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Como vencer o vício da murmuração?

O que está realmente por trás da maioria das reclamações e murmurações inadequadas? É preciso lançar um olhar espiritual nesta realidade e nos propormos um exame particular.

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Adaptado do artigo Do Not Grumble: No Murmuring And No Complaining de Dom Cingoranelli

"Não murmureis" diz São Bento aos seus monges [1]. A primeira vez que ele menciona isso é no quarto capítulo de sua regra para mosteiros. Ele continua a tratar da murmuração, queixa ou reclamação em outros oito capítulos da regra. Por que ele menciona esse assunto tantas vezes? Será que os monges são, por natureza, reclamões, rabugentos e irritadiços? Ou São Bento sabia algo sobre a natureza humana? Quer vivamos em um mosteiro ou em uma metrópole, todos podemos aprender por que não devemos murmurar com o “Pai do Monaquismo Ocidental”.

Não Murmure: Está na Escritura

Na verdade, São Bento não foi o primeiro a nos dizer: "Não murmureis," ou que não devemos reclamar ou murmurar. Podemos encontrar inúmeras passagens nas Escrituras nos dizendo algo semelhante. Considere as seguintes, por exemplo:

Fazei todas as coisas sem murmurações nem críticas” (Fl 2,14)
Não vos queixeis uns dos outros, para que não sejais julgados. Eis que o juiz está à porta..” (Tg 5,9)
Exercei a hospitalidade uns para com os outros, sem murmuração” (1 Pd 4,9)

São Bento está em boa companhia - São Paulo, São Tiago e São Pedro também nos dizem, de várias maneiras, "não murmureis."

Tipos de Reclamões

Pra começo de conversa, por que alguém murmura ou reclama? O Dr. Robert Biswas-Diener é um especialista em psicologia positiva. Ele nos diz que existem tipicamente três tipos de reclamões [2]. Um tipo é o reclamão crônico. Eles parecem focar em tudo que está errado - nunca estão realmente satisfeitos. O segundo tipo é o desabafador que quer aliviar aquele estresse. Eles são egocêntricos, gostam de atenção e validação, mas não necessariamente querem resolver o problema. O último grupo que ele menciona são aqueles que querem resolver um problema. Um exemplo deste último que eu forneceria é supor que um bife que você pediu veio na temperatura errada. Falar com o garçom sobre isso - reclamar para resolver um problema - pode ser uma coisa boa, especialmente se feito com tato.

Orgulho, Reclamação e o Pecado

O que está realmente por trás da maioria das reclamações e murmurações inadequadas? Quando as coisas não vão do nosso jeito, podemos fazer uma de duas coisas, ao que parece. Podemos aceitá-las como a vontade ativa ou permissiva de Deus. Ou podemos ficar chateados, murmurando e reclamando sobre a injustiça autopercebida que sofremos. Os autores espirituais nos dizem que murmurar é um sinal de orgulho. Às vezes, esse orgulho se mostra em nossa impaciência ou indignação. Em qualquer caso, não fazemos nenhum favor espiritual a nós mesmos quando reclamamos, como São Bento nos diz:

…mesmo que ele cumpra a ordem, sua ação não será aceita com favor por Deus, que vê que ele está murmurando em seu coração. Ele não terá recompensa por um serviço desse tipo.” [3] (RB 5:18-19)

São Francisco de Sales, Doutor da Igreja, afirma: “em geral, quem se queixa, peca, porque o amor próprio sempre nos pinta as afrontas maiores do que são” [4]. Não só perdemos qualquer possível mérito pelo trabalho que fazemos enquanto reclamamos - provavelmente estamos pecando também. Santo Agostinho vai ainda mais longe: “Oh, que praga miserável e mortal! Oh, quão venenosa!”. Considerando o que esses santos estão nos dizendo, é de se admirar que São Bento estivesse tão preocupado com a murmuração no mosteiro? É um perigo claro e presente para a alma do indivíduo. Ao mesmo tempo, apresenta um perigo para o bem-estar espiritual da comunidade. Isso é verdade, seja em uma comunidade religiosa ou em uma família, uma paróquia ou algum outro grupo quando reclamamos.

