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Teologia

O que a Igreja ensina sobre o Anticristo?

A vitória final pertence a Cristo, e com Ele triunfarão todos os que, mesmo em meio à tribulação, guardarem a Palavra e perseverarem na verdade preservada pela Tradição da Igreja.

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A figura do Anticristo é uma das mais inquietantes da escatologia cristã. Livros, filmes e séries já foram produzidos em torno do mistério que o circunda, muitas vezes afirmando uma ideologia em detrimento de outra. Embora envolto em mistério e cercado de imagens simbólicas, a ideia de um Anticristo não é estranha à fé da Igreja, sendo mencionada tanto nas Sagradas Escrituras quanto nos documentos do Magistério.

Ao tratar desse tema, é necessário aproximar-se com reverência e discernimento, evitando interpretações sensacionalistas ou excessivamente alegóricas que desvirtuem o seu significado teológico. O que se propõe neste texto é um olhar que busca articular os dados da Sagrada Escritura com a leitura viva e contínua da Tradição da Igreja, que, por meio do Magistério, nos orienta a compreender tais verdades à luz da fé e da esperança cristãs.

Vale ressaltar, antes de tudo, que a doutrina do Anticristo não é um convite ao medo, mas antes um chamado à vigilância perseverante e à fidelidade a Cristo, particularmente diante das tentações de falsas doutrinas e messianismos terrenos que, ao longo dos séculos, tentaram usurpar o lugar que pertence unicamente a Jesus Cristo.

O Anticristo na Bíblia

O termo “Anticristo” não aparece em nenhum dos quatro Evangelhos e nem de modo explícito nas Cartas Paulinas. É a teologia dos escritos joaninos que melhor revela a sua natureza, discorrendo acerca de alguns aspectos de suas características dentro de uma doutrina bíblica comum acerca da parusia do Senhor: a do período de grande tribulação que antecede o retorno definitivo de Cristo e do juízo final. A primeira menção explícita do termo aparece em 1 João 2,18:

“Filhos, é chegada a última hora. Ouvistes que um anticristo estava para chegar, e eis que agora muitos anticristos estão surgindo. Daí, concluímos que é chegada a última hora. Eles saíram do nosso meio, mas não eram dos nossos, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco, mas foi para que se tornasse manifesto que nem todos são dos nossos”.

A passagem já pressupõe a existência de uma tradição estabelecida a respeito dessa figura misteriosa. A passagem deixa entrever, contudo, algumas de suas características: os “anticristos” não permaneceram em comunhão com a Igreja (comunidade), romperam com ela, proclamando, provavelmente, doutrinas falsas a respeito do Senhor, visto que o amor a Jesus é definido pela guarda de sua Palavra (cf. 1 Jo 2,4-5). Apesar de haverem “anticristos” no plural, faz-se mister observar que há um em particular cuja vinda já fora profetizada. Há, entre a comunidade primitiva, uma tradição a esse respeito.

Mas que tradição é essa? Onde ela se encontra? Podemos supor, com certa segurança, que estes ensinamentos certamente faziam parte da pregação apostólica. Eles parecem estar no núcleo da doutrina da parusia, considerada um dos pilares fundamentais do primeiro anúncio.

Embora o termo apareça pela primeira vez aqui, a vinda desta figura iníqua é prevista em outros lugares. Na segunda carta aos Tessalonicenses (2, 3-4), um dos textos mais antigos do Novo Testamento, podemos encontrar o seguinte:

“(…) primeiro deve vir a apostasia e ser revelado o ser humano da iniquidade, o filho de perdição, o adversário, aquele que se levanta contra tudo o que se chama Deus ou recebe culto, a fim de sentar-se no santuário de Deus, autoproclamando-se Deus!” (1 Ts 2, 3-4).

O Apóstolo é enfático. O filho da iniquidade é uma pessoa concreta, real. Cabe a análise dos termos empregados. O filho da perdição (υἱὸς τῆς ἀπωλείας) é uma anteposição direta a Jesus (yehoshu’a: Deus salva). São Paulo o categoriza como “o adversário” (ἀντικείμενος), título atribuído ao antigo inimigo.

