Hoje em dia muitas pessoas falam do Céu, dentro e fora da Igreja. Existem até expressões populares que o mencionam. É uma pena, porém, que são poucos os fiéis que entendem que entrar no Céu deve ser a meta central de nossa vida.
Com efeito, que adianta alguém ganhar o mundo inteiro, mas arruinar a sua vida? Que poderia dar em troca de sua vida? (Mt 16, 26)
Este artigo é mais que um texto. Ele é uma ocasião para você meditar sobre a sua vida à luz do Céu, ao qual todos nós somos chamados. Primeiro, vamos investigar o nosso coração para encontrarmos se há nele desejo de Céu. Em seguida, conheceremos um pouco do que a Escritura nos ensina. Por fim, apresentaremos algumas perguntas para a sua meditação pessoal.
Uma Necessidade Vital
Não há quem atravesse a vida sem desejar muitas coisas. É comum, por exemplo, que um jovem sonhe em passar no vestibular, ou que um adulto pretenda obter um certo emprego. São muitos os desejos humanos lícitos.
Em si mesmos, esses desejos são bons. Não há nada de errado neles. Estudar e trabalhar faz parte da vida. Afinal, todos nós somos chamados a colaborar com a Graça de Deus, participando assim da construção do mundo.
O trabalho humano é uma participação na obra de Deus. [1]
Mas por que será que os nossos desejos nunca bastam? Mesmo que sejam legítimos e até necessários, eles são sempre menores que o nosso coração. Por isso, não devemos depositar a nossa esperança no que desejamos conquistar.
A vida de alguém não consiste na abundância de suas posses. (Lc 12, 15)
Engana-se quem busca a felicidade plena neste mundo. Por mais que lutemos para realizar um projeto qualquer, a alegria de alcançá-lo não dura muito. Pouco tempo depois, o nosso coração já se inclina pela obtenção de algo a mais. Estamos tão acostumados com essa dinâmica que não nos perguntamos por que somos assim.
É impossível que o homem encontre a verdadeira felicidade em um bem limitado (prazeres, riquezas, honra, glória, poder, conhecimento das ciências, etc.) [2]

Algumas pessoas percebem essa realidade e pensam que a felicidade é irrealizável, mas elas estão erradas. O Senhor Jesus nos revelou que a felicidade que desejamos existe, sim! O nosso coração não é absurdo, sem sentido.
Verdadeiramente a profundidade de nossa vontade é tal que só Deus visto face a face pode satisfazê-la e irresistivelmente atraí-la. [3]
Agora podemos entender por que o desejo de nosso coração é irrefreável. É que, lá no fundo, desejamos a comunhão com Deus. Nós fomos criados para Ele e somente n’Ele podemos repousar. Em outras palavras: por trás dos pequenos desejos da vida, nós desejamos o Céu!
O Céu é o fim último e a realização das aspirações mais profundas do homem, o estado de felicidade suprema e definitiva. [4]
Nada nem ninguém pode ocupar o lugar que é devido a Deus em nossa alma. Ele é a nossa necessidade vital. Será que percebemos essa realidade no dia a dia?
Do Xeol ao Céu
Daremos agora um passo atrás para estudarmos como o Céu foi sendo revelado na Bíblia. É importante, desde já, entendermos que a Revelação Divina é o próprio Cristo. Todo o Antigo Testamento, por exemplo, era uma preparação para vinda do Senhor.
É por isso que não convinha que o Antigo Testamento trouxesse a revelação do Céu em plenitude, de modo evidente. Era preciso que, primeiro, Cristo viesse. Somente n’Ele é que a Revelação Divina se completaria.
O Antigo Testamento deixa indefinida, em última análise, a questão do futuro do ser humano. O futuro do homem só se revela definitivamente em Cristo, o ser humano que “é um com o Pai”, e o homem pelo qual o ser humano entrou na eternidade de Deus. [5]
Não se entenda, com isso, que o Antigo Testamento esteja ultrapassado há dois mil anos. Muito pelo contrário! A Igreja ensina que há uma unidade entre o Antigo e o Novo Testamento. No Antigo encontra-se escondido o Novo; e o Novo, manifesta o Antigo.
Foi por isso que Deus, inspirador e autor dos livros dos dois Testamentos, dispôs tão sabiamente as coisas, que o Novo Testamento está latente no Antigo, e o Antigo está patente no Novo. [6]
Como o eixo central do Antigo Testamento é a preparação de Israel para a vinda do Cristo, não faria sentido que seus livros colocassem outras realidades em primeiro plano. Elas até são tratadas neles, mas de modo limitado. É o caso, por exemplo, da recompensa dos justos após a morte.
No Antigo Testamento se encontra uma revelação progressiva sobre a remuneração dos justos após a morte. Essa revelação é ainda bem obscura nos primeiros livros, porque o Antigo Testamento está ordenado, não imediatamente à vida eterna, mas à vinda do Salvador prometido, o qual após a sua morte abrirá para os justos as portas do Céu. [7]
Talvez uma ilustração ajude-nos a compreender melhor. Na época dos patriarcas, foi revelado que os justos desciam a um lugar chamado sheol ou Xeol, onde haveria recompensa por suas escolhas virtuosas em vida.
