na justiça do Reino de Deus e anuncia a “feliz esperança” (Tt 2, 13) do regresso do Senhor, que virá “para ser glorificado nos seus santos, e admirado em todos os que tiverem acreditado” (2 Ts 1, 10). [3]

Somos convidados, agora, a examinar nossas vidas com sinceridade, a nos arrependermos dos pecados e a nos abrirmos à graça transformadora de Deus. Por isso, faz-se importante uma boa confissão para bem celebrarmos o dia santo do Natal.

Somente com um coração renovado e uma alma purificada do pecado poderemos acolher o Senhor que vem, viver plenamente o mistério de Sua presença em nossas vidas, e receber a santificação que nos conduz à eternidade.

Sou uma hóstia em Vossas mãos, ó Juiz e Salvador, que na última hora da minha vida o poder da Vossa graça me conduza ao fim, que a Vossa compaixão seja conhecida por este instrumento da Vossa misericórdia. [4]

Alegremo-nos e esperemos!

Aquele menino na manjedoura, no colo de Maria, nos braços de São José, é o Cordeiro imolado, que tira o pecado do mundo, e o Juiz glorioso, que um dia virá para julgar os vivos e os mortos. Ele é a plenitude do amor de Deus manifestado a nós: o Salvador misericordioso e nosso justo Juiz!

Que este tempo do Advento seja vivido com verdadeiro senso de gratidão, recordando que Deus sempre Se aproxima de nós com misericórdia, porém, chamando-nos à conversão e à santidade.

Vivamos, então, este período com vigilância, confiança e esperança. Cada dia do Advento deve ser um passo na preparação de nossos corações, para que possamos acolher o Salvador com alegria, como Ele Se revelou no passado, e como virá no futuro.

Não deixemos de desejar ardentemente Sua segunda vinda. Que nossos corações estejam prontos, purificados pela conversão, para encontrar o Senhor que vem, trazendo a soberania do amor do Pai ao mundo.

Referências

[1] Catecismo da Igreja Católica. nº 524.

[2] Ibid. nº 1039 e 1040.

[3] Ibid. nº 1041.

[4] Santa Faustina Kowalska. Diário – A misericórdia Divina na minha Alma. nº 1629.