Alegria! Alegria! Temos irmãos que já contemplam Jesus Ressuscitado face a face!
Nós, da Igreja militante, unidos na comunhão dos Santos, exultamos junto aos Santos Anjos pelas almas dos bem-aventurados que, após sua jornada na terra — e, para a maioria, após um tempo de purificação no Purgatório —, agora estão plenamente em Deus.
O Dia de Todos os Santos, celebrado em 1º de novembro, é uma das solenidades mais importantes do calendário litúrgico. No Brasil, geralmente, a depender do dia da semana, essa solenidade é transferida para o domingo seguinte. [1]
A festa tem suas raízes no século IV, quando a Igreja começou a celebrar coletivamente o testemunho dos mártires, aqueles homens e mulheres de todas as idades e raças que foram mortos pela fé [2]. No entanto, ao longo do tempo, essa celebração se expandiu para incluir não apenas os mártires, mas todos os santos, conhecidos e desconhecidos, que atingiram a glória celestial.
Por que um dia para todos os santos?
Cada santo canonizado pela Igreja tem um dia específico de memória litúrgica. Essas celebrações visam honrar suas virtudes, intercessão e exemplo de vida. Então, por que a Igreja instituiu um dia para todos os santos? A resposta está na amplitude da santidade e na consumação do poderio de Deus.
Primeiramente, é importante lembrar que nem todos os santos são conhecidos oficialmente pela Igreja. Há incontáveis almas que viveram em profunda amizade com Deus e cuja santidade permanece oculta aos olhos do mundo. São santos que viveram em silêncio, sem reconhecimento, mas que, no entanto, estão na glória eterna.
O Papa Bento XVI, em uma de suas homilias, disse:
(...) a liturgia de hoje nos exorta a levantar o olhar. Em tal multidão não estão somente os santos oficialmente reconhecidos, mas os batizados de todas as épocas e nações, que procuraram cumprir com amor e fidelidade a vontade divina. De uma grande parte deles não conhecemos os rostos e nem sequer os nomes, mas com os olhos da fé vemo-los resplandecer, como astros repletos de glória, no firmamento de Deus. [3]
O Dia de Todos os Santos celebra, portanto, a Igreja Triunfante: santos conhecidos e desconhecidos que já contemplam a Deus face a face e participam de Sua glória. Eles intercedem pela Igreja Militante, embora muitos — talvez a maioria — não sejam oficialmente lembrados em um calendário litúrgico específico.
A Igreja Triunfante e sua diferença da Igreja Militante e Padecente
A Igreja é composta por três estados: a Igreja Militante, a Igreja Padecente e a Igreja Triunfante. Essa distinção é fundamental para entender o artigo de fé: a comunhão dos santos.
Igreja Militante:
Somos nós hoje. A Igreja Militante é formada por todos os fiéis que ainda vivem na terra, lutando contra o pecado, buscando a santidade e dedicando-se à edificação do Reino de Deus. São chamados de “militantes” porque enfrentam uma luta espiritual constante contra as tentações e os desafios do mundo, empenhados em alcançar a maior glória de Deus no tempo e na eternidade, por meio de sua própria santificação e da de muitos outros.
Igreja Padecente:
Refere-se às almas que morreram na amizade de Deus, mas que ainda necessitam de purificação no Purgatório antes de entrarem no Céu. Essas almas não foram condenadas no juízo após a morte, mas precisam passar por uma última purificação para alcançar a visão beatífica e serem admitidas à presença plena de Deus. Você pode ler mais sobre as almas do purgatório clicando aqui.
Igreja Triunfante:
São aqueles cuja memória a Igreja Militante celebra na solenidade de Todos os Santos: os santos que já estão no Céu, que alcançaram, pela graça de Deus e sua cooperação, a vitória completa sobre o pecado e agora vivem em perfeita comunhão com Deus. Eles intercedem por nós, que ainda estamos em peregrinação e por aqueles que padecem no Purgatório. A Igreja Triunfante representa a culminação da esperança cristã: participar plenamente do amor de Deus, onde não há mais sofrimento, dor ou morte.
