Santa Teresa de Jesus, também chamada de Santa Teresa d’Ávila, é reconhecida como uma das maiores mestras da vida espiritual de toda a história, sendo a primeira mulher a ser proclamada Doutora da Igreja. Sua vida e ensinamentos têm influenciado gerações de fiéis sedentos de Deus, oferecendo um caminho seguro para a união com a Santíssima Trindade.
Neste texto, exploraremos sua biografia e os principais pontos de sua doutrina, focando nos aspectos que são primordiais para nosso caminho de santidade – ou, como diria Santa Teresa, “caminho de perfeição”.
“Eu quero ver a Deus”
Santa Teresa d’Ávila, nasceu em 28 de março de 1515, em Gotarrendura, perto de Ávila, na Espanha. Desde jovem, Teresa mostrou um verdadeiro zelo pelas coisas de Deus. Por volta dos 7 anos de idade, inspirada pelas histórias dos mártires, ela decidiu que a melhor forma de alcançar o Céu seria entregar sua vida ao martírio por amor a Cristo. Que santa ousadia vinda de uma simples criança!
Determinada, convenceu seu irmão, Rodrigo, a acompanhá-la em uma fuga de casa com o propósito de ir até terras muçulmanas, onde esperavam ser martirizados pela fé. Assim, os dois partiram de Ávila, mas foram rapidamente encontrados por um tio que, ao vê-los na estrada, os trouxe de volta para casa.
Após o retorno, Santa Teresa, ainda com o coração inflamado pelo desejo de santidade, explicou o motivo de sua ousadia. Com a sinceridade e espontaneidade típicas das crianças, ela disse:
Parti porque quero ver a Deus e, para vê-lo, é preciso morrer. [1]
Essa resposta revelava a força de sua fé desde a infância, uma fé que buscava por uma união plena e irrevogável com Deus. Esse anseio guiou toda a sua vida, culminando em sua dedicação à reforma da Ordem Carmelitana e em sua própria experiência mística.
A Religiosa
Em 1535, Santa Teresa ingressou no convento das Carmelitas. Com o tempo, ela percebeu que, embora cumprisse seus deveres religiosos com dedicação, não estava plenamente unida a Deus. Sua vida religiosa, ainda que exemplar, carecia de um amor ardente e integral ao Senhor. Ela percebeu que vivia como uma boa monja, mas distraída do verdadeiro propósito da vida: ser uma com Jesus.
Tal percepção levou Santa Teresa a buscar uma “reforma” de vida, ou seja, uma segunda conversão. Essa transformação interior impulsionou-a a uma vida de oração ainda mais intensa e resoluta, o que, por sua vez, a motivou a reformar sua Ordem, que havia se distanciado do espírito da regra original. Sua iniciativa culminou na fundação das “Carmelitas Descalças”, caracterizada por um despojamento e uma entrega mais radical à vida da clausura.
Em 1562, Santa Teresa fundou o primeiro convento reformado em Ávila, o “Carmelo de São José”, e ao longo de sua vida estabeleceu várias outras comunidades carmelitas descalças, tornando-se um exemplo de mãe espiritual, de disciplina e devoção.
Olhando a vida de Santa Teresa, podemos nos perguntar:
- Minha vida tem se desviado de sua finalidade, que é a união com Cristo?
- Será que também não preciso de uma nova conversão?
- Minha oração é feita de forma mecânica ou com genuína generosidade?
Os dois pontos principais da doutrina de Santa Teresa
Os ensinamentos de Santa Teresa abrangem diversos aspectos da vida espiritual, com dois pilares principais:
- A Oração: Para Teresa, a oração é essencial na vida do cristão. Ela a descreve não apenas como uma prática discursiva, mas como um diálogo íntimo com Deus, a qual ela chamava de “oração mental”. A Santa diz:
… não é outra coisa a oração mental, ao meu ver, se não um trato de amizade, estando muitas vezes tratando a sós com quem sabemos que nos ama. [2]
Clique aqui e leia mais sobre esse tema em nosso artigo “5 Conselhos de Santa Teresa para a Vida de Oração”.
- O Amor: Santa Teresa enfatiza a caridade como o coração da vida espiritual, afirmando que é ela quem transforma a alma, aproximando-a e unindo-a a Deus:
Quem deveras ama a Deus, todo o bem ama, todo o bem quer, todo o bem favorece, todo o bem louva, com os bons se junta, sempre os defende, todas as virtudes abraça; não ama o que não é a verdade e o que não seja digno de amar. [3]
O amor não consiste em ser favorecido de consolações. Consiste, sim, numa total determinação e desejo de contentar a Deus em tudo, em procurar, o quanto pudermos, não ofendê-lo e rogar-lhe pelo aumento contínuo da honra e glória de seu Filho e pela prosperidade da Igreja Católica. [4]
A doutrina das Moradas: o Castelo Interior
Um dos conceitos mais interessantes e conhecidos de Santa Teresa é a doutrina das “moradas”. Teresa utiliza a metáfora de um castelo para descrever a alma humana. O castelo possui várias moradas, cada uma representando um estágio distinto na jornada interior em direção à união com Deus, que reside no centro do Castelo.
