Hoje em dia nós estamos acostumados a ter a Bíblia à mão. Em qualquer livraria, podemos comprá-la nos mais variados tamanhos, com ou sem cores. Algumas trazem até imagens e mapas.
Mas não era assim na época de Jesus. Por muitos séculos, a Bíblia era de difícil acesso. O processo de reprodução dos exemplares era caro e trabalhoso. A Igreja preservou e transmitiu as Escrituras com cuidado.
Hoje vamos meditar sobre a relação entre a Bíblia e a Igreja. Você vai aprender que não basta ter um exemplar da Bíblia na mão para interpretá-la corretamente. Existem muitos critérios, como a unidade da Escritura ou as camadas de sentido, que devem ser levados em consideração. É preciso um certo preparo para ler a Bíblia sem erro.
Um Pouco de História
Quando nós pensamos em livros, imaginamos logo o que vemos no mundo atual. Para nós, um livro é um conjunto de folhas de papel impressas e encadernadas, com capa dura ou mole. Seu formato é retangular.
Nem sempre foi assim. Antigamente, os livros não eram feitos de papel. No Egito, surgiu um método de produzir folhas com o caule de uma erva aquática chamada “papiro”. O nome da planta passou, então, a designar os livros produzidos com ela.

Os papiros não tinham a forma de um livro moderno. Eram rolos! Para localizar uma passagem da Bíblia, era preciso desenrolar todo o texto. A leitura de um papiro não era simples.
Depois que os papiros foram criados, desenvolveu-se um método alternativo para produzir livros. Foi na cidade de Pérgamo, por isso eles são chamados de “pergaminhos”. Eram confeccionadas com a pele de vários animais, como ovelhas e cabras. Tinham a desvantagem de ser mais caros que os papiros, mas duravam muito mais.
Nos primeiros séculos da Igreja, as Escrituras eram lidas e conservadas em papiros e pergaminhos. Não existia imprensa, nem havia papel. Foi um processo difícil, pois cada rolo trazia um livro separado.
Além dessa dificuldade, havia uma outra. Nem todos os livros que circulavam eram inspirados pelo Espírito Santo. Haviam obras meramente literárias, e elas tinham os seus defensores. A Igreja teve que discernir e declarar quais livros deveriam fazer parte da Bíblia.
Ao longo dos séculos, os livros bíblicos permaneceram íntegros, mesmo que no princípio não existisse uma coleção claramente definida. Foram protegidos, proclamados e transmitidos pela própria Igreja, da qual surgiram em seus primórdios. A Igreja que canonizou as Escrituras era a própria Igreja que as tinha produzido dentro de uma geração num passado distante. [1]

Esse processo de canonização das Escrituras não foi rápido nem simples. Foi preciso um longo processo de estudo das tradições litúrgicas da Igreja, sobretudo da era apostólica. A lista atual da Bíblia foi finalmente discernida no Concílio de Roma, sob o Papa Dâmaso, no século IV.
Os pastores da Igreja, por um processo de discernimento espiritual e de investigação das tradições litúrgicas da Igreja ao redor do mundo, tiveram que traçar linhas de distinção claras entre livros que são verdadeiramente inspirados por Deus e gerados no período apostólico e aqueles que somente reivindicam tais qualidades. O processo culminou em 382, quando o Concílio de Roma, que foi reunido sob a liderança do Papa Dâmaso, promulgou o cânon de 73 livros. [2]
Mil Anos e Uma Biblioteca
A Bíblia não é um único livro. Ela é uma biblioteca que foi escrita ao longo de mil anos. Muitos são os autores, as circunstâncias e o estilo das Escrituras. Além disso, ela contém referências culturais próprias da época.
O sentido dos textos bíblicos não é sempre imediatamente acessível. Exige certa habilidade com a linguagem, com a cultura e com a mentalidade do mundo bíblico ou do Antigo Oriente Próximo. [3]
É preciso um conhecimento específico para entender a Bíblia. Não são poucas as pessoas que fazem uma grande confusão quando tentam ler a Bíblia sem preparo algum. Elas não encontram o sentido do texto.
Sem uma adequada preparação e um necessário esforço de compreensão, muitos desses textos permanecem obscuros. [4]
A Bíblia é uma obra inspirada pelo Espírito Santo a homens concretos, chamados hagiógrafos. Ele se serviu das capacidades de cada um, como a inteligência e a cultura. Assim, o entendimento da Bíblia requer uma dupla fidelidade. A interpretação autêntica deve ser fiel ao que os autores quiseram expressar e ao que Deus quis revelar.
Na Sagrada Escritura, Deus fala ao homem à maneira dos homens. Para bem interpretar a Escritura, é preciso, portanto, estar atento àquilo que os autores humanos quiseram realmente afirmar e àquilo que Deus quis manifestar-nos pelas palavras deles. [5]
Há muitos “gêneros literários” na Bíblia. Você sabe o que é isso? Um exemplo talvez ajude a esclarecer. Nós não lemos uma receita de bolo e um poema do mesmo modo. Sabemos que cada um pertence a um tipo de texto. Eles são, então, de “gêneros literários” distintos.
A Bíblia também é assim. Ela possui vários tipos de texto. Alguns são poemas, como os Salmos. Outros são históricos, a exemplo do Livro de Rute. Há ainda livros proféticos, o de Isaías.
