O Evangelho de São João nos assegura que Jesus chamou Maria de “mulher” em duas ocasiões ao menos. Eram momentos solenes de Sua vida pública, um ao início e outro ao final.
A primeira ocasião foi nas bodas de Caná (Jo 2, 1-11). Maria percebeu que o vinho da festa estava acabando. Ela apresentou a situação a Jesus, que faria o seu primeiro milagre público. Antes, porém, o Senhor respondeu ao apelo de Maria com estas palavras:
“O que há entre mim e ti, ó mulher? A minha hora ainda não chegou.” (Jo 2, 4)
A segunda ocasião foi durante a Paixão (Jo 19, 1-36). Entrando em agonia no alto da cruz, próximo da morte, o Senhor confiou Sua Mãe ao discípulo amado. O próprio São João registrou o que Jesus disse a Maria:
“Mulher, eis o teu filho!” (Jo 19, 26)
Hoje em dia pode soar esquisito e até grosseiro que um filho se dirija à sua mãe assim. Mas cada época tem os seus costumes. Aqueles homens não achavam estranho que um filho chamasse a mãe de “mulher”. Para eles, era uma forma de tratamento respeitosa.
Apesar do fato de chamar alguém de “mulher” parecer ofender as normas modernas de etiqueta, tal era um sinal de respeito e carinho no mundo antigo (ver Jo 4, 21; 8, 10). [1]
No entanto, há muito mais que simplesmente boa educação na forma como Jesus tratava Maria ao chamá-la de “mulher”. Tudo na vida de Cristo é mistério de Revelação do Pai. Até mesmo uma Palavra do Senhor revela o amor de Deus por nós.
Tendo Nosso Senhor se feito homem para cumprir a vontade do Pai, os mínimos traços de seus mistérios nos manifestam “o amor de Deus por nós”. [2]
O que será que Jesus queria dizer quando chamava Maria de “mulher”? Esse é o tema do artigo de hoje. Nós vamos meditar sobre o relacionamento entre Jesus e Maria e sobre o papel que Ele quis dar à Sua Mãe no plano da salvação.
A Perfeita Obediência de Maria
Quando Deus enviou o anjo Gabriel a Maria, começava o cumprimento de tudo que havia sido prometido no Antigo Testamento. Finalmente o longo período de espera e preparação estava concluído, e um novo tempo iniciava.
Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei (Gl 4, 4)
É importante observar que, ao enviar o Filho para nascer de uma mulher, Deus não impôs nada a Maria. O Senhor preservou-lhe a liberdade para que Ela colaborasse livremente com a história da salvação.
E qual é a importância disso? É que, acolhendo o chamado de Deus com liberdade, Maria pôde obedecer. Ela era sim predestinada a conceber do Espírito Santo desde toda a eternidade, mas não foi obrigada a aceitar a sua vocação.
Maria obedeceu na fé! A sua obediência a Deus foi a mais perfeita que já existiu. Ela permaneceu firme por toda a vida. Não cedeu com as perseguições de Herodes, nem com a provação da Crucificação do Filho. Maria sempre confiou em Deus.
A Virgem Maria realiza de maneira mais perfeita a obediência da fé. Na fé, Maria acolheu o anúncio e a promessa trazida pelo anjo Gabriel, acreditando que “nada é impossível para Deus” (Lc 1, 37) e dando seu assentimento: “Eu sou a Serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). [3]
A Desobediência de Eva
Até aqui vimos que Maria obedeceu na fé. Obedecer é um verbo muito importante. Transmite a ideia de que Maria cooperou livremente. Mais ainda, Maria se entregou a Deus com todo o seu ser!
Sua submissão e sua docilidade ao Senhor têm um caráter ativo de quem livre e responsavelmente assume as consequências de dizer “sim” a Deus. Trata-se de uma adesão ao projeto divino em uma entrega sem restrições ou condicionamentos. [4]
Ao acolher a vontade do Pai, Maria participou do cumprimento das promessas misericordiosas de Deus. Ela contribuiu com o dom de si, oferecendo seu “sim” ao plano de Salvação.
Mas o Pai das misericórdias quis que a aceitação, por parte da que Ele predestinara para mãe, precedesse a encarnação, para que, assim como uma mulher contribuiu para a morte, também outra mulher contribuísse para a vida. [5]
Mas que outra mulher terá sido essa? Por meio dela, a morte entrou no mundo! É claramente uma referência a Eva. Tendo desobedecido a Deus com Adão, ela contribuiu para que a morte entrasse no mundo.