As moradas são divididas em sete. A seguir, um resumo de cada uma delas, com ênfase na oração. Vejam a maravilha que se dá no itinerário à santidade:
Primeiras Moradas: Representam o início da vida espiritual, quando a alma reconhece a necessidade de Deus e se coloca, pelo batismo ou pela confissão, em estado de graça.
Segundas Moradas: Há um progresso, onde a alma passa a levar a vida espiritual com maior seriedade, dedicando-se com afinco à oração, ao aprofundamento no conhecimento de Jesus Cristo, à meditação sobre Sua Paixão e ao exercício de uma vida de penitência.
Terceiras Moradas: Aqui, a alma já alcançou, pela vida de oração, um nível considerável de virtude e estabilidade espiritual. Há um forte desejo de progredir na busca pela santidade, mas ela ainda se vê sutilmente inclinada ao conforto e à segurança. Falta-lhe um desprendimento das coisas mundanas e uma confiança incondicional em Deus.
Quartas Moradas: Neste estágio de progresso espiritual, à medida que a alma enfrenta provações e se entrega cada vez mais a Deus, o próprio Senhor, em Sua compaixão, atrai a alma para uma oração mais profunda. A alma então assume uma postura mais passiva e receptiva. Nesse processo, Deus vai despertando nela um desejo ainda maior de união com Ele.
Quintas Moradas: A alma atinge um estado de união com Deus mais intenso, marcado por um desejo ardente de “perder” por amor a Cristo. O desapego que era tão difícil nas primeiras, segundas e terceiras moradas, aqui torna-se querido e vital. A oração é marcada por um estado de recolhimento e silêncio interior, onde a presença de Deus é percebida de forma tão íntima que a alma não mais se distrai com outras coisas.
Sextas Moradas: A alma já alcançou um nível bastante elevado de união com Deus, mas ainda enfrenta grandes provações e desafios. Este estágio é caracterizado por fortes experiências místicas, sofrimentos e purificações espirituais. Aqui, a alma vive em amorosa humildade e obediência, marcada por uma “ferida de amor” que a faz desejar entregar-se completamente a Deus. Esse desejo ardente a impulsiona a viver não apenas para sua própria santificação, mas também pela salvação das almas, com um coração inflamado de amor por Deus e pelo próximo.
Sétimas Moradas: No centro do castelo encontra-se a Santíssima Trindade. Nas sétimas moradas, ocorre a união mística completa, conhecida como "União Transformante", em que a alma e Deus, unidos no amor (o Espírito Santo), formam uma perfeita comunhão de vontades. Deus Se entrega à alma plenamente – o máximo que é possível nesta vida – como Esposo. A alma do santo é inundada por uma paz inabalável e torna-se, enfim, o “Jardim das Delícias” de Deus, onde Ele passeia suavemente, como na brisa da tarde. Este é o matrimônio espiritual.
Estado de Graça
Diante de tudo que refletimos até aqui, o mais importante para nós é nos dedicarmos com seriedade às três primeiras moradas, pois elas são fundamentais para o crescimento espiritual. É nelas que Deus espera nossa primeira e decisiva escolha por Ele, estabelecendo as bases para todo o progresso na vida interior.
Estar em estado de graça é fundamental, pois é através da graça, pelos sacramentos, que a alma participa da natureza divina e pode se aproximar cada vez mais de Deus. Sem a graça santificante, nossa alma se encontra nas trevas espirituais, ou seja, está morta para a vida em Deus.
Santa Teresa enfatiza que o pecado rompe a comunhão com Deus e torna a oração espiritualmente estéril no caminho para a santidade. Para permanecer em estado de graça, é indispensável evitar todo pecado, especialmente o pecado mortal, que é uma violação grave dos Dez Mandamentos.
Mas como podemos nos manter em estado de graça? Santa Teresa sugere algumas práticas essenciais:
Exame de Consciência: Primeiro, escolher um bom guia para o exame de consciência. Em seguida, reservar um tempo, diariamente, se possível, para refletir sobre as ações do dia e identificar onde se pecou e em quais aspectos se pode melhorar.
Confissão: Fazer do sacramento da reconciliação uma prática regular, buscando a misericórdia de Deus, que lava nossa alma de todo pecado e purifica-a de suas desordens, imperfeições e apegos.
Eucaristia: Assistir a Santa Missa e receber a Eucaristia frequentemente é uma fonte de graça e fortalecimento espiritual. Pela Eucaristia, Jesus toca em nós como o amor imolado, aumentando em nossa alma o desejo de se ofertar a Deus e ao próximo, em todas as dimensões da vida.
Vida de Oração
Santa Teresa sugere que a vida de oração deve ser integrada à rotina diária. Ela recomenda que a oração seja meditada, penetrando nossa inteligência nas verdades reveladas e na própria pessoa de Jesus, especialmente em Sua Paixão e Morte na Cruz.
