Há muitos anos um famoso padre exorcista visitou o Brasil. Na ocasião, perguntaram-lhe qual era o pecado mais frequente entre os brasileiros. Para a surpresa de muitos, ele não respondeu que seria a luxúria, nem o homicídio, mas sim a mentira.
É uma opinião surpreendente. Infelizmente, parece que o exorcista tinha razão. Nem sempre nós nos atentamos para a gravidade da mentira. Chegamos ao ponto de celebrá-la com um “dia da mentira”, como se mentir fosse uma brincadeira ingênua sem consequências para ninguém.
Este artigo é um convite para você meditar sobre o pecado da mentira. Nele, você vai aprender que toda mentira é uma rebelião contra o amor de Deus. Em seguida, vamos revisar os conceitos de pecado mortal e venial para compreendermos que tipo de pecado é a mentira. Por fim, vamos concluir com um conselho prático que o Papa Francisco propôs.
Pecadinho ou Pecadão?
Não existem pecadinhos ou pecadões, como dizem alguns. Todo pecado é abominável. Nós não devemos cultivar uma mentalidade que tolera este ou aquele pecado, como se nada ofendesse a Deus.
Contra ti, só contra ti eu pequei e fiz o mal diante de ti. (Sl 50, 6)
Mas o que é o pecado? Não é fácil definir uma realidade tão complexa, no entanto o Catecismo da Igreja Católica vem em nosso auxílio. Ele nos ensina que o pecado é uma falta. O pecador faz o mal porque busca a felicidade no lugar errado, contra Deus.
O pecado ergue-se contra o amor de Deus por nós e desvia dele os nossos corações. [1]
Quem vive no pecado se destrói, buscando a si mesmo. E a tendência é que um pecado provoque outros pecados, como num ciclo vicioso. A pessoa vai se viciando no comportamento destrutivo.
O pecado cria uma propensão ao pecado; gera o vício pela repetição dos mesmos atos. [2]
Como o pecado é terrível! Mas será que há diferenças entre eles? Sim, a tradição da Igreja identificou que há dois tipos de pecado quanto à gravidade. São os pecados mortais e os veniais, como veremos a seguir.
O Pecado Mortal
O pecado mortal é aquele que faz com que a alma perca o estado de graça. Ele é chamado de “mortal” justamente porque mata a verdadeira vida da alma. No fundo, a pessoa troca a amizade com Deus por uma outra coisa qualquer.
O pecado mortal destrói a caridade no coração do homem por uma infração grave da lei de Deus; desvia o homem de Deus, que é seu fim último e sua bem-aventurança, preferindo um bem inferior. [3]
Talvez um exemplo ajude a entender melhor. O sétimo mandamento da Lei de Deus nos diz para não roubar a ninguém (Ex 20, 15). Quem rouba um carro, por exemplo, age de modo injusto e falta à caridade.
Você já se perguntou por que alguém rouba um carro? Ora, o ladrão rouba porque quer o veículo para obter algum benefício, geralmente material. Agindo assim, ele faz uma troca. Este é o ponto central: para “ganhar” um carro, ele ofende e desobedece a Deus. Escolhe, então, um bem inferior (carro) em detrimento da amizade com Deus.
O pecado mortal é caracterizado por três elementos. No exemplo acima, indicamos o primeiro elemento: um mandamento de Deus foi desrespeitado. Os outros dois elementos são a decisão e o conhecimento. A pessoa sabe que está fazendo o mal e quer fazer assim mesmo.
É pecado mortal todo pecado que tem como objeto uma matéria grave e que é cometido com plena consciência e deliberadamente. [4]
Mas será que todo pecado é mortal?
O Pecado Venial
Nem todo pecado é mortal. Existem pecados cujas consequências são menos graves. São os chamados pecados veniais. Eles não rompem a amizade com Deus, mas ofendem a Deus e ferem a vida da Graça em nosso coração.
O pecado venial deixa subsistir a caridade, embora a ofenda e fira. [5]
É um pecado que não priva a alma do estado de graça. Por isso, algumas pessoas minimizam o mal que o pecado venial pode causar, dizendo que seria apenas um “pecadinho”. Tenha cuidado! Todo pecado é uma abominação a ser combatida. O próprio Deus nos pede para lutarmos contra a nossa inclinação ao pecado e dominá-lo.
Se não agires bem, o pecado espreitará à tua porta. Ele te deseja, mas tu deves dominá-lo. (Gn 4, 7)
Santo Agostinho tratou desse tema em uma de suas obras. Por mais que ele reconhecesse que há pecados mais leves, nem por isso ignorou o risco que eles trazem para as almas. Ocorrem com muita frequência, podendo nos conduzir a coisas piores.
