Todos sabem que Nossa Senhora Aparecida é a padroeira do Brasil, e muitos também estão cientes de que São José de Anchieta, canonizado em 2014, foi em seguida proclamado co-padroeiro do país em 2015, pelo Papa Francisco.
No entanto, há um padroeiro anterior, menos lembrado nos dias de hoje, mas que se destaca como um grande modelo de santidade e poderoso intercessor para a nossa nação: São Pedro de Alcântara, o primeiro padroeiro do Brasil.
O início de sua vida
São Pedro de Alcântara, nascido em 1499 na Espanha, é um dos grandes santos da Igreja, cuja vida dedicada à oração, penitência e caridade inspirou muitos de seus contemporâneos e gerações posteriores.
Desde jovem, Pedro demonstrou um profundo desejo pela vida religiosa. Nascido em uma família nobre e rica, seu pai quis que ele estudasse direito. Esperava-se que ele seguisse uma carreira prestigiosa. Aos 14 anos, foi enviado para a famosa Universidade de Salamanca, onde se dedicou ao estudo das ciências sagradas. Ao mesmo tempo, continuou levando uma vida de oração e recolhimento, esforçando-se para crescer em virtude. [1]
Embora tenha enfrentado tentações relacionadas às honras que sua nobreza lhe oferecia, ele superou essas dificuldades por meio da oração e da mortificação. Aos 16 anos, decidiu renunciar ao mundo e servir a Deus na Ordem Franciscana.
Chamado de Deus e a família da terra
A decisão por uma vida de pobreza e penitência foi vista como uma escolha drástica para alguém de sua posição social e, por isso, ele sofreu forte resistência familiar. É muito comum na vida dos santos, ao escolherem a vida religiosa, enfrentarem a oposição de suas famílias, especialmente quando esses santos vinham de contextos abastados. Nada que Nosso Senhor não tenha nos alertado:
Julgais que vim trazer paz à terra? Não, digo-vos, mas separação. Pois de ora em diante haverá numa mesma casa cinco pessoas divididas, três contra duas, e duas contra três; estarão divididos: o pai contra o filho, e o filho contra o pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora, e a nora contra a sogra (Lc 12, 51-53).
Como religioso, sua vida foi marcada por uma busca incansável pela união com Deus, através da oração, do silêncio e da penitência. Mesmo entre os franciscanos, Pedro se destacou pela severidade de suas práticas penitenciais, que incluíam jejuns prolongados e noites passadas em oração.
A penitência e o coração ardente
Após sua ordenação em 1524 e “impulsionado pelo zelo das almas, dedicou-se com grande fruto à pregação”, [2] movendo corações com suas palavras ardentes e virtudes heroicas, levando muitos à conversão. Apesar de suas obras de evangelização, São Pedro manteve uma vida de austeridade rigorosa.
Ele usou um cilício de ferro por vinte anos e, durante quarenta anos, dormiu apenas uma hora e meia por noite, encostado em um pedaço de madeira preso à parede. Quando aconselhado a reduzir suas mortificações, ele respondeu: “Entre meu corpo e eu há um pacto: meu corpo prometeu deixar-se maltratar na terra e eu prometi deixá-lo descansar no céu”. [3]
Em 1554, Pedro obteve licença para consagrar-se a uma observância mais estrita da Regra. Começou então a acolher seguidores, a quem introduziu em uma vida de pobreza ainda mais austera, com jejuns rigorosos, intensas penitências e períodos prolongados de oração.
É impressionante como, quanto mais os santos se dedicam com ardor e alegria à penitência e à piedade, mais eles atraem almas ao seu redor.
São Pedro também instituiu uma reforma em sua própria ordem, dos Capuchinhos, conhecida como “estrita observância”. Faleceu em 19 de outubro, no mosteiro de Arenas, em odores de santidade. [4]
A vida penitente, uma força para nossa santidade
Embora a maioria de nós não leve uma vida consagrada estritamente penitente, o exemplo de São Pedro de Alcântara serve como uma luz que podemos refletir em nossas vidas. Ele nos ensina o valor de buscar a santidade, mesmo em meio às nossas circunstâncias cotidianas, sem apegos excessivos ao conforto ou aos prazeres mundanos.
