Tradição
Sagradas Escrituras

“Onde Está Isso na Bíblia?”

Quem lê a Bíblia não encontra nela o pressuposto de que todo artigo de fé cristã deva estar escrito.

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Às vezes, quando falamos de Cristo no dia a dia, encontramos pessoas que nos perguntam:  

“Onde está isso na Bíblia?”

Essa é a pergunta clássica dos protestantes e hoje nós responderemos a algumas dessas perguntas. Vamos mostrar que a Intercessão dos Santos e a Confissão Sacramental estão sim presentes na Bíblia. Você vai aprender que nem todo conteúdo de fé está escrito de modo explícito nas Escrituras.

Antes, porém, convém esclarecer que existe um pressuposto por trás dessa pergunta.  O nosso objetivo aqui não é que você discuta com ninguém, mas que conheça a sua fé cada vez mais.

Um Estranho Pressuposto

Você já percebeu que, por trás da pergunta “onde está isso na Bíblia?”, muitas vezes existe um pressuposto equivocado? Veremos qual é o pressuposto e por que ele está errado.

Quem lê a Bíblia não encontra nela o pressuposto de que todo artigo de fé cristã deva estar escrito. Em duas ocasiões, por exemplo, o Apóstolo e Evangelista São João esclareceu aos seus leitores que “muitas coisas” não seriam escritas, porque seriam transmitidas pessoalmente:

Teria muitas coisas para vos escrever, mas preferi não fazê-lo com papel e tinta. Espero que possa ir até vós e falar-vos de viva voz, para que a nossa alegria seja completa.  (2 Jo, 12)
Tinha muito para te escrever, mas não quero escrever-te com tinta e caneta. Espero, porém, ver-te em breve e falar-te de viva voz (3 Jo 13-14)

A orientação de São Paulo é a mesma. Ele afirmou que há tradições que não foram escritas. É o que lemos na Segunda Carta aos Tessalonicenses:

Ficai firmes e guardai cuidadosamente as tradições que vos ensinamos, por nossa palavra ou por nossa carta. (2 Ts 2, 15)

“Por nossa palavra ou por nossa carta!” São Paulo esclarece que existem sim dois tipos de transmissão da Revelação Divina: alguns ensinamentos são transmitidos por viva voz; outros, por carta (escritos). Ou seja, nem tudo foi escrito na Bíblia.

Em uma meditação sobre esta carta, São João Crisóstomo explicou esta verdade de modo mais detalhado:

Os apóstolos não transmitiram tudo por escrito; muitas coisas não escritas foram transmitidas também, e tanto as escritas como as não escritas são dignas de fé. Assim, consideremos também a tradição da Igreja como digna de fé. [1]

É importante observar ainda que a orientação de São Paulo é bastante antiga.  Você sabia que as cartas aos Tessalonicenses estão entre os primeiros escritos do Novo Testamento? É provável que elas tenham sido escritas até mesmo no período de redação do primeiro Evangelho, São Mateus, pois ambas as cartas remontam aos anos de 50 ou 51 depois de Cristo:

Sustenta-se amplamente que a Primeira Carta aos Tessalonicenses é a mais antiga carta que possuímos de São Paulo e pode muito bem ser o mais antigo livro de todo o cânone do Novo Testamento. (...) Paulo deve ter escrito esta carta durante os meses de inverno ao final do ano 50 ou inícios de 51. [2]
Os acadêmicos que mantém a visão tradicional da autoria paulina estão de acordo que a Segunda Carta aos Tessalonicenses foi escrita quase à mesma época (50 ou 51 DC) e provavelmente no mesmo lugar que a Primeira. [3]

Mais ainda, o próprio São Paulo ordenou que Timóteo ensinasse o que ouviu dele. Sim, o que ouviu. Observe a importância da Tradição:

O que ouviste de mim na presença de numerosas testemunhas, transmite-o a pessoas de confiança, que sejam capazes de ensinar a outros. (2Tm 2, 2)

E Jesus? Será que Jesus ensinou que a Bíblia seria a única regra de fé? Claro que não! O que o Senhor pediu foi para nós ouvirmos a Igreja:  

Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita; que me rejeita, rejeita aquele que me enviou. (Lc 10, 16)

Lembremos que o Novo Testamento foi escrito por inspiração do Espírito Santo, mas ele não foi escrito imediatamente após a Ascensão do Senhor. A primeira geração de cristãos não teve sequer um único texto do Novo Testamento à mão.