A misericórdia do Pai se consuma nos Santos
A solenidade é também uma celebração do poder salvífico de Deus, que, por meio de Cristo, agiu e continua a agir na história da humanidade, conduzindo-a à plenitude da vida em comunhão com Ele. A presença dos santos no Céu é, acima de tudo, um testemunho vivo do triunfo da misericórdia divina sobre a humanidade, realizado pelo Pai, por meio do Filho, na força do Espírito Santo.
Na liturgia deste dia, através das leituras (explicitamente) e da própria Eucaristia (implicitamente), rendemos graças a Deus por toda a encarnação de Jesus: Seu nascimento, a fuga para o Egito, a vida em obediência a Maria e José em Nazaré, Seu batismo no Jordão, a fidelidade nas tentações, o ministério público, as pregações, os milagres, os cansaços, a fome, a sede, os embates com aqueles que não O reconheciam como Messias e Deus, Sua Paixão, agonia, sacrifício na Cruz e Sua Ressurreição.
Toda a vida de Cristo culmina no derramamento do Espírito Santo sobre a Igreja militante — iniciado em Pentecostes e perpetuado até hoje por meio dos bispos e sacerdotes legitimamente ordenados na sucessão apostólica. Essa santificação da Igreja militante, realizada pelo Espírito Santo, é o caminho que conduz à futura participação na Igreja triunfante.
O saudoso bispo Dom Henrique Soares da Costa, ao refletir sobre a santidade de Cristo e a que somos chamados e inseridos a partir do Batismo, nos deixou estas belas palavras:
(...) a nossa fé também nos ensina que este Deus santo e pleno, dobra-se carinhosamente sobre a humanidade – sobre cada um de nós – para nos dar a sua própria vida, para nos fazer participantes de sua própria plenitude, sua própria santidade (...) Eis quanta misericórdia: Deus, o único Santo, nos santifica pelo Filho no Espírito: “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!” É isto a santidade para nós: participar da vida do próprio Deus, sermos separados, consagrados por Ele e para Ele desde o nosso Batismo, para vivermos sua própria vida, vida de filhos no Filho Jesus! É assim que todo cristão é um santificado, um separado para Deus. [4]
Ser ou não ser Santo?
A solenidade de Todos os Santos é um poderoso lembrete da finalidade de nossas vidas: nascemos para sermos santos. A Igreja ensina que todos somos chamados à santidade, como lemos em um dos documentos do Concílio Vaticano II:
Com efeito, Cristo, Filho de Deus, que é com o Pai e o Espírito o único Santo, amou a Igreja como esposa, entregou-Se por ela, para a santificar (cf. Ef. 5, 25-26) e uniu-a a Si como Seu corpo, cumulando-a com o dom do Espírito Santo, para glória de Deus. Por isso, todos na Igreja, quer pertençam à Hierarquia quer por ela sejam pastoreados, são chamados à santidade, segundo a palavra do Apóstolo: «esta é a vontade de Deus, a vossa santificação» (1 Ts. 4,3; cf. Ef. 1,4). [5]
A santidade não é um privilégio de poucos, mas o chamado e a meta de vida de todos os cristãos. Jesus nos chama a sermos perfeitos como o Pai celestial é perfeito (cf. São Mateus 5, 48), e o exemplo dos santos nos mostra que isso é possível.
Cada um de nós, em nossa vida cotidiana, é chamado a uma grande união de amor com Cristo: no trabalho, na família, nas pequenas e grandes decisões. A santidade não se limita aos grandes atos heroicos de fé, mas se expressa também na fidelidade aos compromissos diários e no amor ao próximo por causa de Deus. Quanto mais nos unimos a Cristo e nos assemelhamos a Ele, mais seremos os santos que Deus sonha que sejamos.
