Espiritualidade

São Luís Gonzaga: um exemplo para o mundo moderno

São Luís Gonzaga permanece como testemunha viva de que vale a pena viver para o céu e que nenhuma renúncia feita por amor a Deus é vã.

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O que leva um jovem a trocar títulos, fortuna e prazeres por uma vida de oração, jejum e serviço aos doentes? Enquanto o mundo celebra o culto do prazer imediato e do ego soberano, a Igreja nos aponta com doçura e firmeza para um exemplo de força serena e amor radical: São Luís Gonzaga.

Vivemos em tempos onde se confunde muito liberdade com autossatisfação, maturidade com transgressão, realização com prazer imediato. Numa cultura em que a pureza é ridicularizada e o sacrifício é visto como repressão, figuras como São Luís de Gonzaga soam, à primeira vista, quase ininteligíveis — como se fossem relíquias de uma época irremediavelmente superada. Mas, quanto mais se esvazia o sentido da vida no barulho das redes, nos apelos de uma sexualidade desordenada e na ilusão de uma autonomia absoluta, mais sentimos fome do silêncio, da entrega e da luz que irradia de vidas como a de São Luís.

Não se trata de nostalgia. Não é prender-se a uma realidade do passado que não fala mais aos tempos de hoje. Trata-se de discernir aquilo que, apesar dos tempos, permanece. Se há um projeto que atravessa os séculos com o mesmo fulgor do início, sem dúvidas é o da santidade. Santidade que se aplica a todos os ambientes, contextos e classes sociais.

São Luís foi jovem, belo, herdeiro de um trono, formado no centro do poder europeu — mas escolheu renunciar a tudo por amor a Cristo. Num tempo em que a cultura propõe a autodeificação do eu, ele responde com a lógica do Cordeiro: “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para a redenção de muitos” (cf. Mt 20,28).  Isso nos leva a perguntar: o que leva um jovem a abrir mão de tudo? Que valor há no sacrifício, na penitência, na castidade e na renúncia de si? E por que, séculos depois, sua vida continua a inquietar e converter corações?

Um Anjo com Coração de Mártir

Nascido em 9 de março de 1568, no castelo de Castiglione delle Stiviere, na Lombardia, São Luís era primogênito do marquês Ferrante Gonzaga e de D. Marta Tana, dama da corte da rainha da Espanha. É curioso observar que desde o ventre materno, a providência divina demonstrava traços de uma singular eleição: sua mãe, passando por um parto difícil, fez um voto à Mãe de Deus de levar o filho em peregrinação ao seu santuário em Loreto se viesse a sobreviver — o que de fato ocorreu. O pequeno Luís sempre demonstrou um comportamento diferente das outras crianças. Há relatos de que os criados que o pegavam nos braços testemunhavam sentir um respeito singular, como se carregassem “um anjo do céu”.

A mãe, desde tenra idade, ensinou os princípios do Evangelho ao pequeno de forma profunda e dedicada. O pai, pensando provavelmente em um sucessor adequado, optou por dar uma educação esmerada ao filho, com fortes traços militares. Educado entre os soldados - os quais acompanhou ainda pequeno em manobras táticas -, não deixou-se influenciar pelo ambiente hostil das más influências e do palavrório das tropas.

É curioso observar que, apesar de ter acesso aos luxos e às cortes europeias, São Luís começou a vida de oração e penitência muito cedo. Com apenas sete anos, afirmava que aquela era “a idade de sua conversão”. Rezava diariamente, lia vidas de santos e evitava qualquer forma de distração mundana. É famoso o episódio em que, aos dez anos, diante da imagem da Anunciação, fez um voto perpétuo de castidade — e, por uma graça especialíssima, conservou-se sempre imune a qualquer agitação da concupiscência da carne.

Foi, contudo, aos treze anos, já profundamente dado à oração mental e aos jejuns, que amadureceu no coração o desejo de consagrar-se inteiramente a Deus. Em meio a grandes resistências familiares, especialmente do pai, renunciou ao direito de sucessão do marquesado de sua família em favor de seu irmão e decidiu-se pela vida religiosa.

Não pensemos que essa escolha foi fácil. O pai alimentava grandes ambições para o seu primogênito e não aceitava que ele trocasse o título de príncipe herdeiro por uma vida de pobreza e obediência religiosa. Tentou de diversas formas demovê-lo: fez ameaças, promessas de poder e até insistiu para que escolhesse outra ordem onde ao menos pudesse tornar-se bispo um dia — como era comum entre nobres que desejavam uma “carreira eclesiástica”.