Reservar um tempo para a oração mental, mesmo que seja breve – 15 minutos, 30 minutos ou 1 hora – é um verdadeiro ato de fé, esperança e caridade. Demorar-se na presença de Jesus é, acima de tudo, uma expressão de amor. Quem ama deseja estar perto, gastar tempo na presença da pessoa amada.
A oração cultiva em nós esse amor que deseja ouvir a voz do Senhor e compartilhar de Seus silêncios cheios de sentido e ternura. Esse permanecer com Cristo na oração reflete a vontade de conhecer Seu coração e viver em comunhão constante com Ele, pois o verdadeiro amor não se apressa, mas se deleita na companhia do Amado.
Como podemos cultivar uma vida de oração verdadeiramente eficaz? A seguir, apresentamos algumas orientações:
Silêncio Interior: Criar um ambiente propício à meditação, afastando-se das distrações externas e internas.
Leitura Espiritual: Ler as Sagradas Escrituras ou textos espirituais para nutrir a alma e refletir sobre as verdades de fé. Meditar em textos (e também diante de imagens e filmes) de Cristo Crucificado é de extrema importância para a vida espiritual, pois nos ajuda a compreender o profundo amor de Deus por nós e o preço de nossa salvação. Ao contemplar Seus sofrimentos, somos movidos ao arrependimento e um desejo de nos unir mais plenamente à Sua vontade. Essa meditação nos conduz à humildade e ao amor sacrificial.
A própria Santa Teresa teve o início de sua segunda conversão diante de uma imagem de Cristo chagado. Acompanhemos suas palavras:
Aconteceu-me de, entrando um dia no oratório, ver uma imagem guardada ali para certa festa a ser celebrada no mosteiro. Era um Cristo com grandes chagas que inspirava tamanha devoção que eu, de vê-lo, fiquei perturbada, visto que ela representava bem o que Ele passou por nós. Foi tão grande o meu sentimento por ter sido tão mal-agradecida àquelas chagas que o meu coração quase se partiu; lancei-me a seus pés, derramando muitas lágrimas e suplicando-lhe que me fortalecesse de uma vez para que eu não o ofendesse. [5]
Diálogo com Deus: Conversar com Deus como se faz com um amigo, trazendo preocupações, alegrias e anseios. Atentemo-nos ao que Santa Teresa diz sobre esse diálogo:
Para aproveitar neste caminho e subir às moradas desejadas, o essencial não é pensar muito – é amar muito. Escolhei de preferência o que mais vos conduzir ao amor. [6]
Adoração: Reservar momentos para adorar a Deus, reconhecendo Sua grandeza, Beleza e Bondade.
Ação de Graças: Cultivar um espírito de humildade e gratidão, especialmente referindo-se à Morte e Ressurreição de Jesus; e por tudo que Ele nos concedeu – como a nossa Mãe Santíssima, a Eucaristia, a Igreja e nossa família. Além disso, reconhecer com gratidão tudo o que Ele nos dá diariamente, tanto as alegrias da vida quanto as cruzes que nos santificam.
Santa Teresa, a poetisa
Santa Teresa possuía um dom singular para a poesia. Suas composições brotavam de sua santidade, de seu coração profundamente unido ao do Senhor. Através de sua poesia, Teresa conseguia transmitir de forma simples e bela os cânticos que apenas uma alma profundamente enamorada por Deus é capaz de expressar.
Para finalizarmos esta breve reflexão sobre a grandiosa Santa Teresa, compartilhamos um de seus poemas mais conhecidos – e também mais belos:
Só Deus Basta
Nada te perturbe,
Nada te espante,
Tudo passa, Deus não muda,
A paciência tudo alcança;
Quem a Deus tem, nada lhe falta:
Só Deus basta.
Eleva o pensamento,
Ao céu sobe,
Por nada te angusties,
Nada te perturbe.
A Jesus Cristo segue,
Com grande entrega,
E, venha o que vier,
Nada te espante.
Vês a glória do mundo?
É glória vã;
Nada tem de estável,
Tudo passa.
Deseje às coisas celestes,
Que sempre duram;
Fiel e rico em promessas,
Deus não muda.
Ama-o como merece,
Bondade Imensa;
Quem a Deus tem,
Mesmo que passe por momentos difíceis;
Sendo Deus o seu tesouro,
Nada lhe falta.
Só Deus basta!
Que esta grande santa, doutora e poetisa continue a nos guiar e nos inspirar na busca por uma relação mais íntima com o Senhor.
Santa Teresa d’Ávila, rogai por nós!
Referências:
[1] Frei Maria-Eugênio do Menino Jesus, OCD. Quero ver a Deus. Cap. II. p. 55.
[2] Santa Teresa de Jesus. Livro da Vida. Cap. 8.
[3] Santa Teresa de Jesus. Caminho de Perfeição. Cap. 69.
[4] Santa Teresa de Jesus. Moradas. IV 1, n. 7.
[5] Santa Teresa de Jesus. Livro da Vida. Cap. 9 – 1.
[6] Santa Teresa de Jesus. Moradas. IV 1, n. 7.