Espiritualidade

Por que celebramos a Cruz de Cristo?

Ao instituir uma festa dedicada à Santa Cruz, a Igreja nos convida a olharmos para a Cruz de Cristo como fonte da Vida Eterna.

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Para muitas pessoas, a Cruz de Cristo foi apenas um instrumento de tortura. Ela não seria nada mais que um símbolo da maior injustiça que já houve. Não conseguem entender por que a Igreja a venera.  

É compreensível que pensem assim. Afinal, a Cruz sempre foi um sinal de contradição. São Paulo, por exemplo, chegou a relatar a forte repulsa que os judeus e os gentios de seu tempo sentiram quando ouviram a pregação do Cristo crucificado.

Nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios (1Cor 1, 23)

Mas o que será que escandaliza tanto na pregação da Cruz? É que o Apóstolo anunciava o sentido espiritual dos sofrimentos humanos. Trata-se de uma verdade espiritual inconciliável com a mentalidade mundana. Ele  chegava a gloriar-se da Cruz!

Quanto a mim, que eu me glorie somente da cruz do nosso Senhor, Jesus Cristo. Por ele, o mundo está crucificado para mim, como eu estou crucificado para o mundo. (Gl 6, 14)

O artigo de hoje é um convite para você meditar sobre o mistério da Santa Cruz. Primeiro, vamos falar da própria Cruz de Cristo, que é a fonte da Vida para todos. Depois, veremos que não é possível seguir Jesus sem acolher o mistério do sofrimento e que é preciso tomar uma decisão fundamental na vida cristã. Por fim, deixaremos um convite para a sua meditação espiritual.

Fonte da Vida Eterna

Estamos habituados a ver imagens de Cristo pendendo da Cruz. O que nem sempre sabemos é que o Senhor não foi o único a morrer assim. Na época do Império Romano, a crucificação era uma forma de punição aos piores criminosos. Havia até mesmo um certo protocolo de execução.

A procissão da cruz era normalmente precedida por uma trombeta a abrir o caminho; então, seguia-se um arauto que anunciava o nome do criminoso levado à execução. Às vezes, o nome do criminoso e o motivo da condenação eram escritos numa placa e pendurados em seu pescoço. [1]

Os crucificados caíam em total descrédito perante a sociedade. Não existia humilhação pública que se pudesse comparar à morte de cruz. É surpreendente que ela tenha sido o lugar que Deus elegeu para a nossa salvação.

A crucificação romana era normalmente um sinal de desgraça e fracasso para as suas vítimas. A crucificação de Cristo, no entanto, foi um golpe mortal para o diabo e meio para a nossa salvação. [2]

Na vida de Cristo, a Cruz não foi uma obra do acaso. Ela era uma parte intrínseca da Sua missão. A sua obediência perfeita ao Pai transformou a Cruz em lugar de reconciliação para todos nós.

O instrumento de suplício que, na Sexta-Feira Santa, tinha manifestado o juízo de Deus sobre o mundo, tornou-se fonte de vida, de perdão, de misericórdia, sinal de reconciliação e de paz. [3]  

Ao instituir uma festa dedicada à Santa Cruz, a Igreja nos convida a olharmos para a Cruz de Cristo como fonte da Vida Eterna.  Mas há ainda mais: a Cruz também nos convida a uma mudança de vida. É o que veremos agora.

O Mistério do Sofrimento

O sofrimento é uma realidade presente em todo o mundo. Não há pessoa,  seja  jovem ou idosa, que não sofra muito ao longo da vida. Não era assim no princípio. Foi o pecado que introduziu o sofrimento na história humana.

Com o pecado, a dor e a morte entraram no mundo, não somente como consequência natural da sensibilidade, mas também como castigo pelo pecado. [4]

Mas por que Deus permitiu o sofrimento? Lembremo-nos de que o Senhor é sempre bom, e todas as Suas obras são obras de Amor. Do nosso ponto de vista, o sofrimento pode parecer somente um mal; no entanto, torna-se um bem moral se for devidamente acolhido.  

O sofrimento, que parece ser um mal, torna-se um bem na ordem moral, uma reparação e um preventivo contra novas transgressões. [5]  

Pode parecer um pouco confuso à primeira vista, porém o mistério do sofrimento fica um pouco mais compreensível quando olhamos para a Cruz do Senhor. Nela, o Deus encarnado assumiu o peso de nossos pecados. Ele sofreu mais que todos nós e sofreu por nós! É um sacrifício de valor infinito.

O sofrimento é reabilitado, enobrecido e divinizado. Já não é mais somente um castigo, mas um ato de obediência aceito voluntária e generosamente por amor, um ato que, na Pessoa de Jesus Cristo, tem um valor infinito. [6]

Ao assumir a natureza humana, unindo-se a nós, o Senhor concedeu-nos a oportunidade de associar-nos aos Seus sofrimentos. É o que São Paulo expressou de modo muito claro em sua carta aos colossenses:

Alegro-me nos sofrimentos que tenho suportado por vós e completo o que na minha carne falta às tribulações de Cristo. (Cl 1, 24)

Como é possível alegrar-se nos sofrimentos? É que os sofrimentos da vida são uma oportunidade, para quem tem fé, de associar-se ao mistério de Cristo. Eles não são uma realidade sem sentido, mas sim uma possibilidade concreta de resposta ao Amor de Deus por nós.  

