Espiritualidade
Exorcismo

O poder da Água Benta

Os significados, os testemunhos e a eficácia da água benta.

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Dentre os inúmeros sacramentais instituídos pela Igreja, a água benta é, sem dúvidas, um dos mais populares e mais difundidos desde os tempos antigos. Presente na celebração dos diversos sacramentos e bênçãos e até nos mais singelos lares católicos espalhados pelo mundo, seu significado - que permeia toda a história da salvação - é tão rico quanto seus efeitos na ordem da graça. Mas que misto de significâncias envolve este sinal que permeou a vida de grandes santos? Que efeitos têm a simplicidade da água benta diante de tantos perigos que envolvem a nossa alma cotidianamente?

O significado das bênçãos

Se quisermos entender e rastrear a importância simbólica e efetiva deste, que é um sacramental instituído pela Igreja, importa-nos reportá-lo ao seu significado original. A sua utilização evoca, segundo o Ritual Romano de Bênçãos, dois elementos principais: “o mistério de Cristo, ápice de toda benção divina (...) e o Batismo, sacramento da água, como sinal de bênção salvadora” [1]. Nesta definição, podemos perceber que ambos os elementos remetem à bênção divina como sendo o seu principal fundamento.

Mas poderíamos nos perguntar: que são, afinal, as bênçãos divinas na minha vida e na da Igreja? A declaração Fiducia Suplicans, do Dicastério para a Doutrina da Fé, define-a de forma muito simples:

“(...) (as bênçãos) nos levam a perceber a presença de Deus em todos os acontecimentos da vida e recordam que, mesmo quando usa das coisas criadas, o ser humano é convidado a buscar a Deus, a amá-lo e a servi-lo fielmente”[2].

Desta maneira, os sacramentais - que são expressões dessas mesmas bênçãos - têm por finalidade “santificar as várias circunstâncias da vida” [3], não excluindo a nossa sensibilidade às coisas que nos cercam. Em outras palavras, eles são sinais que apontam para o céu e nos remetem a Deus mesmo nas realidades mais simples do dia-a-dia. No trabalho, no lar, no seio familiar, eles manifestam uma opção fundamental por Deus feita por nós no batismo: a de viver na sua graça, e no desígnio d’Ele de reunir todas as coisas em Cristo, seja as da terra, seja as do céu [4].

Significam que é possível que nos elevemos ao Criador através da sua criação e que a matéria, longe de ser prisão para o espírito, é um meio que pode nos conduzir às realidades divinas, apesar de muitas vezes ser condenada como intrinsecamente má por diversas correntes filosóficas de origem gnóstica e por outras religiões pseudo-cristãs.

A água como sinal de bênção na Sagrada Escritura

Se, portanto, é possível elevar-nos a Deus utilizando-nos das coisas criadas, que significado tem a água abençoada no seu grande projeto de salvação? Nos recorda o Catecismo:

“(...) quando a Igreja celebra os sacramentos, confessa a fé recebida dos Apóstolos. Daí o adágio antigo: Lex orandi, lex credendi – a lei da oração é a lei da fé [5]”.

Ora, o Batismo, como dito acima, é um dos elementos principais que dão significado à bênção da água. Permite assim, ao nos debruçarmos sobre a oração de bênção presente na sua liturgia prescrita pelo Ritual Romano, perceber elementos centrais da compreensão do sacramental em questão.

Cinco são os eventos bíblicos elencados na oração de benção da água que indicam tanto uma dimensão simbólica como também os seus efeitos na vida dos batizados. Em um primeiro nível de significado, esses eventos apontam diretamente para o sacramento do Batismo. Analogamente, contudo, podemos retirar deles também o significado e a eficácia da água benta, visto que deste sacramento ela constitui a sua matéria própria.

O primeiro deles está ligado à narrativa da criação. Nos diz a Sagrada Escritura que antes mesmo de a terra possuir forma e ser habitada, “o Espírito pairava sobre as águas” [6]. Assim, a água prefigura, pela virtude do Espírito Santo, o poder de santificar e de conferir a vida onde não há [7]. A água benta, dessa maneira, manifesta também uma disposição interior de quem a toma de receber a graça divina, de abrir-se a ela, para que ela vivifique aquilo que no coração está sem vida. É um pedido de auxílio ao céu, para que nos fortaleça no combate cotidiano contra as forças do pecado e do mal.

O segundo remete à narrativa do dilúvio. A purificação de toda a criação dos pecados que cresciam e bradavam aos céus através de uma inundação que toma toda a terra habitada narrada ainda no livro do Gênesis [8], aponta para um outro significado do sacramental. Com o fim do pecado, o homem renasce. Através do batismo, surge a esperança de uma vida nova [9]. Neste sentido, a água benta nos ajuda a recordar das promessas feitas no nosso batismo, e do nosso compromisso de que, doravante recebidos tantos dons da misericórdia de Deus, seremos fiéis a Ele em uma vida repleta de abertura aos impulsos que o seu Espírito dirige os nossos corações.