A resistência foi tamanha que o pai, certa vez, chegou a proibir que Luís continuasse a frequentar os sacramentos e a oração prolongada. Mas o jovem, com respeito e firmeza, respondeu que preferia renunciar à herança, à própria casa e até ao pai, do que faltar à voz de Deus. Diante dessa obstinação serena e de sua conduta irrepreensível, o marquês teve de ceder. Foi então que com apenas 17 anos, ajoelhou-se aos pés do Superior Geral da Companhia de Jesus, em Roma, pedindo para ser admitido na ordem. Mais tarde, o próprio pai, comovido, reconheceria a nobreza da decisão do filho.

O jovem noviço desde cedo se destacou pela pureza angelical, pela obediência sem reservas e por um espírito de penitência que tocava a todos ao seu redor. Sua vida foi breve, mas muito intensa. Praticava severas mortificações corporais, dedicava-se a prolongadas orações — especialmente noturnas — e meditava com tamanha profundidade que frequentemente era encontrado em êxtase. A direção desta grande alma, totalmente entregue a Deus, por desígnio da divina providência, foi entregue a outro grande amigo de Cristo: São Roberto Belarmino.

Os primeiros contatos destes dois gigantes da vida espiritual se deram em 1585. Desde o princípio, aquele que viria a ser reconhecido como Doutor da Igreja, reconheceu em Luís uma alma extraordinária. Não era apenas um jovem piedoso — era alguém que já vivia numa profunda união com Deus, de forma que, segundo o próprio Belarmino, parecia “confirmado na graça”. Durante as confissões, São Luís se acusava com tanto rigor e dor por faltas mínimas — como uma distração em oração ou um impulso natural de vaidade contido — que São Roberto, afirmou, posteriormente, que o seu dirigido nunca havia cometido um pecado mortal.  

Estas virtudes heróicas e impulsos de oração profunda ficaram ainda mais evidentes com a chegada da peste negra que assolou Roma em 1591. O jovem jesuíta ofereceu-se então para cuidar dos doentes, acolhendo-os e lavando-lhes as feridas com suas próprias mãos quando ninguém mais, por medo de contaminar-se, queria fazê-lo. Como Cristo, São Luís “amou até o fim” (cf. Jo 13,1).

Certa vez, encontrou, abandonado na rua, um homem semi-morto e coberto de chagas. Sem hesitar, colocou-o nos ombros, levou-o ao hospital e o assistiu até o último suspiro. Foi logo depois disso que começou a apresentar os sintomas da doença — febres, fraqueza e delírios.  No dia 21 de junho de 1591, aos 23 anos, morreu repetindo: “Introibo ad altare Dei” — “Subirei ao altar de Deus”. Logo antes de sua partida, escreveu uma carta à sua mãe que exprime com clareza a serenidade e o amor que moldaram seus últimos momentos. Em vez de lamento, ela respira eternidade:

Na verdade, ilustríssima senhora, confesso-te que me perco e arrebato quando considero, na sua profundeza, a bondade divina. Ela é semelhante a um mar sem fundo nem limites, que me chama ao descanso eterno por um tão breve e pequeno trabalho...”.

Canonizado por Bento XIII em 1729 - que também o declarou padroeiro da juventude - São Luís de Gonzaga é tido como modelo para os jovens de todos os tempos, sobretudo num mundo cada vez mais seduzido pelos prazeres e afastado da vida espiritual. Sua memória segue viva na Igreja, que o honra como um farol de pureza, sacrifício e amor incondicional a Deus, especialmente necessário para os tempos em que a juventude se vê tragada por tantas ilusões mundanas.

O amor que transforma: São Luís Gonzaga e a nossa vida cotidiana

A vida de São Luís Gonzaga se revela hoje como um convite renovado à pureza de alma, à penitência, ao sacrifício, à renúncia de si e a um amor entregue a Deus. Mas como podemos fazer da sua vida um exemplo para a nossa? Não seria uma forma tão radical de vida ultrapassada, sobretudo em um mundo que não aceita mais ouvir nada que contrarie os seus instintos e impulsos? Vejamos.

São Luís viveu uma pureza heroica, mantendo-se casto desde criança. Mas foi exatamente esta virtude angelical que, no coração do Colégio Romano, se tornou farol para seus irmãos. Sua castidade não foi apenas ausência de pecado, mas um estado de alma profundamente enamorada de Deus, que vivia já nesta terra como se estivesse no céu.

Nos tempos atuais, em que a castidade é ridicularizada e a sexualidade desordenada se converteu em norma cultural, São Luís se ergue como um farol que ilumina o caminho de volta à integridade do coração. Não se trata de um moralismo estéril, mas de liberdade interior verdadeira: aquela que torna o homem senhor de si, capaz de amar com pureza e servir com inteireza.