Portanto, se Cristo operou a obra da salvação pela humildade, o anticristo deve buscar a perdição das almas pela soberba. Se o Filho de Deus ensinou a verdade divina, o filho da perdição deve introduzir no mundo uma doutrina nefasta, cujo núcleo essencial é uma mentira. A sua força advém de Satanás, que mais uma vez oferecerá aos filhos do Novo Adão a tentação do Antigo: a de tornar-se com ele, como Deus, pelo pecado.

Isso nos leva a uma terceira aparição implícita dessa figura no Novo Testamento. Ela se dá em Apocalipse 13:

“O monstro que vi era semelhante a um leopardo; seus pés como de urso; sua boca, como de leão. O dragão lhe deu o seu poder, seu trono e grande autoridade. (…) toda a terra ficou maravilhada, seguindo atrás do monstro. E adoraram o dragão, porque deu autoridade ao monstro. Adoraram o monstro dizendo: “Quem é igual ao monstro e quem tem poder para lutar contra ele?” E foi-lhe dada uma boca para falar grandes blasfêmias. (…) abriu sua boca em blasfêmias contra Deus, blasfemando contra o nome dele, contra a tenda dele, e os que moram no céu. E foi-lhe dado fazer guerra contra os santos e vencê-los”.

A figura do monstro ilustra aqui, por meio de símbolos, as características concretas do Anticristo. Essas características podem ser deduzidas de três observações:

A primeira é a de que ele será um homem comum, cujo poder e influência sobre o mundo advém de uma concessão do Dragão – Satanás. Poderíamos nos perguntar: mas isso é possível? Esse domínio não pertence a Deus apenas? Basta-nos lembrar da terceira tentação do Senhor no deserto, relatada em Mt 4,8-10: “Tudo isso te darei, se de joelhos me adorares”. Por misteriosa concessão divina, o Diabo possui certa influência sobre o mundo, e ele a concederá de forma especial a este que virá.

Anticristo com o diabo, pintura de Luca Signorelli.

A segunda é um misterioso fascínio no qual os homens terão por sua figura. Por meio de quais vias isso será gerado, não sabemos. Podem ser por sistemas políticos, por falsas promessas, através de uma religião “integradora” que prometa a paz ao mundo… as possibilidades são muitas e devemos lembrar que algumas delas nós podemos ainda não ter tido acesso pelo simples fato de não terem sido criadas. O ponto importante, porém, vem no conteúdo desse fascínio. Ele falará contra Deus e seus santos. Relativizará e perseguirá a fé não somente no campo das ideias, mas também na prática da vida. A perseguição final contra os cristãos será motivada por um ódio profundo a tudo aquilo que é santo. Aos olhos do mundo – de seus seguidores -, nada disso será um problema. O autor dá a entender que diante de todos os outros a violência contra os discípulos de Jesus é justificável e necessária. Reinará a injustiça na terra como nunca antes.

Uma terceira e última característica refere-se a uma aparente vitória do anticristo sobre a Igreja. O autor parece indicar que a perseguição aos santos aumentará de forma inimaginável, e uma derrota aparente na Igreja será sentida. Essa perseguição não será apenas física, mas também espiritual e ideológica, com grande confusão, escândalos e tentativas de silenciar a verdade. Muitos dirão que a Igreja está derrotada, que seu tempo passou, e que Deus a abandonou. Como no Calvário, onde o silêncio do Pai escondia a maior de todas as vitórias, também nesses últimos tempos a fidelidade dos santos se unirá ao sacrifício redentor de Cristo. A Igreja poderá parecer ferida, humilhada, reduzida, mas será exatamente aí que se manifestará sua verdadeira força: não nos números, nem no prestígio, mas na cruz, na fidelidade, na esperança. Pois quem permanece com Cristo jamais será derrotado — ainda que tudo ao redor pareça ruir.