O que eles tinham, então?  Eles tinham a Igreja. Tinham a Santa Missa e os Sacramentos. Tinham a tradição dos Apóstolos, que, aliás, ainda estavam vivos. O Padre Leonel Franca explicou esta realidade histórica nestes termos:

Jesus Cristo só ensinou de viva voz, não escreveu uma só linha. [...] E Cristo não disse aos seus apóstolos: “Sentai-vos, escrevei ou viajai e distribui Bíblias”; senão: “Ide e pregai; quem vos ouve, a mim ouve”. E os apóstolos foram fiéis à sua missão; poucos escreveram e pouco, todos pregaram e muito. [4]

Nas Sagradas Escrituras, encontramos muitas verdades de fé que estão explícitas. Outros dogmas de fé estão implícitos, subentendidos.  Como o tema é muito vasto, vamos abordar apenas dois dogmas.

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A Intercessão dos Santos

Você sabia que há uma “nuvem de testemunhas” ao seu redor? É o que a Carta aos Hebreus declara. Depois de falar de Abraão, Isaque, Jacó e Moisés, a Carta nos ensina que eles não alcançaram a realização da promessa porque Deus preparou algo melhor para nós.

É que Deus estava prevendo algo melhor para nós: não queria que eles alcançassem, sem nós, a plena realização. Portanto, com tamanha nuvem de testemunhas em torno de nós, deixemos de lado tudo o que nos atrapalha e o pecado que nos envolve. (Hb 11, 40; 12, 1a)

A promessa já tinha sido cumprida quando a Carta aos Hebreus foi escrita. Jesus a realizou no Calvário. É a obra magnífica da Redenção! O Antigo Testamento converge para esta obra. Com a sua realização, os santos entram na Cidade Celestial.

Com a redenção de Cristo, a promessa foi cumprida, a cidade celestial foi dada aos fiéis. Eles estão lá, diz a Carta aos Hebreus, e ainda assim, eles também estão conosco, pois nos cercam como “uma grande nuvem de testemunhas”. [5]

Mas o que era “a nuvem” para um hebreu da época em que a carta foi escrita? Tratava-se de uma referência bem clara. Desde as manifestações de Deus no Antigo Testamento, a nuvem revelava o Deus vivo e salvador, que escondia a transcendência de Sua glória.

Os santos do Antigo Testamento habitam em “uma nuvem”, em uma nuvem envolvente. Mais uma vez, recorramos ao teólogo Scott Hahn para entender bem o sentido bíblico desta expressão:

E esta expressão era compreendida plenamente pelo público judeu do primeiro século. Pois, para os “Hebreus”, a quem a Carta se dirigia, a nuvem era a glória de Deus, pura e simples. [6]

Era a glória de Deus!  Duas citações do Antigo Testamento nos ajudam a entender a nuvem como uma manifestação da glória de Deus. Lembremo-nos, por exemplo, de Moisés no Monte Sinai durante o êxodo:

Moisés subiu ao monte. Então, a nuvem cobriu o monte, e a glória do Senhor repousou sobre o Monte Sinai. (Ex 24, 15)

A Carta aos Hebreus se refere a esta nuvem. Os fiéis defuntos que agora vivem na “nuvem de testemunhas” são os santos estão na glória de Deus!

E o que eles fazem no Céu? Será que estão dormindo? Não é o que a Palavra de Deus anuncia! Os santos mártires foram diretamente citados no Livro do Apocalipse, e eles intercedem pela causa da Igreja na terra. Estão bem acordados e atuantes:  

Eu vi debaixo do altar as almas dos que haviam sido imolados por causa da Palavra de Deus e do testemunho que tinham dado. E gritavam com voz forte: “Senhor santo e verdadeiro, até quando tardarás em julgar para reivindicar dos habitantes da terra o nosso sangue?”  (Ap 6, 9-10)

A nossa história, aqui na terra, é influenciada diretamente pela oração dos santos. Eles não estão alheios às nossas vidas.