No padroeiro da juventude, vemos a possibilidade concreta de viver uma vida luminosa, serena, fecunda, pois ele mostra que o corpo pode ser templo, que os afetos podem ser ordenados e que o amor mais forte é o que sabe esperar e se ofertar. Para um mundo fragmentado pelo desejo e pela pressa, a pureza do jovem jesuíta é um testemunho de que é possível, sim, viver com o coração limpo e os olhos voltados para o céu — sem deixar de amar intensamente, mas com um amor redimido. Castidade não é repressão, é antes, liberdade interior: uma alma livre da escravidão dos instintos, capaz de escolher Deus antes de qualquer prazer imediato.

Um comentário deve ser feito a respeito de suas penitências. São Luís praticava jejuns extremos, austeridades e mortificações corporais. Tudo isso sempre foi orientado por uma espiritualidade profunda: tudo era sempre alimentado por amor, não por ostentação. É preciso ressaltar que suas penitências estavam sempre de acordo com o estado de vida em que ele estava inserido. A vida religiosa, como é de se deduzir, permite mais concessões que a vida laical, de pessoas que precisam trabalhar todos os dias. Isso invalida seus esforços como exemplos? De forma alguma.

Nos dias atuais, precisamos resgatar a dimensão da penitência, mas de forma inteligente: valem mais pequenas mortificações cotidianas (jejum, renúncia a redes sociais, orações incômodas) – que nos ajudam a crescer em uma intimidade profunda com o Senhor - do que grandes sacrifícios que nos impedem de bem cumprir a vocação para a qual fomos chamados. É preciso renunciar voluntariamente a tudo que nos afasta da verdade, sejam coisas grandes ou pequenas: vaidades, ideologias de autoafirmação, projetos pessoais desenraizados do evangelho… A boa renúncia deve, como no santo, gerar serenidade interior. Deve ser capaz de transformar o mundano em sagrado, santificar o século que estamos inseridos. São Luís, ao meditar sobre sua própria morte, enxergava o sacrifício não como perda:

“Se Deus toma de nós aquilo que havia emprestado, assim procede com a única intenção de colocá-lo em lugar mais seguro e fora de perigo, e nos dar aqueles bens que desejamos dele receber”.

O amor a Deus alimentava toda a espiritualidade de São Luís. Ele dedicava horas à adoração eucarística diária, com preparações meticulosas pré e pós-comunhão, fazendo um profundo ato de presença de Deus todos os dias. Podemos fazer aqui um breve exame de consciência: Hoje, diante de tanta correria e superficialidade, estamos retomando esse caminho de frequência generosa à Eucaristia? Encontramos nela alimento, força e o fogo do amor que nos fazem resistir aos enganos do mundo?

Mergulhados em uma lógica de pressa permanente, onde a produtividade ameaça devorar os espaços sagrados, o exemplo de São Luís nos interpela: qual é o lugar real da Eucaristia em nossa vida? Para quem trabalha, estuda, cuida de família e vive na correria das obrigações legítimas, a imitação literal da prática de Luís pode parecer impossível. No entanto, seu amor pela Eucaristia pode nos inspirar soluções práticas e acessíveis. A começar por restituir à Missa dominical seu caráter sagrado e inviolável. Organizar o fim de semana em torno da Santa Missa — e não o contrário — já é um ato contracultural de adoração. Nos dias úteis, acordar dez minutos mais cedo para uma comunhão espiritual consciente, ou passar alguns minutos em silêncio diante do Sacrário antes de iniciar o expediente, é uma forma concreta de manter viva a chama do altar.

O que São Luís nos ensina é transformar toda ação cotidiana em prolongamento da Missa. Se não posso estar fisicamente diante do Senhor, posso oferecer-Lhe meu trabalho como oblação, minha fadiga como incenso, minha obediência como hóstia espiritual. O santo não nos convida a fugir do mundo, mas a tornar Deus presente em cada situação da vida. Mesmo num escritório, numa oficina ou numa sala de aula, posso estar interiormente no altar. É isso que ele nos mostra: a adoração não é só estar diante do ostensório, mas deixar-se consumir por amor em cada detalhe do dia, com o coração sempre voltado para o Cordeiro imolado.

No leito de morte, com estas palavras, São Luís consola a sua mãe - e a todos nós:

Esta separação não será longa; no céu nos tornaremos a ver”.

Sua vida, e ainda mais sua morte, nos recordam que nenhuma renúncia feita por amor a Deus é vã. Pelo contrário, tudo o que se entrega aqui, floresce em glória na eternidade. São Luís Gonzaga permanece como testemunha viva de que vale a pena viver para o céu.

Referências

Virgílio Cepari. São Luíz de Gonzaga da Companhia de Jesus. Tradução de Miguel Tavani.

São Luiz Gonzaga. Carta escrita por São Luís Gonzaga à sua mãe. Acta Sanctorum, Iuni, 5,578.