Antes dos profetas, diz-se que as almas dos defuntos descem ao scheol, onde não têm mais méritos; a recompensa reservada aos bons se esclarece pouco a pouco, em oposição aos castigos dos ímpios. [8]
Vejamos o caso de Jacó. Quando lhe enganaram, dizendo que seu filho José havia sido devorado por um animal selvagem, Jacó foi tomado por um intenso choro. Estava inconsolável, como todo pai que perde o filho, e dizia:
“Em prantos descerei até meu filho no Xeol” (Gn 37, 35)
Mas por que o Antigo Testamento fala do Xeol, e não do Céu? É que o Salvador ainda não havia aberto as portas do Céu, com Sua Morte e Ressurreição. Sem Jesus, ninguém pode entrar no Céu!
Por sua Morte e Ressurreição, Jesus Cristo nos “abriu” o Céu. [9]
O Xeol era, então, um lugar de espera. Os justos que precederam Jesus ficaram neste lugar esperando-O, para que pudessem finalmente entrar no Céu. É o que rezamos no Credo. Ele desceu à “mansão dos mortos”, que é uma das traduções possíveis para o termo Xeol.
A Escritura denomina Morada dos Mortos, para a qual Cristo morto desceu, de os Infernos, o sheol ou o Hades, visto que os que lá se encontram estão privados da visão de Deus. Este é, com efeito, o estado de todos os mortos, maus ou justos, à espera do Redentor - o que não significa que a sorte deles seja idêntica. [10]
E o que é o Céu, então? Como se trata de um mistério, não há uma resposta fácil ou rápida. Uma coisa, porém, é certa: o Céu é a mais sublime perfeição que existe! Ele é a comunhão plena com a Santíssima Trindade.
Essa vida perfeita com a Santíssima Trindade, essa comunhão de vida e de amor com ela, com a Virgem Maria, os anjos e todos os bem-aventurados, é denominada “o Céu”. [11]
Vimos até aqui que somente em Cristo é que podemos ter acesso ao Céu. Até mesmo os justos do Antigo Testamento tiveram que esperar que o Senhor morresse e ressuscitasse. Vamos agora dar um passo a mais.
O Céu: o Sentido da Vida
Voltemos à questão inicial de nosso texto. Por que temos tantos desejos e nenhum deles basta para nos fazer felizes de vez? É que o nosso coração foi feito para o Céu! O sentido da vida é alcançá-lo.
O Céu é o fim último e a realização das aspirações mais profundas do homem, o estado de felicidade suprema e definitiva. [12]
Para entrarmos no Céu, não podemos viver fechados em nós mesmos. É preciso abrir-se para a Graça de Deus, obedecer aos Mandamentos, entrar em comunhão com a Igreja. Devemos nos decidir por Cristo!
O céu deve ser definido como a interface entre o ser homem e o ser Deus; essa união de Deus e do homem se deu de maneira definitiva em Cristo (...). O céu é, portanto, aquele futuro do ser humano e da humanidade que esta não é capaz de dar a si mesma. [13]
Quem entra no Céu enxerga a Deus como Ele é (1Cor 13, 12). Essa verdade é tão importante que, quando algumas pessoas lançaram-lhe dúvidas, o Papa Bento XII declarou que se trata de um dogma de fé católica.
A Igreja ensina como verdade de fé, definida por Bento XII (1336): “As almas de todos os santos, que não têm mais nada para purificar, estão no Céu, mesmo antes da ressurreição dos corpos e do juízo final (…)” [14]
Com Todos os Santos
Cedo ou tarde, a nossa vida neste mundo vai acabar. Teremos que prestar contas de tudo que vivemos. Não devemos nos desesperar, mas sim preparar a nossa alma. O que nós temos feito para viver a vida conforme a Graça de Deus? Será que nós andamos esquecidos de nossa vocação ao Céu? O desejo de Céu ocupa mesmo o lugar central em nossas vidas? Essas são questões que devemos levar para o silêncio de nossa oração.
Que Nossa Senhora interceda por todos nós!
Referências
[1] Papa João Paulo II. Laborem Exercens, 25.
[2] Garrigou-Lagrange. O Homem e a Eternidade: a Vida Eterna e a Profundidade da Alma. Campinas, SP: Ecclesiae, 2018. p. 250.
[3] Ibid, p. 251.
[4] Catecismo da Igreja Católica, 1024.
[5] Papa Bento XVI. Introdução ao Cristianismo. São Paulo: Edições Loyola, 2005. p. 258.
[6] Dei Verbum, 16.
[7] Garrigou-Lagrange. O Homem e a Eternidade: a Vida Eterna e a Profundidade da Alma. Campinas, SP: Ecclesiae, 2018. p. 239-240.
[8] Ibid, p. 240.
[9] Catecismo da Igreja Católica, 1026.
[10] Catecismo da Igreja Católica, 633.
[11] Catecismo da Igreja Católica, 1024.
[12] Catecismo da Igreja Católica, 1024.
[13] Papa Bento XVI. Introdução ao Cristianismo. São Paulo: Edições Loyola, 2005. p. 231.
[14] Garrigou-Lagrange. O Homem e a Eternidade: a Vida Eterna e a Profundidade da Alma. Campinas, SP: Ecclesiae, 2018. p. 239.






