A Igreja reconhece em Maria a maior realização da fé que já existiu. Ela obedeceu a Deus em tudo, até o fim. Foi maior até mesmo que Abraão na fé. Quando meditamos sobre a vida de Maria, encontramos em contato com a obra de Deus nela.
A Igreja venera em Maria a realização mais pura da fé. [1]
Hoje vamos meditar sobre um momento muito especial na vida de Maria. Após a Anunciação do Anjo, tendo concebido do Espírito Santo, Ela foi ao encontro de sua prima Isabel na região de Judá.
Meditar sobre essa passagem nos conduz ao Antigo Testamento. Há uma unidade entre o Antigo e o Novo Testamento no plano de Deus. Contemplando a realização das profecias, podemos entender e amar mais Jesus Cristo.
O que a fé católica crê acerca de Maria funda-se no que ela crê acerca de Cristo, mas o que a fé ensina sobre Maria ilumina, por sua vez, sua fé em Cristo. [2]
Neste artigo, você vai aprender porque invocamos Maria como Arca da Aliança na Ladainha de Nossa Senhora. Primeiro, vamos entender o que era a Arca da Antiga Aliança. Depois, veremos com mais detalhe as três relíquias que ela continha. Em seguida, será o momento de estudarmos como a exclamação de Isabel se vincula ao Antigo Testamento. Por fim, nós veremos a realização da prefiguração da Arca em Nossa Senhora.
A Arca da Antiga Aliança
A Bíblia não foi escrita em português. Quando lemos o relato da Visitação de Nossa Senhora a Isabel, não percebemos como a linguagem usada por São Lucas no original recorda a ida de Davi para Jerusalém com a Arca da Aliança.
A linguagem de Lucas parece ecoar a narração, no segundo livro de Samuel, das viagens de Davi para trazer a Arca da Aliança para Jerusalém. [3]
Mas o que era a Arca da Aliança? Tratava-se de um baú feito de madeira de acácia, revestido de ouro puro por dentro e por fora (Ex 25, 10-11). Trazia sobre si o propiciatório, que era uma peça retangular feita de ouro puro (Ex 25, 17). Nas extremidades, havia duas imagens de anjos querubins, cujas asas cobriam o propiciatório (Ex 25, 19-20).
Dentro da arca, mantinham-se três relíquias de grande importância para a história da Salvação. Você sabe quais são? Elas se referiam diretamente à ação de Deus na história de Israel. Por isso, são de enorme importância para todos nós.
A arca continha a aliança, o que a fez se tornar santa. Dentro dessa caixa de ouro estavam os dez mandamentos, a Palavra de Deus escrita pelo dedo de Deus; o maná, o pão milagroso enviado por Deus para alimentar seu povo no deserto; e o cajado sacerdotal de Aarão. [4]
Três Relíquias
Vejamos com mais detalhes cada um das três relíquias:
1. As Tábuas dos Dez Mandamentos
Os dez mandamentos que Deus revelou a Moisés foram escritos em duas tábuas (Dt 5, 22). Eles transmitem a Lei de Deus. Também são conhecidos como “dez palavras” ou “Testemunho”, mas o conteúdo é o mesmo. Essas tábuas eram guardadas na arca da aliança.
E na arca porás as tábuas do Testemunho, que eu te darei. (Ex 25, 16).
2. O Maná
Você já ouviu falar do maná? Ao longo da peregrinação de Israel no deserto, o Senhor lhe providenciava um misterioso pão que caía do Céu. Era chamado de maná. Um punhado deste alimento foi armazenado na Arca da Aliança, recordando ao povo a providência de Deus.
