Uma das causas do grande mal-estar que assola o mundo moderno é o esquecimento de Deus, manifestado pelo pecado. Há quase cem anos, o frade Garrigou-Lagrange já advertia o mundo da necessidade que temos de Deus:
A urgência premente de nos lembrarmos do único necessário se faz sentir particularmente neste tempo de mal-estar e confusão geral. [1]
Nós não estamos livres dos males do nosso tempo. Vivemos em uma sociedade que banaliza o pecado. Às vezes nós também tratamos o pecado como algo trivial e não damos a devida importância às confissões.
Neste artigo, vamos tratar das possíveis causas de tantas recaídas nos mesmos pecados. O objetivo é ajudar você a examinar sua consciência e crescer na amizade com Deus. Primeiro, é preciso entender o que é o pecado. Em seguida, vamos apresentar algumas dicas práticas de como vencer o combate das recaídas no pecado.
O que é o Pecado Mortal?
O Catecismo da Igreja Católica nos apresenta uma definição muito precisa de pecado mortal. Talvez você desconheça alguns termos. Não se preocupe, nós vamos explicá-los em seguida:
É pecado mortal todo pecado que tem como objeto uma matéria grave e que é cometido com plena consciência e deliberadamente. [2]
São três os elementos para que um ato seja qualificado como pecado mortal:
1. Desobediência aos Mandamentos de Deus
O princípio do pecado é uma desobediência aos Mandamentos de Deus. Trata-se aqui de uma realidade bastante objetiva. É Deus quem revela o que é pecado e o que não é pecado. Nós somos chamados a confiar, por amor.
Quem acolhe os meus mandamentos e os observa, esse é que me ama. (Jo 14, 21a)
Confie nos Dez Mandamentos. Deus os revelou para o nosso bem. Existem pessoas que são muito emotivas e pouco se guiam pela razão. Não há nada de errado em ter emoções, mas é importante, se este for o seu caso, que você não se deixe guiar por elas. Mesmo que uma emoção sugira um pecado, não peque. A verdade não é um sentimento, nem uma emoção, a verdade é objetiva e devemos segui-la, mesmo que sintamos vontade de pecar.
O primeiro elemento para um pecado mortal é, portanto, transgredir algum dos mandamentos que Deus nos deu para nossa salvação. Essas são leis objetivas que nossa própria razão compreende ao refletir sobre elas.
2. Escolha Pessoal
Somente acontece um pecado mortal se a pessoa faz uso de seu livre-arbítrio. É preciso que a pessoa escolha o pecado. Assim, por exemplo, o Primeiro Mandamento nos pede para amarmos a Deus sobre todas as coisas. Por isso, rejeitamos toda forma de adivinhação e magia. Se, por exemplo, uma pessoa escolhe consultar horóscopos, peca gravemente.
Deus pode revelar o futuro a seus profetas e a outros santos. Todavia, a atitude cristã consiste em entregar-se com confiança nas mãos da providência no que tange ao futuro, e em abandonar toda curiosidade doentia a este respeito. [3]
É um dever de amor a Deus guardar a nossa fé. Nós devemos rejeitar tudo que se opõe ao que a Igreja nos ensina.
Portanto, para que se cometa um pecado mortal, aquele que peca não pode ter sido obrigado a cometer aquele ato, caso contrário não seria um ato livre. Mas lembremo-nos que só são verdadeiramente livres aqueles que escolhem a vontade de Deus e não o pecado.
3. Conhecimento
Já vimos que o pecado mortal é uma escolha pessoal que viola um dos Dez Mandamentos, mas não podemos esquecer que ele é cometido com conhecimento do mal. Aquele que peca sabe, com maior ou menor consciência, que seu ato é pecaminoso.
O desconhecimento de Deus até pode reduzir a responsabilidade. No entanto, não é lícito usar a ignorância como desculpa para pecar, nem fechar o coração para manter-se no pecado.
A ignorância afetada e o endurecimento do coração não diminuem, antes aumentam, o caráter voluntário do pecado. [4]
Pecados Mortais e Veniais
Todo pecado é grave, mas a gravidade varia conforme o tipo. Os pecados que contêm todos os elementos descritos acima são pecados mortais. Eles ferem a amizade com Deus, matando a caridade em nossa alma. Não deixe de levar ao confessionário os pecados mortais que você cometeu em sua vida.
