Durante o mês de setembro a Igreja nos chama a dar um valor ainda mais especial às Sagradas Escrituras. Nestas páginas encontramos não simplesmente relatos de acontecimentos do passado que não se conectam conosco. A Bíblia trata da nossa história da Salvação. Desde Adão e Eva no Paraíso, passando pelo chamado de Abraão, os reis e profetas do Antigo Testamento, até a encarnação do Verbo no ventre de Maria, sua Paixão, Morte e Ressurreição, e a instituição da Santa Igreja Católica, a Sagrada Escritura fala de uma única história: como Deus agiu ao longo dos séculos para nos salvar em Jesus Cristo.
As verdades da doutrina católica são bíblicas
Partindo deste princípio, podemos considerar que a Sagrada Escritura tem uma importância capital em nossa vida de fé, aliás tudo na Igreja Católica tem fundamentos bíblicos, seja explícita ou implicitamente. Embora recebamos acusações dos protestantes de que muitos aspectos da nossa doutrina é “não bíblica”, isso não passa de uma mentira. Cada ponto da doutrina católica foi estabelecido como um desdobramento das verdades reveladas por Deus.
A doutrina da Santíssima Trindade não é uma verdade de fé explícita na Sagrada Escritura. É verdade, nós temos muitas referências às pessoas da Trindade nos Evangelhos, como, por exemplo, no Batismo de Jesus: “Naqueles dias, Jesus veio de Nazaré da Galileia e foi batizado por João, no rio Jordão. Logo ao sair da água, viu os céus se rasgarem e o Espírito, como pomba, descer sobre ele. E dos céus veio uma voz: ‘Tu és o meu Filho amado; em ti, eu me agrado’.” (Mc 1, 9-11). Todavia, a Palavra Trindade não aparece em nenhum trecho da Escritura, além disso, como sabemos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três pessoas distintas que possuem a mesma natureza divina? Porque a maior parte da nossa compreensão sobre a Santíssima Trindade vem dos extensos escritos dos Padres da Igreja Primitiva, como Santo Agostinho, Santo Atanásio e muitos outros.
Quando pensamos nos Dogmas da Santíssima Virgem Maria proclamados pela Igreja, não podemos chegar a outra conclusão lógica senão que eles decorrem diretamente das verdades reveladas na Escritura. Por exemplo: Jesus é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, portanto, Ele é Deus, pois possui a mesma natureza do Pai e do Espírito Santo. Ele mesmo disse de Si: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10, 30). Todavia, Jesus encarnou-se e recebeu uma natureza humana. A Única Pessoa do Verbo Eterno possui duas naturezas: a humana e a divina, é isso o que a Igreja chama de união hipostática. Portanto, Maria pode ser chamada Mãe de Deus, pois Jesus é verdadeiro homem e verdadeiro Deus. Não significa que ela seja mãe do Pai e do Espírito Santo, mas unicamente Mãe de Jesus Cristo, Deus e homem. Qualquer outra conclusão que tiremos desta verdade de fé nos levará inevitavelmente a alguma heresia.
Em outra página da Escritura Jesus fala da sua presença real na Santíssima Eucaristia: “Tomai, isto é o meu corpo. [...] Este é o meu sangue da nova aliança” (Mc 14, 22. 24). Note que Jesus não disse “isto representa o meu corpo”, ou “isto representa o meu sangue”, Ele disse: “isto é”, portanto, somente os católicos possuem a presença real de Jesus na Eucaristia, pois somente aos apóstolos e seus sucessores o Senhor deu o poder de agirem em sua própria pessoa (in persona Christi). Além disso, pela consciência que possuímos desta presença real, a Igreja estabeleceu todas as normas para o cuidado e a conservação da Santíssima Eucaristia.
Mas Jesus vai além, Ele diz que a vida só será concedida àqueles que estiverem em comunhão com seu Corpo e Sangue: “Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6, 53). A Eucaristia é a vida da alma, sem ela não temos força para lutar as batalhas espirituais desta vida e conquistar a Vida Eterna. Infelizmente, os protestantes rejeitaram o maior dom de Cristo, o seu Corpo e o seu Sangue, bem como os demais sacramentos, que são os meios ordinários da nossa salvação.
Todos esses exemplos nos levam a compreender que quando lemos a Bíblia com o mesmo espírito com que ela foi escrita, buscando encontrar a unidade que ela contém em Cristo, observando os critérios da reta interpretação oferecidos pela Igreja, chegamos mais facilmente à compreensão dos mistérios da fé. Desde os tempos apostólicos os católicos compreenderam que era necessário pensar a fé, ou seja, tirar as consequências teológicas dos próprios textos bíblicos, a fim de esclarecer pontos da revelação que não são explícitos.
Nos primeiros séculos da Igreja, os bispos e teólogos se debruçaram profundamente sobre os textos da Escritura e os ensinamentos recebidos da Tradição Apostólica e foram desenvolvendo as verdades de fé das quais a Igreja é depositária. Não são poucos os exemplos de santos que sabiam livros inteiros da escritura de cor, se formos aos textos dos padres da Igreja veremos a abundância de citações bíblicas que eles contêm.