Não Murmure: Um Exame Particular

Hora de um exame particular: quando penso no último dia, violei o preceito “não murmureis”? E quanto a reclamar com os outros sobre o que achei  da homilia da Missa de hoje? E murmurar sobre o atraso no trânsito enquanto vou para um compromisso? Talvez eu tenha murmurado sobre a roupa de alguém da qual desaprovo. Talvez eu esteja lavando a louça e murmurando, na minha mente, porque alguém não limpou a própria sujeira. Digamos que sou abençoado por desempenhar algumas funções de sacristão na minha paróquia. As pessoas derramam cera derretida sobre os castiçais das velas que eu então preciso limpar. Posso limpá-los sem murmurar? Cada um de nós provavelmente pode adicionar mais exemplos.

Quebre as Correntes que te Prendem

Orgulho, impaciência, ingratidão - e qualquer outro número de pecados pode nos arrastar para baixo e levar a pecar através de reclamações e murmurações. Quando aprendemos a discernir o que está acontecendo em nossos corações, podemos começar a fazer as mudanças que nos colocarão no caminho certo. Podemos começar a quebrar as correntes que nos prendem a hábitos pecaminosos e substituir esses maus hábitos por hábitos positivos e virtuosos.

Mude sua Forma de Pensar

Se você se encontra com um ou dois maus hábitos - murmurando ou de outra forma - há algumas coisas que você pode fazer. Uma prática que ajuda é mudar seu pensamento. Simplesmente mude o que você está pensando quando se pegar indo para o buraco de lama da negatividade. Isso ajudará a mudar suas emoções, e também ajudará a mudar seus comportamentos. Pare os pensamentos que estão te arrastando para baixo e redirecione-se. Siga o conselho de São Paulo:

Nós aniquilamos todo raciocínio e todo orgulho que se levanta contra o conhecimento de Deus, e cativamos todo pensamento e o reduzimos à obediência a Cristo.” (2 Cor 10,5)

Dê graças ao Senhor pelas muitas bênçãos que Ele derramou sobre você, está te dando no presente, e te dará no futuro. Pense em tudo pelo que você realmente pode ser grato, e mude de pensamentos de irritação para pensamentos de apreciação. São Paulo nos dá uma dica aqui, também:

Além disso, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, tudo o que é virtuoso e louvável, eis o que deve ocupar vossos pensamentos.” (Fl 4,8)

Ofereça as tribulações que você pode estar experimentando a Jesus Cristo crucificado colocando também uma intenção pela qual você está rezando. Una seu sofrimento a Jesus e ofereça-o, aproveite o sofrimento redentor. Não o deixe desperdiçar.

Peça a Graça de Deus

Precisamos nos apoiar em Deus por Seu amor misericordioso e auxílio. Algumas mudanças que precisamos fazer só podem ser feitas com, em e através Dele. Reze pedindo sua ajuda. Se o orgulho e a impaciência estão te segurando, criando pensamentos negativos, reclamações ou murmurações, reze pela graça de crescer nas virtudes da paciência e humildade, bem como da mansidão. Reze pela graça de crescer em fortaleza - a virtude e o dom - para apoiar seus esforços de mudança. Se você precisa ser mais grato, reze pela graça de crescer na virtude da gratidão e no dom da piedade para apoiá-lo.

Voltando à Carta aos Filipenses,

Não vos inquieteis com nada! Em todas as circunstâncias apresentai a Deus as vossas preocupações, mediante a oração, as súplicas e a ação de graças. E a paz de Deus, que excede toda a inteligência, haverá de guardar vossos corações e vossos pensamentos, em Cristo Jesus” (Fl 4,6-7)

Esta vida é curta. Não vamos passá-la murmurando e reclamando. Em vez disso, vamos arrancar o hábito da murmuração pela raiz. Vamos agradecer a Deus pelo dom da vida neste dia, e por tudo o que Ele escolhe nos dar em nossas vidas.

Quando [as raízes de nossos vícios] tiverem sido arrancadas da...profundidade de nossos pensamentos, nossa mente poderá então permanecer em completa paciência e santidade.” [5]

Referências

[1] S. Bento. Regra. 4,39

[2] Robert Biswas-Diener. The Three Types of Complaining | Psychology Today

[3] S. Bento. Regra. 5,18-19

[4] S. Francisco de Sales. Filoteia. Ed. Biblioteca Católica (2019) 3,3 p. 158.

[5] S. João Cassiano. Instituições Cenobíticas. livro 8 c. 21.