O pecado mortal, atacando em nós o princípio vital, que é a caridade, exige uma nova iniciativa da misericórdia de Deus e uma conversão do coração, que se realiza normalmente no sacramento da Reconciliação. [5]
Há, porém, pecados menos graves. São os pecados veniais. Eles ferem a alma, mas não matam a caridade. São os pecados que não se constituem de matéria grave, e quando cometidos sem pleno conhecimento ou sem uma decisão livre. Eles são perdoados, por exemplo, no ato penitencial da Santa Missa. Porém, você pode levá-los ao confessionário se quiser:
Apesar de não ser estritamente necessária, a confissão das faltas cotidianas (pecados veniais) é vivamente recomendada pela Igreja. Com efeito, a confissão regular de nossos pecados veniais nos ajuda a formar a consciência, a lutar contra más tendências, a deixar-nos curar por Cristo, a progredir na vida do Espírito. [6]
Dizer que existem pecados menos graves não deve ser entendido como uma desculpa para cometê-los. Repito que todo pecado é grave! Se o pecado venial não for combatido, ele vai arrastar você para o pecado mortal.
O pecado venial deliberado e que fica sem arrependimento dispõe-nos pouco a pouco a cometer pecado mortal. [7]
O Problema das Recaídas no Pecado
Todos nós temos más tendências (ou concupiscências). Elas nos inclinam a praticar o que é contrário à Lei de Deus. Elas não são pecados em si mesmas, porque não escolhemos carregar essas desordens em nós. Mesmo assim, se forem acolhidas, elas se tornam pecados.
Ainda temos de combater os movimentos da concupiscência, que não cessam de arrastar-nos para o mal. [8]
Você conhece as suas más tendências? Geralmente, o desconhecimento delas nos expõe ao pecado. Acabamos voltando ao confessionário pelas mesmas faltas porque não nos conhecemos bem.
É fundamental lutarmos contra as recaídas no pecado. Nós não podemos nos acomodar. Quando o pecado não é combatido, ele se prolifera. Um pecado conduz a outro. A repetição pode ser tornar viciosa.
O pecado cria uma propensão ao pecado; gera o vício pela repetição dos mesmos atos. [9]
Mas como devemos combater este bom combate? Seguem abaixo quatro dicas para ajudar você a servir a Deus.
1. Fugir das Ocasiões de Pecado
Segundo Santo Afonso de Ligório, existem dois tipos de ocasião de pecado. As ocasiões remotas são aquelas que estão em todo lugar, mas que geralmente não nos arrastam ao mal. Já as ocasiões de pecado próximas são as que geralmente nos induzem ao pecado. Devemos ter um cuidado redobrado com estas.
Como podemos distingui-las em nossa vida? É importante saber que uma mesma ocasião pode ser classificada como remota para uma pessoa e como próxima para outra, porque cada uma tem as suas próprias inclinações.
O perigo não é igual nem o mesmo para todos. [10]
Examine com atenção as ocasiões em que você pecou. Quando tiver identificado com clareza cada uma, fuja de ocasiões semelhantes. Você deve conhecer as suas maiores fraquezas. Não se esqueça que o demônio aguarda a ocasião em que você está mais frágil para atacar.
O vosso adversário, o diabo, vos rodeia como um leão a rugir, procurando a quem devorar. (1Pd 5, 8)
Você já examinou como usa os seus olhos? Em um mundo cheio de impurezas como o nosso, devemos tomar cuidado com eles. Das redes sociais à televisão, somos importunados com muitas imagens indecentes. Tome cuidado com o conteúdo que você escolher consumir.
Como queremos salvar nossa alma, é nosso dever fugir da ocasião do pecado. Principalmente devemos abster-nos de contemplar pessoas que nos suscitam maus pensamentos. [11]
Um tema delicado são as amizades. Será que as suas são boas? Existem amigos que lutam contra o pecado. Quando caem, sofrem. São pessoas que querem mudar de vida. Há outros, porém, que festejam o pecado e chegam até mesmo a defendê-lo.
Anda com os bons e tornar-te-ás bom, anda com os desonestos e tornar-te-ás desonesto. [12]
Nem toda amizade nos convém. Talvez seja bom pedir ao seu confessor para ajudá-lo neste discernimento.