Então, Moisés ordenou a Aarão: “Toma uma vasilha, enche-a com uma medida de maná e deposita-a diante do Senhor, a fim de guardá-la para as gerações depois de vós”. E, segundo a ordem que o Senhor dera a Moisés, Aarão depositou a medida diante do Testemunho, a fim de ser guardada. (Ex 16, 33-34)
3. O Cajado Sacerdotal
Todo o povo eleito era um reino de sacerdotes e nação santa (Ex 19, 6), porém havia nele homens consagrados ao sacerdócio propriamente dito. O primeiro foi Aarão, irmão de Moisés (Ex 28, 1). Seu cajado sacerdotal foi armazenado na Arca da Aliança.
Então, o Senhor disse a Moisés: “Recoloca o cajado de Aarão diante do Testemunho, para ser guardado como sinal para a gente rebelde.” (Nm 17, 10)
Essas eram as três relíquias contidas na Arca da Antiga Aliança. Mas o que será que elas têm a ver com Nossa Senhora? É o que veremos a seguir.
Uma Exclamação Musical
O Evangelho de São Lucas narra que, após ter concebido pelo Espírito Santo, Maria iniciou uma jornada. Ela estava grávida e, mesmo assim, subiu às pressas de Nazaré em direção a uma cidade de Judá.
Naqueles dias, Maria levantou-se e foi apressadamente à região montanhosa, a uma cidade de Judá. (Lc 1, 39)
Esse versículo parece ressoar um outro acontecimento, que remonta ao Antigo Testamento. O rei Davi tinha conduzido a Arca da Antiga Aliança à mesma região, séculos antes.
Quando Lucas nos diz que Maria partiu apressadamente para a região montanhosa da Judeia para visitar sua parenta (Lc 1, 39), ele nos recorda como Davi e sua comitiva puseram-se a caminho para a mesma região, séculos antes, a fim de transportar a arca (2Sm 6). [5]
Chegando à casa de Isabel, Maria entrou e foi recebida com grande alegria. A criança pulou de alegria no ventre de Isabel, e ela exclamou com voz forte a santidade de Maria (Lc 1, 41 - 42). Até hoje nós rezamos as suas palavras na Ave-Maria.

Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! (Lc 1, 42)
Esse feliz acontecimento é narrado com algumas sutilezas que nos remetem à Arca da Antiga Aliança. O Evangelho diz que Isabel “exclamou”. Esse verbo foi usado poucas vezes na Bíblia: no Novo Testamento, apenas na resposta de Isabel a Maria; e no Antigo Testamento em grego, em torno da Arca da Antiga Aliança.
Embora o verbo grego traduzido como “exclamou” pareça suficientemente habitual, quase nunca é usado na Bíblia. De fato, em todo o Novo Testamento, é encontrado apenas aqui. Sua presença no Antigo Testamento grego também é esparsa; aparece apenas cinco vezes. [6]
A Palavra de Deus é muito profunda. Nela, não há detalhes vãos. “Exclamar” era como se descreve no Antigo Testamento a música que os sacerdotes levitas tocavam para glorificar a Deus.
Toda vez que essa expressão é usada no Antigo Testamento constitui parte das histórias em torno da Arca da Aliança. Em particular, refere-se aos sons melódicos produzidos pelos cantores e músicos levíticos quando glorificam o Senhor. Isso descreve, portanto, a voz dos instrumentos que eram ressoados com alegria perante a Arca quando Davi a carregou em procissão para Jerusalém. [7]
Com isso, podemos entender que São Lucas sugere que Isabel “exclamou” perante Maria, como “exclamavam” os instrumentos musicais dos levitas perante a Arca da Antiga Aliança (1 Cr 15, 16.28; 16, 4-5).
[Isabel] também ergue a sua voz em louvor litúrgico, não perante um baú de ouro, mas perante Maria. [8]
A aproximação entre os dois relatos não se encerra aqui. No entanto, precisamos prosseguir. Chegou o momento de pôr a questão central deste artigo: O que significa Maria como a Arca da Aliança?
Arca da Nova Aliança
Já vimos que a Arca da Antiga Aliança era santa porque continha em si três relíquias em seu interior. Maria não trazia relíquias em seu ventre, mas sim uma Pessoa Divina. Se a arca era santa, podemos dizer que Maria é santíssima!