A verdade é apresentada e expressa de maneiras diferentes nos textos que são de vários modos históricos, ou proféticos, ou poéticos, ou nos demais gêneros de expressão. [6]
É difícil ler a Bíblia, mas não é impossível. Nós precisamos estar atentos aos quatro sentidos de cada texto. É o que veremos a seguir.
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As Camadas da Escritura
Ao longo dos séculos, a sabedoria da Igreja conseguiu discernir que existem quatro sentidos da Escritura. Na realidade são dois sentidos, porém o segundo sentido se divide em três. O primeiro é o sentido literal do texto. Trata-se do sentido básico que o texto tinha quando foi escrito. Um poema é lido como poema. Uma narração, como narração.
Devemos nos empenhar na descoberta do significado originário que tinham as palavras e expressões usadas pelos escritores bíblicos à época em que foram escritas e recebidas por seus contemporâneos. [7]
No sentido literal é preciso estar atento ao significado das palavras e ao mesmo tempo ao significado das coisas. Todavia, o sentido literal não é sinônimo de leitura fundamentalista. Aqui entra a importância dos gêneros literários. Um texto com linguagem simbólica, por exemplo, deve ser lido com o mesmo simbolismo que o autor quis usar.
Não devemos interpretar tudo que lemos “literalmente”, como se a Escritura nunca falasse de forma figurada ou simbólica (porque frequentemente fala!). Pelo contrário, nós a lemos de acordo com as regras de escrita que regem seus diferentes gêneros literários, que variam dependendo do que estamos lendo - se é uma narrativa, um poema, uma carta, uma parábola ou uma visão apocalíptica. [8]
Além do sentido literal, existe o sentido espiritual. É aquele que o Espírito Santo quis revelar por meio dos autores humanos. Trata-se de um conteúdo que só é acessível pela fé. Não se pode, porém, separá-lo do sentido literal.
Os sentidos espirituais são para o literal o que a alma é para o corpo. Você é capaz de distingui-los; porém, se tentar separá-los, a consequência imediata é fatal. [9]
É comum dividir o sentido espiritual em três. São os sentidos alegórico, moral e anagógico. Vamos explicar um por um. Não se preocupe com os nomes, se são novos para você. O importante é entender o que significa cada um.
O sentido alegórico revela o sentido dos acontecimentos descritos em Cristo. Assim, por exemplo, a serpente de bronze que Moisés levantou no deserto encontra seu sentido espiritual na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo (Jo 3, 14-15). Já estudamos essa leitura espiritual no artigo “A Parte Mais Importante da Bíblia”.
O sentido moral diz respeito ao modo como devemos conduzir a nossa vida. As Escrituras nos mostram que certas condutas são abomináveis aos olhos de Deus e que outras Lhe são agradáveis.
Os acontecimentos relatados na Escritura devem conduzir-nos a um justo agir. [10]
Já o sentido anagógico é aquele que nos remete às realidades eternas. Trata-se de mistérios que Deus nos revelou, como o Céu. A leitura da Bíblia deve contemplar estes mistérios, que são o fim último da vida.
[O sentido anagógico] mostra-nos como um incontável número de eventos contidos na Bíblia prefigura nossa união final com Deus na eternidade; revela-nos como as coisas visíveis na Terra são imagens das coisas invisíveis no Céu. [11]
O Catecismo da Igreja Católica resume as quatro camadas ou sentidos do texto bíblico com uma estrofe de uma obra escrita há séculos. Ela transmite com simplicidade a ideia central que devemos ter à mão quando abrimos a Bíblia.
A letra ensina o que aconteceu; a alegoria, o que deves crer; a moral, o que deves fazer; a anagogia, para onde deves caminhar. [12]
Um Caminho Seguro
Como é bom ser católico! A Igreja nos conduz pela mão no difícil caminho de entender a Bíblia. São séculos de experiência e conhecimento ao nosso alcance. Não precisamos nos arriscar a fazer uma interpretação errada.
É por isso que a Escola Bíblica foi fundada. Ela responde a uma necessidade de uma orientação segura para os leigos.
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Referências:
[1] Scott Hahn. Razões para Crer. Lorena, SP: Cléofas, 2017. p. 83.
[2] Tom Nash. Catholic Answers: Who Compiled the Bible and When?
[3] Jean-Louis Ska. O Antigo Testamento: Explicado aos que Conhecem Pouco ou Nada a respeito dele. São Paulo, SP: Paulus, 2015. p. 19.
[4] Ibid, p. 19.
[5] Catecismo da Igreja Católica, 109.
[6] Catecismo da Igreja Católica, 110.
[7] Scott Hahn & Curtis Mitch. O Evangelho de São Marcos: Cadernos de Estudo Bíblico. Campinas, SP: Ecclesiae, 2014. p. 10.
[8] Ibid, p. 11.
[9] Ibid, p. 11.
[10] Catecismo da Igreja Católica, 117.
[11] Scott Hahn & Curtis Mitch. O Evangelho de São Marcos: Cadernos de Estudo Bíblico. Campinas, SP: Ecclesiae, 2014. p. 12.
[12] Catecismo da Igreja Católica, 118.