Eu fui batizado, e você também. O batismo que Jesus recebeu não foi o sacramento do batismo, mas sim o batismo de João. Para entender por que Jesus foi batizado, é preciso conhecer primeiro o que era o batismo que São João Batista ministrava no rio Jordão.
O Batismo de João
O que era o Batismo de João? E como podemos entendê-lo?
São João Batista ministrava um batismo de arrependimento dos pecados. Não se tratava de um batismo sacramental, como o que nós recebemos na pia batismal, mas sim de um ritual que marcava a necessidade de arrependimento e mudança de vida:
O Batismo de João tornava explícita a necessidade de purificação interna, mas não a realizava de modo sacramental. João estava consciente de que seus discípulos deveriam também receber o verdadeiro Batismo do Messias. [1]
Naquela época havia alguns ritos judaicos com água. O batismo de João era um rito com água, mas não era reiterável. A ideia era de mudança de vida. Além disso, o seu batismo anunciava a vinda de alguém maior (São João 1, 30). Este é um elemento essencial, como nos ensina o Papa Bento XVI:
[O batismo de João] está ligado a um veemente apelo a um novo modo de pensar e agir, ligado sobretudo ao juízo de Deus e à proclamação de alguém maior que há de vir depois de João. [2]
O Rio Jordão
O batismo de João acontecia no rio Jordão, que é o principal rio da Palestina. Não se tratava apenas de um local geográfico. Esse rio tinha um sentido espiritual, baseado no Antigo Testamento.
Foi atravessando o rio Jordão que os israelitas chegaram à Terra Prometida, depois de fugirem do Egito (Js 3, 14-17). Foi também nele que Naamã foi curado da lepra. Ele não pertencia a Israel, portanto era um “gentio”. (2 Rs 5, 14).
Levando em conta esse duplo pano de fundo, o ministério de João, então, prepara a salvação tanto de Israel quanto dos gentios pelo Messias. [3]
O Batismo de Jesus
O impacto do batismo de João no rio Jordão foi muito forte. Era um anúncio claro da ação de Deus na história, chamando o povo ao arrependimento. Muitas pessoas acorriam de toda parte para recebê-lo:
Toda a região da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém iam ter com ele, e eram por ele batizados no rio Jordão, confessando seus pecados. (Mc 1, 5)
Mas algo inesperado aconteceu. De tão inesperado, continua a surpreender a humanidade até hoje:
Naqueles dias, Jesus veio de Nazaré da Galileia e foi batizado por João, no rio Jordão. (Mc 1, 9)
Jesus foi batizado por João. Como é possível que Jesus, o Salvador, tenha recebido o batismo de João? O batismo de João anunciava a Jesus, e o próprio Jesus quis ser batizado! Imagine a perplexidade de João, que chegou a dizer:
“Eu é que devo ser batizado por ti e tu vens a mim?” (Mt 3, 14)
Jesus sempre nos surpreende. A Sua humildade chega ao ponto de receber o batismo sem precisar. Ele quis ser batizado.
Mas por que Jesus Quis Ser Batizado?
Recebendo o batismo de João, o Senhor se deixou contar entre os pecadores. Foi um ato de identificação com todos nós. Ele iniciou a Sua vida pública caminhando em direção à Cruz e, portanto, à Ressurreição. É nesse sentido que o Papa Bento XVI entende que o Batismo de Jesus antecipa a Cruz:
Ele inaugura o seu ministério inserindo-se no lugar dos pecadores. Ele inaugura-o com a antecipação da cruz. [4]
Santo Tomás de Aquino ensinava que, aceitando o Batismo de João, Jesus confirmava que esse batismo era uma preparação para o verdadeiro Batismo. O sacramento do Batismo é um mistério que acontece por meio da água:
Jesus, ao ser batizado, purificou a água, deixando-a limpa com o contato de sua carne santíssima e conferindo-lhe, assim, a virtude de santificar os que depois dele haviam de ser batizados. Por isso, podemos dizer que Jesus foi batizado, não para purificar-se, mas para purificar-nos. [5]
O Sacramento do Batismo
Partindo do Batismo de Jesus, chegamos agora ao nosso batismo, que é o verdadeiro batismo. São Paulo não mediu palavras ao elogiá-lo, chamando o Sacramento do Batismo de “banho da regeneração e renovação do Espírito Santo” (Tt 3, 5).