Desse modo, vemos que as ocasiões de pecado são o primeiro obstáculo a ser vencido para evitar as recaídas. Assim como o bar representa um grande perigo para o alcoólatra que está tentando vencer o seu vício, determinadas ocasiões podem ser um grande perigo para você em relação aos seus pecados. Esteja atento.
2. Um Firme Propósito
Não é fácil perseverar em nossos propósitos de santidade. Como vimos acima, temos que lutar contra as más inclinações. Elas nos empurram para outra direção. Mas é possível opor resistência, colaborando com a Graça de Deus em nós.
A fragilidade e as más inclinações da carne, que agravam a alma e arrastam para as coisas da terra, nos fazem abandonar facilmente as nossas boas resoluções, a menos que, à força de as guardar, nos esforcemos muitas vezes para nos elevar aos bens celestes. [13]
São Francisco de Sales nos propõe um caminho de resistência a este mal. Nós podemos dedicar um tempo (ao menos uma vez por ano) para examinar com cuidado as nossas disposições interiores. Por exemplo, você costuma fazer retiros? É uma prática que pode ajudar a renovar a sua determinação de não pecar.
A conversa com Deus na oração íntima é uma arma a mais que não podemos negligenciar nesse bom combate. Por meio desse tipo de oração, que é chamada de oração mental, nós entramos em contato com a vontade do Senhor para as nossas vidas.
O que não perder de vista as verdades eternas, a morte, o juízo, a eternidade, não cairá no pecado. Na meditação, Deus nos ilumina, fala conosco e ensina-nos o que temos a evitar e o que temos a fazer. Numa palavra, a meditação é essa doce fornalha na qual se acende o fogo do amor divino. [14]
3. Assiduidade nos Sacramentos
Santo Afonso de Ligório nos aconselha que, se quisermos evitar recaídas no pecado, devemos nos fortalecer nos Sacramentos. Receber a Eucaristia em estado de graça é um tesouro de valor inestimável! Porém, é necessário confessar-se regularmente para não comungar sacrilegamente.
A comunhão é chamada pão celeste, porque, assim como o corpo não pode viver sem o sustento terrestre, assim a alma não pode viver sem este alimento celeste. [15]
Examine a sua consciência para certificar-se de que tem comungado bem.
4. Intercessão dos Santos
No combate às más tendências, lembre-se de que existe uma nuvem de testemunhas ao seu redor. É assim que a Carta aos Hebreus se refere aos santos. Você se lembra do texto que publicamos sobre este assunto? Se puder, leia o artigo “Onde Está Isso na Bíblia?”
Os santos do Céu nos acompanham, eles conhecem as suas lutas. É uma boa prática pedir a intercessão de um santo que tenha lutado contra aquilo que aflige você, ou que tenha cultivado a virtude de que você mais precisa hoje. Assim, por exemplo, pode-se pedir a intercessão de Santa Inês de Roma pela graça da pureza.
Uma Caminhada ao Céu
A nossa fraqueza não deve nos desanimar. Somos pecadores, sim, mas a nossa confiança não está em nós. O Senhor é misericordioso. Ele nos ama! Aproxime-se do Sacramento da Reconciliação (confissão) com o firme propósito de mudar de vida. Peça sempre a intercessão do Imaculado Coração de Maria, para que as suas confissões sejam cada vez mais contritas.
Referências:
[1] Garrigou-Lagrange. As Três Vias e as Três Conversões. Rio de Janeiro, RJ: Ed. Permanência, 2011. p.15.
[2] Catecismo da Igreja Católica, 1857.
[3] Catecismo da Igreja Católica, 2115.
[4] Catecismo da Igreja Católica, 1860.
[5] Catecismo da Igreja Católica, 1856.
[6] Catecismo da Igreja Católica, 1458.
[7] Catecismo da Igreja Católica, 1863.
[8] Catecismo da Igreja Católica, 978.
[9] Catecismo da Igreja Católica, 1865.
[10] Santo Afonso Maria de Ligório. Escola da Perfeição Cristã: Compilação de textos do Santo Doutor pelo padre Saint-Omer, CSSR, IV Edição. Editora Vozes, Petrópolis: 1955. p. 44-48.
[11] Ibid.
[12] Ibid.
[13] São Francisco de Sales. Filoteia. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2021. p 471.
[14] Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Duodécima semana depois de Pentecostes até ao fim do ano Eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 446-449).
[15] Ibid.