O terceiro nos recorda um evento fundante do povo de Israel: a libertação do cativeiro no Egito simbolizada pela travessia do Mar Vermelho a pé enxuto [10]. A oração remete à libertação da escravidão do pecado para a pertença a um Deus que os ama e os quer tal como Ele o é: Santo. Aqui, encontramos outro efeito poderoso da água benta: ela afugenta o mal e a influência diabólica em nossas vidas. Se outrora o cativeiro no Egito simbolizava o poder do demônio sobre o povo que ainda não fora redimido pelo sangue de Cristo, a travessia do Mar Vermelho, remete ao Batismo, que pela água, nos aplica os méritos de Cristo conferindo-nos a justificação e libertação do poder e influência do demônio.

O quarto e o quinto estão estreitamente ligados à vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. Remetem-se ao seu Batismo, onde é ungido pelo próprio Espírito [11], e à cruz, donde do seu lado aberto jorram sangue e água [12]. Estes dois últimos símbolos apontam para a maior benção que podemos receber, ou seja, o próprio Senhor. É Ele quem torna novas todas as coisas [13], e do seu sacrifício na cruz, revela a todos nós quem de fato nós somos chamados a ser: criaturas feitas à imagem e semelhança de Deus. A água benta, assim, nos dispõe a nos unirmos com o Senhor. Sermos um com Ele, a fim de que participemos com Ele e n’Ele de toda a graça. É instrumento de pertença, pois ao nos remeter ao nosso batismo, também nos recorda o maravilhoso dom da filiação divina, à qual temos parte através de Cristo Jesus.

Testemunhos na vida da Igreja

Além dos ricos significados, a história nos legou também grandes testemunhos relacionados ao uso de tão poderoso sacramental. A grande doutora do Carmelo, Santa Teresa D’Ávila escreveu, em seu Livro da Vida, muitos episódios na qual a água benta a ajudou a se libertar da influência do maligno:

“Eu estava certa vez num oratório e me apareceu, do lado esquerdo, uma figura abominável; percebi especialmente a boca, porque falava: era horrível. Parecia que lhe saía do corpo uma grande chama, muito clara, sem nenhuma sombra. Disse-me, aterrorizando-me, que eu me livrara de suas garras, mas que voltaria a elas. “Isso me aconteceu por duas vezes. Não sabendo o que fazer, peguei da água benta que ali havia e lancei-a para onde essa figura se encontrava. Ela nunca mais voltou” [14].

A eficácia contra o mal também é comprovada pelo testemunho de muitos exorcistas, que, em seus relatos, afirmam a sua eficácia na libertação de infestações e possessões demoníacas [15]. Casas, lugares, pessoas, muitas vezes são libertas da influência maligna através do uso, com fé, da água benta. Esta se dá tanto através do consumo da mesma, quanto pela sua aspersão ou persignação. É de se ressaltar, contudo, que nessas situações, o seu significado deve estar sempre diante dos nossos olhos: a eficácia se dá, antes de tudo, por causa de Cristo e pela oração da sua Igreja. Nunca podemos tê-la como amuleto, como sustentam algumas crenças populares que nada têm de católicas.

Onde conseguir e como usar?

A bênção da água é válida somente se feita por um ministro ordenado, conforme o Código de Direito Canônico [16], e o Ritual Romano [17]. A benção também deve ser feita de forma presencial, por sua natureza constitutiva. É simples: basta levar consigo a água a ser abençoada e apresentá-la ao sacerdote. Seu uso também é simples. Muitas situações do cotidiano podem ter a sua presença: para aspergir num determinado ambiente, para persignar-se (fazer o sinal da cruz) ao sair e ao chegar em casa, ou até mesmo antes dos momentos dedicados à oração. Fato é que a água benta é um importante instrumento dado por Deus para nos auxiliar no caminho da nossa santificação. Por que não começar a utilizá-la agora mesmo?

Referências

[1]. Ritual Romano - Celebração de bênçãos. nº1085;

[2]. DICASTÉRIO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Declaração Fiducia Suplicans. nº 8;

[3] CIC, nº 1667;

[4]. cf. Ef 1,10;

[5]. CIC, nº 1124;

[6]. Gn 1,2.

[7]. Ritual Romano – Batismo de várias crianças. nº 54.

[8]. Ibid.

[9]. Gn 6-9;

[10]. Ex 13-15,17;

[11]. Lc 3,15-16,21-22;

[12]. Jo 19,34;

[13]. Ap 21,5;

[14]. D’Ávila, Santa Teresa. Livro da vida. Cap. XXXI, 1.

[15]. Mons. Stephen Rossetti. O poder da Água benta. Disponível em: The Power of Holy Water.

[16]. Cf. CIC, Can. 1167-1168.

[17]. Cf. Ritual Romano - Celebração de bênçãos. nº1087;