Todo fiel católico conhece os contornos gerais do ano litúrgico. Sabe que existem solenidades, como o Natal e a Páscoa, em meio a dias comuns. Os sacerdotes se vestem de cores próprias a cada tempo, e as leituras acompanham-no.
É uma pena, porém, que nem sempre os fiéis católicos conheçam a espiritualidade que há por trás da organização do tempo litúrgico. Na Igreja, nada acontece por acaso nem por simples formalidade. Há um grande sentido espiritual em cada detalhe.
Este artigo visa ajudar você a viver as duas oitavas do ano litúrgico. Em vez de abordarmos o tema diretamente, vamos começar meditando sobre as noções de tempo e a eternidade. Em seguida, nós investigaremos alguns traços gerais do ano litúrgico. Com essa base, poderemos abordar as duas oitavas. Você sabe o que é uma oitava? E quais são as duas? Este artigo vai ajudar você a aprofundar seus conhecimentos para viver melhor a vida na fé.
O Tempo e a Eternidade
Nós cremos que Jesus é verdadeiramente Deus e verdadeiramente Homem. Esse dogma faz parte de nossa identidade de fé. Ao longo dos séculos, muitas heresias negaram seja a divindade, seja a humanidade de Cristo, mas a Igreja sempre manteve-se firme na profissão de fé apostólica:
A Igreja confessa, assim, que Jesus é inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Ele é verdadeiramente o Filho de Deus que se fez homem, nosso irmão, e isto sem deixar de ser Deus, nosso Senhor. [1]
Jesus é Deus e Homem. Nele, a eternidade de Deus tornou-se acessível na história humana. Mas o que significa falar de história humana? De modo simples, trata-se do tempo como nós conhecemos, contado em dias e meses.
Vamos explicar um pouco melhor. A palavra “história” nos lembra de uma matéria do colégio, mas aqui ela tem um outro sentido. A história é simplesmente o tempo de vida das pessoas. Todos nós nascemos em um certo dia, no passado, e vamos falecer em outro dia, no futuro. A nossa vida transcorre na história. Desse modo, ela é medida pelo tempo.
A vida de Jesus aconteceu na história também. Ele nasceu em um certo dia e morreu na cruz trinta e poucos anos depois. Jesus passou pelo tempo, como todos nós, por ser um homem. No entanto, além de homem, Ele é o Verbo de Deus — e, como tal, é eterno.
A palavra eterna, acolhendo a existência humana em sua Encarnação, também acolheu a temporalidade, traçou o tempo dentro do espaço da eternidade. Cristo é, Ele próprio, a ponte entre o tempo e a eternidade. [2]
Em Jesus, o tempo e a eternidade se tocam! Pode parecer um tema muito teórico ou até poético, mas é cheio de consequências práticas para a nossa vida. Significa que nós podemos, já aqui neste mundo, acessar a Deus diretamente. O Senhor veio até nós, de modo concreto, na história.
A fé cristã significa crer que Deus não é prisioneiro de sua eternidade, como se estivesse limitado apenas no âmbito espiritual, antes significa que ele pode agir aqui e agora no meio do meu mundo, e mais, que ele agiu em Jesus, o novo Adão, que nasceu da Virgem Maria pelo poder criador de Deus, cujo Espírito pairava no princípio sobre as águas e que criou o ser a partir do nada. [3]
Não pense que a eternidade seja um tempo estático, como se o Senhor e seus santos estivessem eternamente parados. Não é assim! O Paraíso age sobre a terra, pois a soberania sobre tudo que existe — inclusive sobre o tempo – pertence a Deus.
A eternidade de Deus não é simplesmente ausência de tempo, negação do tempo, mas é poder sobre o tempo, que se realiza como estar-com e estar dentro do tempo. No Verbo Encarnado, que permanece sempre como homem, esse estar-com se torna corpóreo e concreto. [4]
Agora que já vimos que, em Cristo, a eternidade e o tempo estão unidos. Ele é o mediador que nos dá o acesso ao Paraíso. A partir deste ponto, vamos analisar como o tempo é vivido na Igreja.
O Tempo Litúrgico
Em sua sabedoria, a Igreja nos ensina a santificar o tempo. Trata-se de um chamado ao comprometimento com a fé na vida quotidiana. Cada um tem seu ritmo de vida. Alguns são mais atarefados; e outros, menos. No entanto, todos nós devemos fazer a vontade de Deus ao longo de nossas vidas.
Esse ensinamento nos diz que não podemos viver a fé de qualquer modo, como se ela estivesse reservada apenas para os dias de preceito ou para as horas da missa. Fé e vida não se separam. Ao longo do ano litúrgico, os mistérios de Cristo devem penetrar e renovar a nossa vida.
[A Igreja] distribui todo o mistério de Cristo pelo correr do ano, da Encarnação e Nascimento à Ascensão, ao Pentecostes, à expectativa da feliz esperança e da vinda do Senhor. Com esta recordação dos mistérios da Redenção, a Igreja oferece aos fiéis as riquezas das obras e merecimentos do seu Senhor, a ponto de os tornar como que presentes a todo o tempo, para que os fiéis, em contato com eles, se encham de graça. [5]
É importante observar que o ano litúrgico se ordena a partir do tríduo pascal. Esses três dias de grande solenidade atualizam em nós os mistérios centrais da vida de Jesus. A partir deles, todas outras datas são organizadas.
A partir do tríduo pascal, como fonte de sua luz, o tempo novo da Ressurreição enche todo o ano litúrgico com sua claridade. [6]
“Tempo novo” da Ressurreição! Essa expressão do Catecismo da Igreja Católica não deve passar despercebida aos nossos olhos. Ela traz uma clara percepção de que vivemos um tempo velho, que deve ser sucedido pelo tempo novo de Cristo. A ressurreição é o evento central da história humana.