Para evitar chegarmos ao fim da vida com arrependimentos, por ter buscado apenas o conforto e os gozos passageiros, aqui ficam algumas recomendações que podemos seguir, inspirados no exemplo de São Pedro:
- Praticar o desapego aos excessos e buscar uma vida mais simples, priorizando o essencial e espiritual.
- Nunca permita que seu corpo se entregue a diversões impuras.
- Não permita que desconfortos como calor, frio ou outras dificuldades o afastem de servir a Deus. Também, evite conceder ao corpo mais horas de sono do que o necessário, mantendo o equilíbrio e a disciplina.
- Prive-se, às vezes, até de algum prazer legítimo, para se penitenciar por ter ofendido a Deus com prazeres pecaminosos do passado. Embora o conforto faça parte da vida moderna, podemos praticar a moderação, não deixando que o bem-estar físico nos afaste das nossas obrigações para com Deus e com o próximo.
- Mesmo não praticando as mortificações extremas de São Pedro, podemos adotar pequenas práticas de mortificação, como jejuns periódicos e rezar de joelhos, oferecendo esses sacrifícios a Deus.
- Como São Pedro de Alcântara fez, devemos lembrar que o serviço aos outros, especialmente aos mais necessitados, é um caminho seguro para nos aproximarmos de Deus.
A relação de São Pedro de Alcântara com o Brasil
Agora, cabe nos perguntar: se São Pedro de Alcântara era espanhol, nunca esteve no Brasil, e o Brasil era colônia de Portugal, qual é a relação desse santo com o nosso país?
A ligação entre São Pedro de Alcântara e o Brasil remonta ao seu papel de evangelizador em Portugal no século XVI. Durante esse período, ele exerceu uma grande influência espiritual sobre a corte portuguesa, que o admirava por sua vida de oração, austeridade e compromisso com a Igreja, que enfrentava a rebelião protestante.
O impacto de sua personalidade não apenas consolidou sua reputação como uma figura de referência católica em Portugal, mas também fomentou uma devoção duradoura que se estendeu por gerações, como é o caso de D. Pedro I, o primeiro imperador do Brasil.
Dom Pedro I, que compartilhava o mesmo nome do santo, reconhecia nele um modelo de santidade e virtude. Foi então por esse motivo que, em 1826, o Papa Leão XII, a pedido de Dom Pedro I, proclamou São Pedro de Alcântara padroeiro do Brasil.
Memória do povo brasileiro
Talvez, uma triste característica do povo brasileiro é ter uma certa tendência a esquecer sua própria história e a negligenciar os vínculos espirituais que foram fundamentais na formação católica de nossa nação. A falta de valorização de nossas raízes e tradições muitas vezes resulta em uma desconexão com os elementos que moldaram nossa identidade, tanto cultural quanto espiritual.
Após a instauração da República em 1889, a memória de São Pedro de Alcântara, até então muito associada ao regime monárquico, foi-se apagando aos poucos da piedade popular brasileira e perdendo, assim, reconhecimento público.
Independentemente de nosso esquecimento, o que o sucessor de São Pedro Apóstolo — neste caso, o Papa Leão XII — ligou na terra, foi ligado no céu (cf. São Mateus 16, 18-19). Por isso, temos ainda — e sempre teremos — um poderoso intercessor junto a Jesus por nós: São Pedro de Alcântara, agora unido à proteção de Nossa Senhora Aparecida.
Seus cuidados permanecem presentes sobre o Brasil, garantindo que, mesmo em nossa frágil memória, a intercessão celestial continue a nos acompanhar.
Ainda outra mensagem espiritual para nós
Além disso, talvez Deus, pelo patronato de São Pedro de Alcântara sobre o Brasil, esteja nos mostrando uma outra lição espiritual. São Pedro de Alcântara morreu sem imaginar que seria venerado em terras distantes que ele nunca conheceu. Ele sequer cogitou a possibilidade de que três séculos após sua morte, ele seria escolhido por Deus, e outorgado pelo Papa da época, como patrono de uma nação em outro continente.
Isso nos ensina algo profundo. São Pedro de Alcântara, em sua vida de austeridade amorosa, entregava tudo a Deus, que acolhia sua generosidade e a transformava em frutos de santidade e proteção espiritual, alcançando horizontes muito além do que São Pedro poderia imaginar ou compreender.