Esses pecados que chamamos leves, não os consideres insignificantes; se os consideras insignificantes ao pesá-los, treme ao contá-los. Um grande número de objetos leves faz uma grande massa; um grande número de gotas enche um rio; um grande número de grãos faz um montão. [6]
Você sabe identificar um pecado venial? É preciso que falte um dos elementos do pecado mortal para que o pecado seja venial. Assim, por exemplo, uma ofensa a algum dos Dez Mandamentos, se for feita sem consentimento nem decisão será um pecado venial.
Comete-se pecado venial quando não se observa, em matéria leve, a medida prescrita pela lei moral, ou então quando se desobedece à lei moral em matéria grave, mas sem pleno conhecimento nem pleno consentimento. [7]
Chegamos ao centro deste artigo. É hora de tratarmos do problema da mentira.
Viver na Verdade
Será que mentir é pecado mortal ou venial? Antes de tudo, é preciso definir o que classificamos como uma mentira. Não basta falar algo falso para ser mentira; pode ser um erro, de boa fé. A mentira requer uma intenção perversa.
A mentira consiste em dizer o que é falso com a intenção de enganar. [8]
O Senhor Jesus nos advertiu da gravidade da mentira, quando debatia com alguns homens que resistiam à verdade. Ele disse palavras fortes! Elas bastam para nos ensinar que a mentira não é uma brincadeirinha de criança.
Vós tendes por pai o diabo e quereis fazer o que o vosso pai deseja. Ele era homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele fala mentira, fala o que é próprio dele, pois ele é mentiroso e pai da mentira. (Jo 8, 44)
A mentira é sempre condenável. Como regra, ela é um pecado venial. No entanto, pode tornar-se pecado mortal. A medida da sua gravidade é a verdade atacada. Quanto mais importante for a verdade que ela distorce, mais grave se tornará a mentira. É claro que as circunstâncias, as intenções e os danos devem ser levados em conta na avaliação do mal.
Embora a mentira, em si, não constitua senão um pecado venial, torna-se mortal quando fere gravemente as virtudes da justiça e da caridade. [9]
Outro problema da mentira é que ela transtorna a capacidade da pessoa de conhecer os fatos, impedindo assim que ela estabeleça um juízo saudável e que tome uma boa decisão. Como podemos avaliar uma certa situação, se as pessoas envolvidas mentem? A vida social tende a tornar-se caótica, cheia de divisões, onde quer que a mentira impere.
A mentira é uma verdadeira violência ao outro porque o fere em sua capacidade de conhecer. [10]
A mentira é uma tentação diabólica sempre presente. Tenhamos cuidado com ela! É uma ilusão achar que algo de bom será construído com mentiras. O caminho da paz é o da verdade.
Como combater a mentira?
O Papa Francisco deu à Igreja um conselho muito prático para vencermos a tentação da mentira. É preciso que estejamos atentos aos nossos pensamentos, para não dialogarmos com o diabo. Ele se infiltra no meio de nós.
Com o diabo não se dialoga, porque ele nos vence; é mais inteligente do que nós. [11]
A oração e a vigilância são armas espirituais muito úteis. Lembre-se também que não estamos sós. Podemos recorrer à intercessão de Nossa Senhora. Você pode pedir, por exemplo, em sua oração, que ela cuide de seus pensamentos e língua.
Na época das perturbações espirituais, há que se refugiar sob o manto da grande Mãe de Deus. [12]
Um caminho de Paz
Nós não devemos nos acomodar às coisas do mundo. Mentir não pode ser um hábito, muito menos uma forma de lidar com problemas. Com a mentira não se brinca! Peçamos ao Espírito Santo que, pela intercessão de Nossa Senhora, nos conceda a sabedoria e coragem necessárias para perseverarmos na verdade. Lembre-se sempre de levar casos concretos e complexos ao seu confessor.
Que Nossa Senhora interceda por nós!
Referências:
[1] Catecismo da Igreja Católica, 1850.
[2] Catecismo da Igreja Católica, 1846.
[3] Catecismo da Igreja Católica, 1855.
[4] Catecismo da Igreja Católica, 1857.
[5] Catecismo da Igreja Católica, 1855.
[6] Santo Agostinho. In Epistolam Joannis Ad Parthos Tractatus Decem. Jo. 1, 6.
[7] Catecismo da Igreja Católica, 1862.
[8] Santo Inácio de Loyola. Exercícios Espirituais, 22.
[9] Catecismo da Igreja Católica, 2484.
[10] Catecismo da Igreja Católica, 2486.
[11] Papa Francisco. Meditações na Capela da Casa Santa Marta: O grande mentiroso. Terça-feira, 8 de maio de 2018.
[12] Ibid.