O sofrimento é uma missão para todos os que guardam a fé, como meio de conformar-se ao Cristo (Rm 8, 17; Fl 3, 10). [7]  

O sofrimento possui então um grande valor espiritual! Desde que estejam associados a Jesus Cristo, adquirem uma dignidade incomensurável. Cada vez que entregamos ao Senhor uma contrariedade, por mais simples que ela seja, como uma impaciência com o próximo, nós crescemos espiritualmente.

Cada dor pacientemente suportada por amor a Jesus aproxima-nos de Deus e aumenta nosso amor por Ele. E aumenta, ao mesmo tempo, a glória que nos caberá no Céu: como afirma São Paulo, nossas tribulações são breves e fáceis de suportar, em comparação com a glória imensa e eterna que receberemos em recompensa! [8]  

O valor espiritual dos sofrimentos sempre fez parte do patrimônio cristão. Os santos aconselham que todos aproveitem bem o quinhão de contrariedades que cabe a cada um nesta vida. O modo como lidamos com o sofrimento é essencial para acolhermos a salvação de Cristo.

Fora da Cruz não existe outra escada por onde subir ao céu. [9]

Vimos até aqui que o sofrimento é um lugar de decisão: ou abrimos, ou fechamos o nosso coração a Cristo. Daremos agora um passo a mais. Devemos abandonar o pecado, mas também as más inclinações.

Crucificando o Egoísmo

Em sua carta aos gálatas, São Paulo ensinou aos fiéis que existe uma batalha em nosso coração. Todos nós sofremos de impulsos desenfreados ou irracionais. São as más inclinações. Se não forem combatidas, elas nos arrastarão para longe de Deus.    

Os que pertencem a Jesus Cristo crucificaram a carne com suas paixões e desejos. (Gl 4, 24)

Não se engane. Todo aquele que quiser viver em Cristo deverá lutar contra as suas más inclinações. É natural que esta luta seja muito dolorosa, pois somos egoístas. Não é fácil renunciar às próprias paixões e desejos, sobretudo àquelas aplaudidas pelo mundo.

A menos que sigamos a instrução do Espírito, os desejos da carne (concupiscência) dominarão nossas vidas e nos tornarão escravos do pecado. [10]

Você já examinou a sua consciência? Cada coração tem o seu ponto fraco. Algumas pessoas possuem inclinação à ganância; outras, à luxúria. Há ainda aqueles que se inclinam a mentir. É preciso combater a má inclinação na raiz. Não há outro caminho espiritual.  

Todos nós temos que tomar uma decisão fundamental na vida. Não tenha receio de escolher o caminho que leva ao Pai. Saiba que, como para todos, haverá sofrimento. Ele é uma oportunidade de santificação pessoal, quando acolhido com humildade e obediência.

É necessário passar por muitos sofrimentos, para entrar no Reino de Deus. (At 14, 22)

Eis o Lenho da Salvação!

A Igreja não pode deixar de anunciar a Cristo na Cruz. Trata-se de um ensinamento dos próprios Apóstolos. Nela, nós nos deparamos com o mistério da sabedoria de Deus. Por meio da Cruz, o inimigo de nossas almas foi derrotado e a salvação nos foi oferecida. Ela é o lenho da nossa salvação.

Que Nossa Senhora das Dores interceda por todos nós!

Referências

[1] Fulton Sheen. Vida de Cristo. Volume II. Rio de Janeiro: Petra, 2018. p. 162.

[2] Scott Hahn & Curtis Mitch. As Cartas de São Paulo aos Coríntios: Cadernos de Estudo Bíblico. Campinas, SP: Ecclesiae, 2017. p. 29.

[3] Papa Bento XVI. Homilia de 14 de setembro de 2008. Lourdes: Santa Missa no 150º Aniversário das Aparições.

[4] Tanquerey, Adolphe. A Divinização do Sofrimento. São Paulo: Cultor de Livros, 2014. p. 09.

[5] Ibid.

[6] Ibid.

[7]  Scott Hahn & Curtis Mitch. As Cartas de São Paulo aos Gálatas e aos Efésios: Cadernos de Estudo Bíblico. Campinas, SP: Ecclesiae, 2017. p. 49.

[8] Tanquerey, Adolphe. A Divinização do Sofrimento. São Paulo: Cultor de Livros, 2014. p. 10.

[9] Santa Rosa de Lima. Vita mirabilis. Louvain, 1668.

[10] Scott Hahn & Curtis Mitch. As Cartas de São Paulo aos Gálatas e aos Efésios: Cadernos de Estudo Bíblico. Campinas, SP: Ecclesiae, 2017. p. 44.