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O Anticristo no Catecismo da Igreja

Tendo em vista a doutrina bíblica, vejamos agora o que diz o Magistério. Os relatos sobre esse personagem aparecem no Catecismo da Igreja Católica como um apêndice da fórmula “de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos”, do Símbolo Apostólico. A abordagem, para além de prática, atualiza para os nossos dias a doutrina acerca do Anticristo e sua postura. Dizem os números 675-677:

“A suprema impostura religiosa é a do Anticristo, isto é, dum pseudo-messianismo em que o homem se glorifica a si mesmo, substituindo-se a Deus e ao Messias Encarnado (...) Esta impostura anticrística já se esboça no mundo, sempre que se pretende realizar na história a esperança messiânica, que não pode consumar-se senão para além dela, através do juízo escatológico. A Igreja rejeitou esta falsificação do Reino futuro, mesmo na sua forma mitigada, sob o nome de milenarismo, e principalmente sob a forma política de um messianismo secularizado, ‘intrinsecamente perverso’”.

Destaca-se aqui um ponto central: Fala-se de uma postura em que o homem arroga-se como Deus e quer realizar na história a esperança do Messias. O desejo de implantar o Reino de Deus de maneira política e militar. Apesar de estar atrelado a uma pessoa, o texto fala de uma “impostura”, que pode ser assumida - e já foi -, em vários momentos da história. É para nós um alerta: precisamos lutar contra o desejo de substituir o verdadeiro Reino de Deus por projetos terrenos, que prometem salvação fora da cruz de Cristo.

A fidelidade da Igreja consiste em reconhecer que o Reino não virá por conquista humana ou por projetos ideológicos, mas será dom gratuito de Deus, consumado apenas após o juízo escatológico. A nossa esperança precisa dirigir-se para além da realidade material, tendo diante de si aquilo que é eterno.

O "espírito" do Anticristo hoje

A característica mais profunda deste espírito — e do próprio Anticristo — é a negação da verdade fundamental do cristianismo: a encarnação do Verbo e o senhorio de Jesus Cristo.

“Nisto conheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio na carne é de Deus; e todo espírito que não confessa Jesus não é de Deus: este é o espírito do Anticristo” (cf. 1Jo 4,2-3).

A negação da encarnação é, portanto, mais do que uma heresia teológica; é uma ruptura com o modo como Deus se revelou: no tempo, na carne, na história. O Anticristo nega que Deus se fez homem, e mais ainda: nega que esse homem, Jesus de Nazaré, é Senhor de todas as coisas, crucificado e ressuscitado, fundamento de toda autoridade e verdade.

Essa negação, no entanto, nem sempre se dá de forma aberta ou violenta. Com frequência, reveste-se de sutileza, disfarçando-se sob roupagens de progresso, liberdade e tolerância.

Na teologia, isso pode se manifestar com proposições nobres e com sentimento de libertação e caridade. Na moral, pode disfarçar-se de um acolhimento no amor que esquece-se da verdade. O espírito do Anticristo, no nosso tempo, manifesta-se de modo insidioso por meio de formas modernas de apostasia. Trata-se de uma deserção silenciosa da fé, na qual muitos, mesmo batizados, abandonam a verdade revelada em nome de uma nova religião: o relativismo. Nele, não existe mais verdade objetiva ou universal — toda doutrina é rebaixada ao nível da opinião.

Neste cenário, a fé cristã é colocada ao lado de mitos antigos ou sistemas filosóficos, sendo válida apenas enquanto for útil ou inofensiva. A fé deixa de ser “obediência à Verdade” (cf. Rm 1,5) e torna-se um sentimento vago. Não se trata, necessariamente, de uma perseguição direta à religião, mas de um esvaziamento de seu conteúdo: Cristo é aceito como símbolo de paz ou fraternidade, mas rejeitado como Senhor e Juiz.

Com isso, abre-se espaço para uma nova forma de culto: o culto ao eu. O homem moderno adora a si mesmo, suas vontades, seus prazeres e projetos. É a recusa do senhorio de Cristo e a exaltação da autonomia absoluta do indivíduo.

A nós, hoje, cabe o profundo exercício de vigilância e conversão.  Diante do espírito do Anticristo, os fiéis são chamados a permanecer firmes na fé recebida, discernindo com lucidez e humildade os sinais dos tempos. A vitória final pertence a Cristo, e com Ele triunfarão todos os que, mesmo em meio à tribulação, guardarem a Palavra e perseverarem na verdade preservada pela Tradição da Igreja. A Igreja não teme o combate, desde que esteja unida ao seu Senhor, crucificado e ressuscitado.

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