Você se lembra da desobediência de Eva? Ela deu ouvidos à serpente, que era o Maligno (Ap 12, 9). Ela acabou então desconfiando do amor de Deus, junto com Adão (Gn 3, 1-7). A partir daquele momento, a morte entrou no mundo
Colheu o fruto, comeu dele e o deu a seu marido, que estava com ela, e ele também comeu. (Gn 3, 6)
Não são poucos os santos doutores que, como Santo Irineu de Lião, ensinaram que a obediência de Maria rompeu a desobediência de Eva. Esse foi o caminho que Deus escolheu para entrar no mundo.
O nó da desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria; o que a virgem Eva ligou pela incredulidade, a virgem Maria desligou pela fé. [6]
Eva e Maria eram duas mulheres que enfrentaram situações semelhantes, mas o resultado foi bem diferente em cada caso. Ambas eram virgens e imaculadas, e elas receberam a visita de um anjo.
O anjo que visitou Eva era um anjo caído, o Maligno. Ela desobedeceu a Deus. Pecando, perdeu o estado de imaculada. Já Maria recebeu a visita de um santo anjo, Gabriel. Ela obedeceu a Deus com perfeição e permaneceu imaculada. É por isso que Maria pode ser invocada como Nova Eva.
Esta Mulher, aos olhos de Deus, desde sempre tem um rosto e um nome: “cheia de graça” (Lc 1, 28), como foi chamada pelo Anjo que a visitou em Nazaré. É a nova Eva, esposa do novo Adão, destinada a ser mãe de todos os remidos. [7]
Ao reconhecer em Maria a Nova Eva, invocamos a Jesus como o Novo Adão (1Cor 15, 45). As profecias do Antigo Testamento passam, então, a ter o seu sentido pleno. Elas se cumprem em Cristo e nos Seus mistérios.
Jesus é concebido pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, pois ele é o Novo Adão, que inaugura a nova criação. [8]
Chegamos agora ao ponto central do nosso texto. Será que você já consegue entender por que Jesus chamava Maria de mulher? Vamos esclarecer um pouco mais a seguir.
A Mulher
Uma longa e antiga tradição entende que, ao chamar Maria de mulher, Jesus fazia uma referência direta a Eva. Maria é a Nova Eva. Desse modo, o Senhor revelava como deve ser o nosso relacionamento com Maria.
A palavra “mulher” redefine as relações de Maria não somente com Jesus, mas também com todos os que têm fé. Quando Jesus deu Sua mãe aos cuidados do discípulo amado, na realidade a deu aos discípulos amados de todos os tempos. [9]
Nós somos chamados a acolher Maria como a nossa mãe. Nunca estamos sós. Ela nos acompanha ao longo da vida, intercedendo por nós. A oração de Maria é um grande dom para toda a Igreja.
A oração de Maria nos é revelada na aurora da plenitude dos tempos. Antes da Encarnação do Filho de Deus e antes da efusão do Espírito Santo, sua oração coopera de maneira única com o plano benevolente do Pai; na Anunciação, para a concepção de Cristo, em Pentecostes, para a formação da Igreja, Corpo de Cristo. [10]
Uma Devoção Necessária
Muito mais poderia ser dito sobre Maria como Nova Eva, mas o essencial é deixar claro que a devoção a Maria possui um fundamento bíblico muito sólido. Não tenha receio de honrar a Mãe de Deus. Ela nos ajuda a amar e adorar Jesus!
Todas as gerações, desde agora, me chamarão bem-aventurada. (Lc 1, 48b)
O fundamento da nossa devoção a Maria está em Jesus Cristo. É ao Senhor Jesus que o amor a Maria nos conduz. Acolhendo o papel de Maria na história da Salvação, nós passamos a conhecer melhor o Filho de Deus e Filho de Maria.
O que a fé católica crê acerca de Maria funda-se no que ela crê acerca de Cristo, mas o que a fé ensina sobre Maria ilumina, por sua vez, sua fé em Cristo. [11]
Que Nossa Senhora abençoe todos nós!
Referências:
[1] Scott Hahn. Razões para Crer. Lorena: Cléofas, 2017. p. 111.
[2] Catecismo da Igreja Católica, 516.
[3] Catecismo da Igreja Católica, 148.
[4] Dom Leomar A. Brustolin Eis tua Mãe: Síntese de Mariologia. São Paulo, SP: Paulinas, 2017. p. 29.
[5] Constituição Dogmática Lumen Gentium, sobre a Igreja, 56.
[6] Sto. Irineu, Adv. haer, Livro III, Cap. 22, 4.
[7] Papa Bento XVI. Solenidade da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria. 08 de dezembro de 2008.
[8] Catecismo da Igreja Católica, 504.
[9] Scott Hahn. Salve Rainha: a Mãe de Deus na Palavra de Deus. Lorena: Cléofas, 2017. p. 39.
[10] Catecismo da Igreja Católica, 2617.
[11] Catecismo da Igreja Católica, 487.