Talvez um exemplo nos ajude a entender melhor tudo que escrevemos até agora. Imagine que você tivesse visto Maria caminhando às pressas de Nazaré até a casa de Isabel, como narrou São Lucas no Evangelho. Ela estava grávida, pois concebeu do Espírito Santo.
Nós sabemos que a Arca da Antiga Aliança continha em seu interior as tábuas da Lei. Elas eram a Palavra de Deus escritas em duas pedras. E Maria, quem trazia? A própria Palavra de Deus na carne, Jesus Cristo!
Se a primeira arca continha a Palavra de Deus na pedra, o corpo de Maria continha a Palavra de Deus encarnada. [9]
Vimos que a Arca da Aliança trazia também o maná que caía do céu e o cajado do sacerdote Aarão. E Maria, quem trazia? O próprio Pão do Céu e Eterno Sacerdote, Jesus Cristo!
Se a primeira arca continha o pão milagroso do céu, em seu corpo Maria tinha o próprio Pão da Vida, que vence a morte para sempre. Se a primeira arca continha o cajado do primeiro sacerdote do povo, o corpo de Maria continha a própria pessoa do sacerdote eterno, Jesus Cristo. [10]
Agora nós podemos entender a reverência com que o Evangelho de São Lucas nos apresenta Maria. Ela é a Arca viva da Nova Aliança; e esta não fica parada, mas põe-se em movimento para nos trazer o seu Filho.
O Evangelho de Lucas que acabamos de ouvir (cf. Lc 1, 39-56), mostra-nos esta arca viva, que é Maria, em movimento: deixando a sua casa de Nazaré, Maria põe-se em viagem rumo à montanha, para ir às pressas a uma cidade de Judá e chegar à casa de Zacarias e Isabel. [11]
Uma Devoção Enraizada na Palavra de Deus
A devoção a Maria possui um fundamento bíblico muito forte. No Antigo Testamento, a arca era o símbolo da proximidade concreta de Deus. Por isso, recebia reverências. Agora, na Nova e Eterna Aliança, nós prestamos devoção a Maria porque encontramos o próprio Deus não mais em um baú revestido de ouro, mas em Maria, que nos traz o Filho.
Para o Antigo Testamento, ela é o símbolo da presença de Deus no meio do seu povo. Mas o símbolo já cedeu o lugar à realidade. Assim, o Novo Testamento diz-nos que a verdadeira arca da aliança é uma pessoa viva e concreta: é a Virgem Maria. Deus não habita num móvel, mas sim numa pessoa, num coração: Maria. [12]
Não tenhamos receio de invocar a presença de Maria em nossas vidas. Ela traz Jesus a todos nós e nos ensina a amá-lo. Por isso, todas as gerações a chamam de bem-aventurada (Lc 1, 48).
Que Nossa Senhora da Visitação abençoe a todos nós!
Referências:
[1] Catecismo da Igreja Católica, 149.
[2] Catecismo da Igreja Católica, 487.
[3] Scott Hahn. Salve, Santa Rainha: A Mãe de Deus na Palavra de Deus. Lorena, SP: Cléofas, 2017. Página 56.
[4] Ibid, p. 54.
[5] Scott Hahn & Curtis Mitch. O Evangelho de São Lucas: Cadernos de Estudo Bíblico. Campinas, SP: Ecclesiae, 2015. p. 35.
[6] Ibid, p. 35-36.
[7] Ibid, p. 36.
[8] Ibid, p. 36.
[9] Scott Hahn. Salve, Santa Rainha: A Mãe de Deus na Palavra de Deus. Lorena, SP: Cléofas, 2017. p. 54.
[10] Ibid, p. 54.
[11] Papa Bento XVI. Homilia de 15 de agosto de 2011 (Solenidade da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria).
[12] Ibid.