O mistério da ressurreição, no qual Cristo esmagou a morte, penetra nosso tempo velho com sua poderosa energia até que tudo lhe seja submetido. [7]
A cada domingo celebramos o dia santo da ressurreição de Cristo, mas este tempo de graça se espalha por todo o ano litúrgico em casa um de seus períodos: o tempo do advento, o tempo do natal, o tempo quaresma, o tempo pascal e o tempo comum. Em cada tempo litúrgico a Igreja nos chama a celebrar o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus com destaque a algum mistério específico da vida de Nosso Senhor.
Tenhamos cuidado para não vivermos ancorados no passado. Em Cristo, tudo se renova! Essa é uma lição a mais que a liturgia nos ensina. Vejamos agora o que são as oitavas e como elas podem alimentar a vida de oração e caridade.
As Oitavas
Com este embasamento, nós podemos agora abordar o tema do artigo mais de perto. Existem duas oitavas no ano litúrgico: a oitava de Natal e a oitava da Páscoa. Você já ouviu falar delas? Cada oitava é um período de oito dias no qual a Igreja continua a celebrar o mesmo mistério.
Talvez um exemplo nos ajude a entender melhor. No dia 25 de dezembro, nós celebramos o Natal do Senhor. Para a sociedade civil, é um feriado. As famílias geralmente se reúnem, inclusive aquelas que não seguem tradições cristãs. No dia seguinte, porém, não é mais Natal para o calendário civil. Na Igreja, é diferente. A solenidade do Natal se estende por oito dias, nos quais o seu mistério continua a ser celebrado.
Mas qual é a importância de cada oitava para a nossa vida de fé? Trata-se de um período propício ao aprofundamento na fé. Lembre-se que, para nós, o Natal e a Páscoa não são meramente feriados, mas sim mistérios da vida de Cristo. Por isso, ao longo de oito dias, nós nos abrimos para que a experiência de fé se enraíze mais em nosso coração.
A Páscoa é a festa mais importante de todo o ano litúrgico, em seguida vem o Natal. Estas duas grandes solenidades nos fazem penetrar nos mistérios mais importantes da vida de Nosso Senhor. No Natal celebramos a vinda do Senhor na carne, tornando-se homem pela nossa salvação. Na Páscoa, celebramos o Mistério Pascal de Cristo, sua Paixão, Morte e Ressurreição, é o cume de toda a Sua obra redentora. Por serem solenidades extremamente importantes na vida litúrgica da Igreja, ela as estende por mais oito dias, a fim de que os fiéis penetrem mais profundamente nestes mistérios e a alegria destes dois dias santos possam alcançar uma plenitude cada vez maior em nosso coração.
A partir das oitavas, podemos até mesmo reavaliar o modo como vivemos os domingos ao longo do ano. Você tem consciência da importância do domingo? Assim como cada oitava, o domingo é um dia especial para nós comemorarmos a vitória de Cristo sobre a morte. Ainda estamos no tempo, mas já celebramos o que há de vir.
Os Padres chegaram à conclusão de que a história do mundo, em seu conjunto, deve ser vista como uma grande semana comparável às fases do ser humano. O oitavo dia significa, assim, o novo tempo, iniciado com a ressurreição. Ele transcorre já agora, juntamente com a história. Na liturgia, tentamos agarrá-lo, porém, ao mesmo tempo, ele permanece sempre diante de nós. [8]
Vimos até aqui que as oitavas são um período rico para a nossa fé. Mas como devemos vivê-las? É o que nós veremos agora.
Como viver uma Oitava
Não é apropriado fazer penitências nas oitavas, embora a abstinência de carne sempre deve ser mantida na oitava de Natal durante a sexta-feira. Já na oitava de Páscoa a abstinência de carne na sexta-feira é dispensada. As oitavas são um tempo de grande alegria espiritual. Convém aproveitá-las para aprofundar na vida de oração e caridade. Vamos deixar abaixo algumas sugestões para que você viva durante esta oitava de Natal:
- Vida de Oração: uma boa experiência seria rezar os mistérios gozosos do terço todos os dias em família. Você pode também ler o primeiro capítulo do Evangelho de São Lucas ou até rezar a Ladainha de Nossa Senhora. O importante é abrir-se para a experiência prolongada da alegria do Natal, como o seu coração pedir.
- Caridade: a nossa fé sempre nos leva a atos concretos. Ela não é abstrata, vazia. Você pode aproveitar a oitava para praticar mais obras de misericórdia, como, por exemplo, dar de comer aos pobres. Será que existe alguém passando necessidade perto de você? Esse é um bom momento para estender-lhe a mão.
Que Nossa Senhora te abençoe!
Referências
[1] Catecismo da Igreja Católica, 469.
[2] Joseph Ratzinger. O Espírito da Liturgia. São Paulo, SP: Edições Loyola, 2015. p. 81.
[3] Joseph Ratzinger. Introdução ao Cristianismo. São Paulo, SP: Edições Loyola, 2005. p.207.
[4] Joseph Ratzinger. O Espírito da Liturgia. São Paulo, SP: Edições Loyola, 2015. p. 81.
[5] Sacrosanctum Concilium, 102.
[6] Catecismo da Igreja Católica, 1168.
[7] Catecismo da Igreja Católica. Parágrafo 1169.
[8] Joseph Ratzinger. O Espírito da Liturgia. São Paulo, SP: Edições Loyola, 2015. p. 85.