Para melhor entendermos a importância deste sacramento, que é o fundamento de toda a vida cristã e porta de entrada para todos os outros sacramentos, convém ler estas palavras do Doutor da Igreja São Gregório Nazianzeno:
O Batismo é o mais belo e o mais magnífico dom de Deus. (...) Chamamo-lo de dom, graça, unção, iluminação, veste de incorruptibilidade, banho de regeneração, selo, e tudo o que existe de mais precioso. Dom, porque é conferido àqueles que nada trazem; graça, porque é dado até a culpados; Batismo, porque o pecado é sepultado na água; unção, porque é sagrado e régio (tais como são os ungidos); iluminação, porque é luz resplandecente; veste, porque cobre nossa vergonha; banho, porque lava; selo, porque nos guarda e é o sinal do senhorio de Deus. [6]
Não há exagero nessas palavras. Elas expressam o que o Senhor ensinou:
Em verdade, em verdade te digo: se alguém não nascer da água e do Espírito, não poderá entrar no Reino de Deus. (Jo 3, 5)
O Santo Batismo produz uma transformação na alma, fazendo do batizado um filho adotivo de Deus (Gl 4, 5-7), participante da natureza divina (2 Pe 1, 4). O batizado recebe então o poder de viver e agir sob a moção do Espírito Santo.
Como é grande o dom do Santo Batismo! Todos nós temos um organismo natural, biológico; no batismo nós recebemos um outro organismo, que é invisível:
Todo organismo da vida sobrenatural do cristão tem sua raiz no santo Batismo. [7]
Infelizmente, hoje em dia algumas famílias católicas minimizam a importância de batizar os seus filhos. Sem justa causa, esperam a criança atingir a maioridade para que ela mesma decida. Será que essa atitude nos convém? Ela contraria o que o Senhor pediu à Sua Santa Igreja:
Ide, pois, e fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. (Mt 28, 19)
Você não esperou que seu filho crescesse para lhe dar um nome, alimento, vestuário, educação, por que vai esperar que ele cresça para lhe dar o Banho da Regeneração? E será que, sem a graça batismal, ele conseguirá decidir bem o que quer para si mesmo?
Mergulhando no rio Jordão
Contemplemos Jesus descendo o rio Jordão. Ele levou os nossos pecados ao fundo do rio, iniciando os três anos de vida pública até a Sua Paixão e Ressurreição. Aquele batismo no Jordão foi uma preparação para o verdadeiro batismo, o Sacramento do Batismo; aquele que você e eu recebemos na pia batismal.
Celebrar o mistério do Batismo de Jesus é uma ocasião para meditarmos sobre o nosso batismo. Ele é a porta de acesso à vida cristã, a verdadeira vida da graça.
Referências
[1] Hahn, Scott; Mitch, Curtis; Walters, Dennis. O Evangelho de São Marcos: Cadernos de Estudos Bíblicos Campinas, SP: Ecclesiae, 2014. p. 28.
[2] Bento XVI. Jesus de Nazaré: do batismo à transfiguração. São Paulo: Planeta, 2016. p. 31.
[3] Hahn, Scott; Mitch, Curtis; Walters, Dennis. O Evangelho de São Marcos: Cadernos de Estudos Bíblicos Campinas, SP: Ecclesiae, 2014. p. 28.
[4] Bento XVI. Jesus de Nazaré: do batismo à transfiguração. São Paulo: Planeta, 2016. p. 33.
[5] Santo Tomás de Aquino. Suma Teológica III, q. 39, a. 1, co
[6] São Gregório Nazianzeno. Orationes 40, 3-4.
[7] Catecismo da Igreja Católica, 1266.