Vejam: nossa própria vida de penitência e oração pode gerar frutos em lugares que nem conhecemos, em almas distantes, tanto geograficamente quanto espiritualmente. Tenham certeza de que Deus observa a nossa entrega, mesmo nos pequenos gestos ocultos do cotidiano, e, com ela, constrói algo grandioso, que pode impactar a vida de outras pessoas de maneiras que vão além do que nossa visão ou razão podem alcançar.
A relação de São Pedro de Alcântara com o Brasil é um exemplo claro disso. Sua entrega, mesmo sem saber, alcançou nossa nação, mostrando que o impacto de nossa fé e amor a Deus ultrapassa barreiras físicas e temporais.
Os santos se encontram: a relação com Santa Teresa D’Ávila
São Pedro de Alcântara, além de seu papel de reformador dos Capuchinhos, foi também confessor e diretor espiritual de Santa Teresa d’Ávila. Durante os anos em que a Santa empreendia a reforma do Carmelo, São Pedro lhe ofereceu conselhos valiosos, apoio espiritual e encorajamento em sua missão.
Santa Teresa, em seus escritos, expressa grande admiração por São Pedro, descrevendo-o como um homem de extraordinária penitência e profunda santidade.
E que bem nos levou agora Deus no bendito frei Pedro de Alcântara! O mundo já não suporta tanta perfeição. Dizem que a saúde das pessoas é mais fraca e já não vivemos nos tempos passados. Esse santo homem era desse tempo. Estava saudável no espírito como em outros tempos e, assim, tinha o mundo debaixo de seus pés. Pois, ainda que não se ande descalço nem se faça penitência tão dura como ele, há muitas coisas — como já disse outras vezes — para pisar o mundo. E o Senhor mostra-as quando vê coragem. E que grande coragem deu Sua Majestade a esse santo de que falo, para fazer durante 47 anos penitência tão dura, como todos sabem. [5]
A admiração mútua entre os dois santos exemplifica o impacto que Pedro de Alcântara teve na vida espiritual de muitas pessoas, especialmente aquelas que, como Santa Teresa, buscavam uma verdadeira vida segundo o Espírito Santo.
Hino a São Pedro de Alcântara
Concluímos nossa reflexão de hoje entoando o hino que toda a Igreja, na Liturgia das Horas, eleva a Deus em honra a este grande santo, que o Senhor confiou ao nosso cuidado e proteção:
Pedro, ao céu onde subiste,
nosso louvor te acompanha,
sol que no mundo refulge,
nascido em terras de Espanha.
Por teu fervor se restaura
a disciplina de outrora,
E eis que o jardim franciscano
de novas rosas se enflora
As pompas do mundo foges,
buscando apenas o eterno;
Tua oração e pureza
vencem as forjas do inferno.
Com teus jejuns e flagelos,
os castos membros dominas,
e à noite o corpo cansado
em duras tábuas reclinas.
Nossos pedidos escuta,
busquem os teus vida pura;
chegue até́ nós tua ajuda,
que a salvação assegura
Pedro de Alcântara ouvindo,
ao Pai e ao Filho louvemos,
e ao que de ambos procede
honra sem fim tributemos.
Peçamos a intercessão de São Pedro de Alcântara por nossa nação, por nossos governantes e pela fidelidade à nossa vocação católica no mundo. Que ele nos proteja de todo o mal político e espiritual e inspire nossos líderes a seguirem os caminhos da justiça.
Que seu exemplo de austeridade e oração nos ajude a viver com mais santidade e dedicação ao Evangelho.
São Pedro de Alcântara, rogai por nós!
Referências
[1] Father Silas Barth, O.F.M. Franciscan Herald, October 1913. CatholicSaints.Info. 4 October 2022. Web. 14 October 2024
[2] Ofício das Leituras, em sua memória litúrgica.
[3] Father Silas Barth, O.F.M. Franciscan Herald, October 1913. CatholicSaints.Info. 4 October 2022. Web. 14 October 2024.
[4] Eleanor Cecilia Donnelly. “Saint Peter of Alcantara, Confessor”. Short Lives of the Saints, 1910. CatholicSaints.Info. 22 April 2021. Web. 14 October 2024.
[5] Santa Teresa de Jesus. Livro da Vida. Capítulo 27. Nº 16.