Torne-se íntimo de Deus através da Escritura
Também em nosso tempo, onde a Sagrada Escritura pode ser facilmente acessada, é necessário que cada fiel encontre o tesouro da Palavra de Deus. Por isso, “A Igreja exorta com ardor e insistência todos os fiéis [...] a que aprendam ‘a sublime ciência de Jesus Cristo’ (Fl. 3, 8) na leitura frequente da Sagrada Escritura. Porque "a ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo” (CIC 133).
É necessário mergulhar profundamente na Palavra de Deus e tornar-se íntimo do Senhor que fala aos corações. Note essas palavras de São Basílio:
Cada ação e cada palavra de nosso Salvador Jesus Cristo é um cânone de piedade e virtude. Quando ouvires uma palavra ou ação Dele, não a ouças como algo passageiro, ou de uma maneira simples e carnal, mas entra nas profundezas de Sua contemplação, torna-te um comunicante em verdades misticamente entregues a ti.
Esta exortação de São Basílio nos leva a compreender que não podemos ler as Escrituras de uma maneira qualquer, mas nos aprofundarmos numa relação amorosa com Deus. Quando lemos a Escritura com o mesmo espírito com que foi escrita, adquirimos um olhar profundo e de fé que transcende a nossa razão e abrange as profundezas do nosso ser pela contemplação.
Muitas vezes lemos a Escritura e já paramos neste primeiro passo, nem sequer chegamos a meditar o texto, a rezar com ele e a atingirmos um nível mínimo de contemplação. Isso acontece porque nossa abordagem da Escritura é muitas vezes superficial. Lemos sem prestar atenção nas palavras, sem a piedade e humildade necessárias, sem o espírito de oração necessário para encontrar-se verdadeiramente com Deus. Por essa razão, na Imitação de Cristo, Tomás de Kempis nos ensina:
“Nas Sagradas Escrituras há de procurar-se a verdade, não a eloquência. Os livros santos devem ser lidos com o mesmo espírito com que foram ditados. Se queres tirar proveito, lê com humildade, singeleza e fé, sem aspirares à reputação de grande ciência.”
É necessário pedir ao Espírito Santo que nos ilumine com a sua graça, e ao nos aproximarmos da Escritura devemos fazer todos os esforços possíveis para que nossa leitura se transforme numa profunda oração, num encontro íntimo com o Senhor. Aqui encaixa-se perfeitamente o conselho de São João da Cruz: “Procurai lendo e encontrareis meditando. Chamai orando e abrir-se-vos-á contemplando.”
Para nos ajudar a colher com mais abundância os frutos da Sagrada Escritura, elencamos 5 conselhos que você pode aplicar nos seus estudos bíblicos e na Leitura Orante da Palavra de Deus:
1- Tenha um tempo e um lugar especial para meditar com as Escrituras:
É muito importante que tenhamos um momento específico do dia que nos dedicamos apenas à leitura e meditação da Escritura, comece com quinze ou trinta minutos. É importante também que tenhamos um lugar que nos permita silenciar, rezar com calma e de forma piedosa. Se em sua casa não é possível ler e rezar com essa tranquilidade, procure fazer este exercício espiritual na Igreja.
2- Leia com papel e caneta:
Quando fazemos anotações dos pontos mais importantes das leituras, mais facilmente retemos aquelas informações. Com o tempo, podemos facilmente esquecer aquilo que lemos e rezamos, mas se sempre anotamos, podemos revisitar aqueles pontos e nos recordarmos das maravilhas de Deus em nossa vida.
3- Pare e medite:
É importante ler com calma, e mais importante ainda é saber parar e começar a imaginar, a pensar naquilo que estamos lendo. Pense em como aquelas palavras da Escritura impactaram a vida daquelas pessoas naquele contexto, como essas mesmas palavras podem impactar a sua vida agora. Reflita no modo como você tem correspondido a essa Palavra. Tudo isso nos ajuda a desenvolver nossa compreensão e nossa oração a partir da Sagrada Escritura.
4- Decore versículos importantes da Escritura:
Reter na memória trechos importantes da Escritura nos ajuda a conservar aquela memória de Deus tão querida pelos santos. A Palavra de Deus deve ser conservada em nossa mente e em nosso coração com todo o zelo e amor. Se temos um repertório de passagens bíblicas guardadas em nossa memória torna-se muito mais fácil entrar em um diálogo com Deus, refletir melhor ao tomar uma decisão, e até mesmo defender a nossa fé quando outros a atacam.
5- Aprofunde seu conhecimento da Escritura:
Todos nós precisamos nos aprofundar na Palavra de Deus expressa na Escritura, mas nem sempre essa é uma tarefa fácil. A Igreja nos oferece alimento diário através da sua Liturgia e, em nossos programas diários como o Manhã de Luz e Boa Noite Meu Jesus sempre refletimos sobre a Palavra de Deus. Porém, neste mês da Bíblia estamos preparando uma grande novidade que te ajudará a entender, meditar e rezar os textos da Escritura.
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