(...) esta santidade que já possuímos deve, contudo, aparecer no nosso modo de viver, nas nossas ações e atitudes. E o modelo de toda santidade é Jesus, o Bem-aventurado. Ele, o Filho, foi totalmente aberto para o Pai no Espírito Santo e, por isso, foi totalmente pobre, totalmente manso, totalmente puro e abandonado a Deus no pranto, na fome de justiça e na misericórdia. Então, ser santo, é ser como Jesus, deixando-se guiar e transformar pelo seu Espírito em direção ao Pai. Esta santidade é um processo que dura a vida toda e somente será pleno na glória. São João nos fala disso na segunda leitura de hoje: “Quando Cristo se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é”. [6]
Os santos são, para nós, modelos a serem venerados, estudados e seguidos. Eles, cada qual com suas particularidades e temperamentos, trilharam o caminho da configuração a Cristo e mostram que, apesar das dificuldades, é possível viver plenamente a grande vocação que temos. Eles nos ensinam que a santidade não depende das circunstâncias externas, mas da nossa abertura e cooperação com a graça de Deus.
Para maior glória de Deus no tempo e na eternidade
Como escreveu Santo Inácio de Loyola: “O homem foi criado para louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor, e, mediante isso, salvar sua alma” [7]. A glória de Deus é, portanto, o fim último de todas as coisas. Cabe a nós nos perguntarmos como estamos vivendo nossa vida à luz dessa verdade. Estamos buscando a glória de Deus acima de tudo? Estamos permitindo que sua graça nos transforme para que possamos ser, também nós, santos?
Viver para a glória de Deus significa, no tempo presente, buscar fazer Sua vontade e, na eternidade, participar plenamente de Sua vida, conhecendo-O e amando-O ilimitadamente com um amor puro. Os santos no Céu já vivem essa realidade, mas também nós somos chamados a começar essa experiência aqui na terra.
Vivamos uma vida de total entrega a Deus, buscando glorificá-lo em cada uma de nossas ações, assim como fizeram os nossos irmãos maiores, os santos. Que, pela intercessão deles, possamos enfrentar todas as nossas dificuldades com fidelidade a Cristo, à Santa Igreja, como bons filhos de Maria e com generosidade sincera para com nossos irmãos — tanto os da terra quanto os do purgatório.
Que na segunda vinda do Senhor, Cabeça da Igreja, pela misericórdia divina, sejamos contados entre Seus membros santificados e gloriosos, juntos a esses nossos irmãos triunfantes.
Será sinal de honra quando Cristo vier e não mais se proclamará sua morte, e saberemos que nós estamos mortos com ele, e com ele escondida nossa vida. Aparecerá a Cabeça gloriosa e com ela refulgirão os membros glorificados, quando transformar nosso corpo humilhado, configurando-o à glória da Cabeça, que é ele mesmo. Com inteira e segura ambição cobicemos esta glória. Contudo para que nos seja lícito esperá-la e aspirar a tão grande felicidade, cumpre-nos desejar com muito empenho a intercessão dos santos. Assim, aquilo que não podemos obter por nós mesmos, seja-nos dado por sua intercessão. [8]
Que todos os santos e santas do céu intercedam por nós!
Referências:
[1] Quando o dia 02 de novembro, dia da comemoração de Todos dos Fieis Defuntos, cai no domingo, celebra-se a solenidade de Todos os Santos no próprio dia 1º de novembro.
[2] Os primeiros relatos dessa celebração dos mártires, realizada no domingo após o dia de Pentecostes, encontram-se nos escritos de São João Crisóstomo, em Antioquia.
[3] BENTO XVI. Homilia durante a celebração da Santa Missa na Solenidade de Todos os Santos. 1 de Novembro de 2006.
[4] Dom Henrique Soares da Costa. Homilia Solenidade de Todos os Santos.
[5] Concílio Vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja. nº 39.
[6] Dom Henrique Soares da Costa. Homilia Solenidade de Todos os Santos.
[7] Santo Inácio de Loyola. Exercícios Espirituais - Princípio e Fundamento (23,2).
[8] São Bernardo, Abade. Dos Sermões - Sermo 2: Opera omnia, Edit. Cisterc. 5[1968],364-368. Séc. XII.