Mais uma vez, vemos que os santos estão em contato direto com Deus, mas também que este contato trata de questões da terra, cuja “conversa” tem efeito imediato e poderoso sobre os acontecimentos terrestres.

Você experimenta a intercessão dos santos? Não deixe de pedir que eles rezem pelas suas intenções.

O Sacramento da Confissão

Você enxerga a sua miséria espiritual? Vê a sua fraqueza com clareza?  Nós somos pecadores. Por isso, precisamos preparar os nossos corações para acolher a Divina Misericórdia.  A Palavra de Deus vem em nosso auxílio, revelando a nossa fraqueza. São João nos ensina a colocar esta fraqueza sob o Olhar de Deus:

Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se confessamos nossos pecados, então Deus se mostra fiel e justo, para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. (1 Jo 1, 8-9)

A experiência da fraqueza humana deve amadurecer em nós, conduzindo-nos ao Sacramento da Confissão. Nela, confessamos os pecados específicos. Foi o próprio Jesus quem instituiu este sacramento, quando apareceu aos Apóstolos:

Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados lhes serão perdoados; a quem os retiverdes lhes serão retidos. (Jo 20, 23)

Este poder de perdoar os pecados, o Senhor o conferiu somente aos Apóstolos. Portanto, não basta reconhecer-se pecador. É preciso dar um passo a mais: ir à Igreja confessar os pecados graves.

Há dois tipos de pecado. Alguns pecados são chamados de mortais, porque eles matam a caridade em nosso coração. Rompem a amizade com Deus! Outros pecados ferem bastante a alma, mas a caridade consegue sobreviver. São chamados de pecados veniais.

Existe um pecado que conduz à morte, mas não é a respeito deste que eu digo que se deve orar. Toda injustiça é pecado, mas existe pecado que não conduz à morte. (1 Jo 5, 16-17)  

Aqui há um ponto muito importante: ninguém é bom juiz de si mesmo. Isso deve ficar muito claro para nós que somos católicos, pois Deus instituiu seus ministros ordenados para que sejam uma expressão clara e objetiva da sua misericórdia. Portanto, é muito fácil alguém dizer: “eu me confesso com Deus”, porém devemos nos perguntar: E como você pode avaliar que realmente está arrependido e conseguiu obter o perdão de Deus? Como o réu pode ser o seu próprio juiz? O sacerdote quando ouve a confissão de um pecador, sabe distinguir se o penitente está realmente arrependido e o ajuda a viver do modo correto a dor pelos seus pecados, inclusive concedendo a ele a penitência necessária para expiar as consequências de seus pecados depois de recebida a absolvição.

Todo pecado é horroroso. Porém, uma coisa é reconhecer-se, de modo genérico, como fraco e pecador; ou arrepender-se de pecados veniais. Outra coisa, diferente e necessária, é levar os pecados mortais ao confessionário. A confissão está na Bíblia, só não enxerga quem não quer.  

Leia a Bíblia

É com grande alegria que devemos abrir a Bíblia para ler. Ela é um presente que Deus nos deu, na Igreja. E tenhamos cuidado com interpretações que surgem fora da Igreja:

A Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada com o mesmo espírito com que foi escrita. [8]

Busque conhecer a fé da Igreja, que é a sua fé. Assim, você poderá ajudar muitas pessoas a encontrar o caminho de Deus. Todo tempo dedicado a Deus é um tesouro.

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Referências:

[1] São João Crisóstomo. Homilias sobre a Segunda Carta aos Tessalonicenses.

[2] Scott Hahn & Curtis Mitch As Cartas de São Paulo aos Tessalonicenses, a Timóteo e a Tito: Cadernos de Estudos Bíblicos. Campinas, SP: Ecclesiae, 2020. p 21.

[3] Ibid, p. 39.

[4] Pe. Leonel Franca. A Igreja, a Reforma e a Civilização. 7.ª ed., Rio de Janeiro, Agir, 1958, p. 214.

[5] Scott Hahn Razões para Crer. Lorena, SP: Cléofas, 2017 p. 101.

[6] Ibid, p. 101.

[7] Ibid, p. 103.

[8] Dei Verbum, 12.